Por José Roberto Pereira
Professor coordenador do Neapegs/UFLA

 

A água potável no mundo constitui um bem comum cada vez mais escasso e que é motivo de disputa de interesses geradores de conflitos sociais locais, regionais e globais. Autores como o alemão Harald Welzer tratam da questão da escassez da água e dos conflitos gerados em torno dela. Vários autores consideram a água como bem comum, um direito humano fundamental, patrimônio público e que pode motivar a cooperação entre os povos; é o caso da ativista canadense Maude Barlow e da professora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Paula Lopes. No entanto, como pondera Ann-Christin Sjolande Holland (2005), a água também é considerada como commodity pelas grandes corporações; é a visão da água como negócio.

Cada um desses interesses representa os três grandes setores: o Estado, o Mercado e a Sociedade. Considerando esse contexto internacional de discussão, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Administração Pública e Gestão Social (Neapegs) da UFLA vem realizando pesquisas no sul de Minas Gerais, no Brasil e no exterior (América Latina, Portugal e Espanha), com o propósito de analisar os conflitos, os limites e as possibilidades das gestões privada, estatal ou pública e da gestão social da água como exercício da cidadania no âmbito da formação de uma esfera pública politizada. As pesquisas realizadas desde 2016 foram de natureza qualitativa e de caráter descritivo e geraram uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado, havendo também outras duas teses de doutorado em andamento. Além disso, foi feita uma revisão bibliográfica sobre o tema em países como México, Portugal e Espanha.

Os conflitos em torno da gestão das águas, e especificamente da água potável, refletem os diferentes tipos de interesses em jogo. No caso do Brasil, a própria legislação estabelece bases – mercadológicas de exploração da água, à medida que se fundamenta no conceito econômico de “escassez de recursos” e que permite a cobrança pelo seu uso e sua exploração até a exaustão, deixando em aberto sua privatização. Com base em relatórios do governo alemão, Harald Welzer alerta para o fato de que cerca de 1 bilhão e cem milhões de pessoas no mundo já não têm acesso à água potável em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência. Para Barlow (2015) há em todo o mundo um movimento de privatização da água, deixando a maioria das populações impotente para enfrentar esses interesses corporativos, pelo poder econômico e financeiro que eles detêm.

Os resultados das pesquisas no Brasil mostram que se formou uma esfera pública politizada a partir da atuação de organizações não governamentais, com base em argumentos fundamentados no exercício da cidadania, buscando colocar em prática a gestão social da água, em que a população local exerce a cidadania deliberativa. Nesse contexto, a água é considerada direito humano, patrimônio público e meio de preservação do meio ambiente. Nos casos de Portugal e Espanha, busca-se legitimar a gestão pública municipal da água, com políticas de incentivo a beber água da torneira e em processos de remunicipalização da gestão da água com a participação da população local a exercer o controle social. O direito à água potável está intimamente relacionado ao direito à saúde, aos direitos fundamentais como o direito à vida; por isso, argumentamos que é necessário reconhecer que a gestão da água deve ser uma gestão social, pois a água é um bem comum e de interesse público.

Observamos que, nos casos brasileiro e espanhol, a gestão social poderá se estabelecer por meio da formação de uma esfera pública politizada, que inclui o debate público, transparência nas informações, remunicipalização dos serviços de água e saneamento. No entanto, no caso do Brasil é necessário alterar a legislação a favor da água como bem comum, de maneira que a sociedade possa exercer de fato o controle sobre os processos gerenciais dos serviços de água e saneamento. No caso mexicano, a sociedade deve se empenhar na participação social e na luta a favor da água como bem comum. Em Portugal, a água não entra na pauta de luta como direito humano porque a maioria da população é atendida por serviços públicos de água e saneamento.

 

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