Por Gilmar Tavares
Professor Titular aposentado e extensionista voluntário do Departamento de Engenharia Agrícola da UFLA (DEA/UFLA)


Em 1978, o Brasil e o mundo vivenciavam uma crise sem precedentes na história do comércio internacional de petróleo. Crise essa iniciada em 1973, com o embargo promovido pelos países árabes produtores de petróleo, que estavam em feroz guerra contra Israel, no Oriente Médio.

A consequente escassez dos combustíveis provocava a prática de preços exorbitantes nos postos de gasolina; preços que, para os importadores de petróleo, saltaram instantaneamente de 3 para 12 dólares o barril, com viés de alta. Para piorar, em 1979, ocorreu a revolução iraniana e, então, o preço do petróleo disparou para 39,50 dólares o barril, com manutenção do viés de alta.

Em 1980, a guerra Irã/Iraque agravou a situação, e todos os países que dependiam da importação de petróleo desencadearam uma busca frenética e urgente por formas alternativas de energia, quando aumentaram, concomitantemente, as pressões por tecnologias que não fossem tão poluentes.

O Brasil, que já tinha criado o "Pró-Álcool" em 1975, revigorou essa proposta com a possibilidade dos carros flex; porém, eram necessárias muitas outras ações para enfrentamento da gigantesca crise.

Pela primeira vez nos noticiários, apareceram sistematicamente os termos "sustentabilidade" e "energia limpa", para regozijo dos pré-socioambientalistas como eu, e a palavra "poluição ambiental" passaria finalmente a frequentar os recém-nascidos diálogos socioambientalistas.

Até então, falar de energia solar, energia eólica, biocombustíveis e outras alternativas energéticas era considerado, pelo status-quo, coisa de visionários desocupados, uma vez que as reservas mundiais de petróleo eram estimadas para durarem mais de 1000 anos e a "preço de banana", ou muito menos. 

Importante lembrar que, nessa época, o Brasil já era grande importador de petróleo, e a Petrobras era considerada pelos técnicos e economistas retrógrados do mercado, incapaz de tornar o Brasil um forte e auto suficiente produtor mundial, dadas as condições geológicas do País e do tipo tupiniquim de petróleo. Felizmente, estavam errados e a Petrobras, hoje, é um dos orgulhos da nação.

Mas, no Brasil, em 1978, a situação só se agravava e, por decisão do Presidente da República, foi criada a "Comissão Nacional de Energia", a ser presidida pelo vice-presidente, engenheiro Aureliano Chaves de Mendonça, para propor urgentemente, alternativas à crise energética nacional.

Imediatamente e de maneira pioneira, a ESAL, hoje UFLA, criou sua própria comissão institucional, "Comissão de Energia da ESAL", para apoiar e fazer propostas à Comissão Nacional de Energia, e o professor Hélio Correa (DAG – ESAL/UFLA) foi designado presidente. Eu, por ser engenheiro mecânico e professor no Departamento de Engenharia (DEG, atualmente Departamento de Engenharia Agrícola-DEA), fui convidado para participar do subgrupo “Estudos, viabilidades e utilização de formas alternativas de energia”, para a substituição da energia oriunda de fontes fósseis, finalmente entendidas como poluentes também.

Minha primeira missão foi estagiar na UFPB (1979), campus de João Pessoa, (Laboratório Energia Solar), sob a orientação do professor Cleantho da Câmara Torres, naquele momento a maior autoridade brasileira no assunto, precursor do desenvolvimento dos estudos de energia solar e eólica no Brasil e presidente da "Associação Brasileira de Energia Solar". Foi uma experiência maravilhosa e eu me apaixonei intensamente pelas energias alternativas e suas evidentes possibilidades econômico/socioambientais, uma vez que, já naquela época, me envolvia com as questões socioambientalistas preservacionistas.

Ao retornar a Lavras, promovi inúmeros seminários no câmpus da ESAL/UFLA, para divulgar as formas alternativas de energia, especialmente a energia solar e a energia eólica. Um desses seminários, registre-se, foi com apoio oficial do Projeto Rondon.

Registre-se também que, ainda em 1979, eu consegui trazer o professor Cleantho à ESAL/UFLA e, junto com um grupo de estudantes do curso de graduação em Engenharia Agrícola da ESAL, criamos o "Grupo de Energia Solar da ESAL". Até uma pequena sala nos foi disponibilizada.

O professor Cleantho proferiu uma palestra para toda a comunidade, com o tema: "Perspectivas para Energia Solar no Brasil". O evento foi um grande sucesso de temática e de público, contudo, e efetivamente, consegui apenas alguns poucos simpatizantes para o propósito inovador que motivara o evento.

Aconteceu que, curiosamente, as pessoas em geral acharam tudo muito bonito e interessante, porém, não deram a mínima importância para a temática e diziam que, quando os conflitos no Oriente Médio cessassem, as "novidades energéticas" seriam irremediavelmente esquecidas. A bem da justiça, lembro que os conflitos não terminaram até hoje e que as tais novidades energéticas tomaram uma dimensão incalculável, ao iniciarem a histórica inserção da ESAL/UFLA no contexto mundial de energia alternativa, num trabalho conjunto e participativo de muitas mãos. Mas este foi o primeiro passo, e afirmo isso com absoluta certeza!!

Professor Gilmar Tavares e o fogão solar construído em 1979
Professor Gilmar Tavares e o fogão solar construído em 1979

Porém, uma das minhas maiores, corajosas e detratadas ações foi mesmo meu "Fogão Solar" (foto 2), porque naquela época eu dispunha de poucos recursos técnicos e nenhum recurso financeiro para convencer as pessoas de que a energia alternativa não era uma bravata. Construí, então, um "Fogão Solar Experimental" e organizei o "I Seminário de Energia Alternativa da ESAL (1979)", para apresentar o fogão e tentar divulgar os potenciais da energia alternativa, mais uma vez.

Incrível!! Esse Fogão Solar Experimental foi construído artesanalmente com madeira compensada e folhas de papel alumínio

(Gratidão!! in-memoriam, ao saudoso funcionário Sr. Bené, que me ajudou pacientemente neste arriscado projeto).

O fogão foi um estrondoso sucesso e eu cheguei a receber visitas de escolares locais que queriam atestar "se o Fogão Solar do Professor funcionava mesmo!!!". Funcionou sim!! Sempre funcionou!!! E está disponibilizado na minha sala no DEA/UFLA até hoje (já são passados mais de 40 anos!!), para quem quiser verificar se funciona mesmo. Mas, por favor, lembrem-se de que o Fogão Solar precisa de sol para funcionar, assim como o fogão a gás necessita de gás, né??!!

Espero que o Museu do Câmpus aceite meu Fogão Solar em seu acervo, como marco histórico do início dos estudos e evolução para o desenvolvimento e aproveitamento das formas alternativas de energia na ESAL/UFLA. Está feita a oferta!!

Naquele mesmo evento, apresentei, também, a famosa, folclórica e histórica "Rural Willys do Sr. João Van Den Berg", que era um antigo veículo Rural Willys adaptado engenhosamente pelo proprietário para ser movido exclusivamente a gás de carvão, e que transitava por Lavras e região despertando enorme espanto das pessoas, devido ao gaseificador imenso que tinha sido adaptado na traseira do veículo (parecia mesmo uma churrasqueira a carvão dependurada!!). Foi o primeiro veículo movido 100% a gás de que tomamos conhecimento. Vaticinei, então, naquele momento, que o gás seria mais um combustível alternativo para veículos automotores, num futuro bem próximo. GNV, bingo!!!

Registre-se também que, em 1982, apresentei ao Programa CNPq/FINEP, (CNPq ainda Conselho Nacional de Pesquisa), um projeto denominado "Avaliação do Potencial Solar da Região de Lavras" em que pretendia desenvolver um protótipo de aquecedor de água por energia solar. Curiosamente, o projeto foi aprovado, porém não financiado por falta de verbas próprias.


Mesmo assim, ainda em 1982, eu consegui construir com folhas de zinco e instalar experimentalmente, não só esse protótipo pioneiro, mas também um protótipo pioneiro de boiler (reservatório de água aquecida no aquecedor solar), na Fundação Municipal São João del Rei (foto 1), que em 1986 transformou-se em Funrei (Universidade Federal), onde lecionei no curso de Engenharia Mecânica, à noite, de 1978 a 1983. 

( Gratidão!! in-memoriam, ao Diretor/ENG, Prof. Gilberto e ao Superintendente/FMSdR, Sr. Júlio.).

Mas somente em 1998, 17 anos após o Fogão Solar e inúmeros seminários e palestras nesse intervalo de tempo, que eu conseguiria uma vitória sem precedentes na história do desenvolvimento da energia alternativa da ESAL/UFLA. Naquele ano, após muita luta de convencimento, consegui finalmente implantar o "Curso de Especialização Lato Sensu a Distância Fontes Alternativas de Energia - FAE", idealizado em 1997 e que, em 2002, passaria a ser denominado "Formas Alternativas de Energia - FAE", para congregar os estudos teóricos, práticos e aplicados de:

Energia Solar; Energia Eólica; Biogás; Biocombustíveis; Gaseificação da Madeira; Micro Centrais Hidroelétricas; Carneiro Hidráulico e Roda D'água; Aproveitamento Energético do Lixo Urbano e de Resíduos Industriais e Célula a Combustível

Solicito que observem a ousadia de propor Micro Centrais Hidroelétricas, Carneiro Hidráulico e Roda D'agua e Aproveitamento Energético do Lixo Urbano e de Resíduos Industriais como forma alternativa de energia. Observem também a audácia de propor Células a Combustível em um curso de especialização lato sensu.

Para isso, reuni um staff de tutores da mais alta capacidade técnica no Brasil, e pudemos oferecer então esse curso de especialização lato sensu a distância, em altíssimo nível de qualidade.

O curso, sempre sob minha coordenação, foi ofertado ininterruptamente de 1998 a 2011, em dois semestres anuais, sendo que em 2012 capacitamos a última turma. Informo, pesarosamente, que o curso foi encerrado em 2012 por razões alheias à minha vontade.

Mas, quem sabe o curso FAE ainda possa retornar um dia??!!

Enquanto em atividades, recebemos capacitandos de todo o Brasil, e a maioria deles se caracterizava pela elevado background.

Todos recebiam a seguinte instrução da Coordenação FAE:

Orientação da Coordenação FAE para a elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC):

Estou permitindo que o pós-graduando escolha livremente o tema para o próprio TCC.

A ideia é aproveitar potenciais latentes, experiências pessoais, conhecimentos adquiridos e propostas inovadoras, que ficariam desconhecidas se designássemos os temas.
Sugiro verificar se é possível apresentar sugestões de políticas públicas, que possam auxiliar o governo, via extensão universitária, em suas propostas estratégicas para superar desigualdades regionais/sociais.

Veja se é possível correlacionar tudo isso, inclusive nosso curso, com a Responsabilidade Social da Universidade. 

Poderá também direcionar o trabalho às necessidades profissionais e/ou pessoais do autor, e/ou necessidades locais e/ou regionais; para sanar algum problema e/ou para apresentar alguma inovação dentro da temática escolhida.
Poderá também direcionar o trabalho em atendimento à Agenda 21(Rio-92), ao Protocolo de Kyoto/97 
(crédito de carbono, por exemplo), Conferência Ambiental de Copenhagen/2009 e/ou a outro movimento de preservação ambiental que trate da problemática do aquecimento global.

 Enfim, seja criativo!!!!

 

Ainda conservo os CDs e DVDs de todos os TCCs em minha sala até hoje, e as respectivas cópias impressas foram doadas para o acervo técnico da área de energia do Departamento de Física (DFI), na pessoa do professor Joaquim, para formar uma biblioteca especializada de consultas e pesquisas.

Também criei o site TCC/FAE no repositório RI/Biblioteca/UFLA, no qual ainda estão disponibilizados todos os trabalhos (TCCs), que se destacaram pela qualidade das propostas e, felizmente, em plena operacionalidade. Visite esse site, você vai gostar, eu garanto!!

Criei também(1981) e mantive até 2018 a webpagina "Formas Alternativas de Energias-FAE", no endereço http://openufla.cead.ufla.br/faepe/site/Com a retirada do sistema do ar, a partir de então, o conteúdo encontra-se disponível para acesso em meu site/blog criado em 2008: www.energialternativa.ufla.br .

Importante destacar que, em 2008, conseguimos uma patente (PI0802791-9) gerada em um TCC de capacitando sob minha orientação, graças ao apoio inestimável do NINTEC/NIT/UFLA.

Hoje, tenho o orgulho de saber que muitos dos capacitados no FAE/UFLA estão trabalhando em todo o Brasil e no exterior, aplicando os conhecimentos aqui adquiridos e promovendo a expansão da utilização de formas alternativas de energia. Imaginem o quanto a ESAL/UFLA se faz presente nesse universo de energia alternativa mundial!!

Para finalizar, reitero que, desde o início, tudo foi um trabalho conjunto e participativo de muitas mãos!! Portanto, minha imensa gratidão a todos que participaram desta empreitada exitosa, uma vez que:

"Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre os ombros de gigantes". (Issac Newton).

 

E encerro, lembrando Nietzsche:

"E os que dançavam foram considerados loucos por aqueles que não ouviam a música".

E também o sábio Nibiru:

"Para o louco, o sábio e sonhadores, que acreditam em coisas óbvias quando elas ainda são consideradas impossíveis, inimagináveis para pessoas normais."

 

 

Os conteúdos e opiniões apresentados nos artigos desta seção são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não correspondem à posição institucional da UFLA. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.