Nos estágios iniciais da vida acadêmica, o percentual  de mulheres supera o de homens na Universidade Federal de Lavras (UFLA). Elas representam 62% de bolsistas de iniciação científica e 58% de estudantes da pós-graduação. Mas os percentuais caem expressivamente quando são observados os dados referentes a projetos de pesquisa registrados na Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e bolsistas de produtividade: nesses patamares mais avançados da carreira acadêmica, as mulheres são, respectivamente, 36%  e 17%.

Os dados acompanham a tendência observada em âmbito nacional. De acordo com a Capes, em 2020 as mulheres respondiam por 53% das matrículas da pós-graduação stricto sensu no Brasil. Por outro lado, representavam apenas 33% do total de bolsistas de Produtividade em Pesquisa, segundo o CNPq. Por sua vez, a participação feminina na Academia Brasileira de Ciências, cuja candidatura de membros ocorre pela indicação por pesquisadores de sua diretoria, era de apenas 17%.

A realidade da UFLA também é uma expressão do conceito de "labirinto de cristal". Para além de um "teto de vidro", uma única e grande barreira que dificulta a ascensão das mulheres aos postos mais elevados de várias profissões, o labirinto de cristal consiste em uma série de obstáculos presentes ao longo de toda a trajetória das mulheres na vida acadêmica, que tornam o percurso mais tortuoso, impactam as posições alcançadas e o ritmo de chegada, quando não levam à desistência da carreira. Ainda mais fino e delicado do que o vidro, o cristal permite às mulheres continuarem vendo as opções possíveis; entretanto, o material ainda é capaz de impor resistência e se constituir como um obstáculo no percurso.

De acordo com as professoras Amanda Castro e Evelise Freire, do Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas da UFLA (ICET/UFLA) e embaixadoras do movimento nacional Parent in Science, o impacto da maternidade na carreira é um dos maiores obstáculos. “Percebe-se certa resistência em reconhecer o papel social da maternidade. Por vezes, somos tratadas como se a maternidade nos impedisse de continuar nossas pesquisas, projetos. De fato, pode haver uma mudança de comportamento, mas não da nossa competência e capacidade para o trabalho”, ressalta Amanda. 

Evelise lembra também que essa redução na representatividade feminina em cargos de liderança acadêmica tem se tornado conhecida entre cientistas como “efeito tesoura”. "Muitas mulheres desistem pelo caminho, seja pelo preconceito, seja por casos de assédio, ou até mesmo por exaustão. Existe força nas que resistiram, mas não podemos romantizar essa força e nos esquecer das mulheres que foram excluídas. É preciso dar condições adequadas para que as mulheres se mantenham e possam crescer em suas carreiras, tenham elas filhos ou não. Mas certamente pesquisadoras com filhos sofrem um maior impacto.”

As docentes destacam, ainda, que as dificuldades ao longo da carreira não são o único obstáculo. “Também há barreiras que impactam a escolha das jovens, principalmente pelas carreiras de Exatas, seja pela imagem estereotipada de cientistas como do gênero masculino, seja pela responsabilização precoce com as obrigações  de cuidar  tanto dos afazeres domésticos quanto de  familiares”, afirma Amanda.

Para romper com esses padrões e garantir a participação feminina em todas as etapas da carreira, as docentes defendem o investimento em ações afirmativas e a luta por políticas públicas de equidade. “Por isso, o trabalho de grupos como o Parent in Science é tão importante”, enfatizam. O movimento, criado pela pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Fernanda Staniscuaski, reúne cientistas de todo o Brasil com a missão de incentivar o debate e propor coletivamente melhorias para mulheres e homens que passaram a viver o desafio da maternidade e da paternidade no universo da ciência. 

 

Mulheres, ciência e pandemia

Não bastassem esses desafios, a pandemia do novo coronavírus tem dificultado ainda mais o percurso das mulheres na ciência. Em 2020, o movimento Parent in Science realizou um levantamento para compreender como a pandemia está afetando a produtividade de cientistas brasileiros. Com a participação de quase 15 mil cientistas (incluindo discentes de pós-graduação, pós-doutorandos e docentes/pesquisadores), o levantamento apontou que, especialmente para submissões de artigos, mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) foram os grupos que tiveram a produtividade acadêmica mais afetada.

Em um estudo com cerca de 10 mil alunos de pós-graduação de todo o Brasil, verificou-se também que menos de 10% das alunas de pós-graduação que são mães estão conseguindo seguir normalmente com o desenvolvimento de suas dissertações e teses neste momento, em contraste com 20% dos pais e cerca de 35% dos homens e mulheres sem filhos.