Qual é a relação entre política e direito? A partir dessa pergunta, o professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Lavras (DCH/UFLA) Marcelo  Sevaybricker Moreira e o estudante de Direito Arthur Phillipe revisaram obras dos filósofos Hannah Arendt e Giorgio Agamben, com a intenção de elaborar reflexões teóricas sobre o tema e entender, a partir desses grandes teóricos do século XX, questões atuais do Brasil e do mundo.  A pesquisa “Democracia e Estado de exceção: contribuições de Hannah Arendt e Giorgio Agamben” ganhou o Prêmio Graduando Destaque na Iniciativa Científica, na categoria Ciências Sociais Aplicadas, no 33° CIUFLA. 

Ao contrário do senso comum, que relaciona política ao aparato estatal, às instituições formais de organização da sociedade, como o parlamento e os partidos políticos, a filósofa alemã Hannah Arendt propõe outro pensamento. “Para ela e, em grande medida, Agamben parte desta definição, política é a esfera das relações de uma comunidade, ou seja, a esfera na qual interagimos uns com os outros em função de interesses e assuntos que são comuns às pessoas”, explica Marcelo  Sevaybricker Moreira. 

Contudo, os autores divergem a respeito do papel do direito. O filósofo italiano Agamben propõe a ideia de que a esfera jurídica trata-se de dominação e um instrumento do estado de exceção. “Ele compreende que, nas sociedades contemporâneas, o estado de exceção é permanente, sendo os aparatos de violência fundamentais para o seu próprio funcionamento. O estado de exceção é a norma. E, geralmente, a gente pensa no estado de exceção como uma situação temporária, atípica, de uso da violência e da força”, informa. A concepção de direito, a esfera das leis e das normas sociais não têm o mesmo significado para Hannah Arendt. “Pelo olhar dela, o direito diz respeito à condição para a vida pública. O que nos relaciona é também a esfera das leis”, ressalta. 

Mas, então, para ela, o que é estado de exceção? A filósofa usou o termo para descrever o estado totalitário. Nele, os indivíduos vivem permanente tirania, controle e imposição do medo. O professor do DCH explica que, durante a pandemia do coronavírus, por exemplo, Giorgio Agamben relacionou o pensamento da judia ao medo que as pessoas vivem. “Passamos a viver cada vez mais isolados dentro de casa, privados da esfera de convivência social, a chamada esfera pública, como é definida por Hanna Arendt e também por ele. É um autor que está pensando questões contemporâneas e, de forma geral, ele nos fornece hipóteses, ideias e formas de compreender os problemas que nos afeta”, informa.

Totalitarismo

Autora inspirada pelos acontecimentos que ela própria viveu, a filósofa alemã, judia e emigrada para os Estados Unidos por conta da perseguição nazista, Hannah Arendt é um dos principais nomes para se pensar sobre política. No livro “As origens do totalitarismo”, ela tenta explicar os motivos de coisas tão trágicas e dramáticas terem acontecido nos campos de concentração na Alemanha e nos campos de trabalho forçado na Rússia. “Tanto o nazismo alemão quanto o stalinismo russo são dois tipos de formações sociais designados por ela de sociedades totalitárias”, explica Marcelo  Sevaybricker Moreira. Os pesquisadores também se debruçaram no livro “A condição humana”. 

O estudo apontou que Hannah Arendt volta ao pensador francês Montesquieu, quem definiu, ainda no século 18, três formas de governo: a república, a monarquia e o despotismo. Para a filósofa alemã, o que aconteceu na Alemanha de Hittler e na Rússia de Stálin não é nenhuma dessas três formas, mas algo novo. Hannah Arendt entende que o totalitarismo foi a experiência limite e bastante excepcional que teria feito com que nos defrontássemos com a experiência dramática da vida humana reduzida ao mínimo. Outro ponto de convergência com Agamben é conceber o campo de concentração como um experimento da vida humana.

“Segundo essa tese, o campo de concentração foi um experimento político em que, por meio dos instrumentos da violência e do estado, foi possível reduzir a vida à condição mais elementar, mais básica possível, destituindo o indivíduo de sua identidade coletiva e de qualquer laço de parentesco. Tudo o que humaniza o ser humano é destruído no campo de concentração”, explica o professor do DCH/UFLA.

A partir da ideia do campo de concentração nazista, Agamben formula outro conceito: a vida nua. “É a vida marcada pelo medo, pela passividade, pela submissão a um conjunto de instituições de controle que são permanentes”, informa Marcelo Sevaybricker Moreira, enquanto relembra que Hannah Arendt discorda. Ela acreditava ser possível ao ser humano criar uma nova forma de vida social à medida que se engajasse na esfera pública. “Não acreditava que fosse fácil fazer isso, mas via uma possibilidade”, finaliza. 

 

 

Reportagem: Pollyanna Dias, jornalista- bolsista