Devido aos malefícios que causam à saúde humana, a partir de 1º julho de 2021, a quantidade máxima permitida de gorduras trans em alimentos industrializados será de 2% da gordura total, segundo as novas regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA), com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), têm explorado novas fontes de óleos e ingredientes com potencial para substituir gorduras trans industriais nos alimentos.

O professor do Departamento de Ciência dos Alimentos da UFLA (DCA), Cleiton Antônio Nunes, coordenador do projeto, explica que as pesquisas têm trabalhado com a extração do óleo das amêndoas do jerivá e da macaúba, associada a uma alternativa que transforma o óleo em uma textura semi sólida, para fabricar vários produtos livres de gorduras trans, como a margarina.

Os óleos extraídos da amêndoa das palmeiras macaúba e jerivá (popularmente conhecido como coquinho) já foram testados na produção de alimentos e o resultado foi considerado interessante. Contudo, a sua forma natural, de textura muito macia e sem consistência, até então, limitava o seu uso. A nova tecnologia desenvolvida na UFLA aplica oleogel para deixá-los semissólidos. O oleogel é resultado da mistura de um óleo vegetal com uma cera, como de carnaúba ou de abelha, sendo possível transformar um óleo, que é líquido em temperatura ambiente, em uma gordura semissólida, sem promover alterações químicas.

Por meio do oleogel, que transformou os óleos do jerivá e macaúba em ingredientes lipídicos semissólidos sem nenhuma gordura trans, foi possível fazer alimentos como maionese, margarina, recheios de biscoitos e coberturas. 

O pesquisador explica que essa tecnologia também foi testada com outros óleos, como por exemplo o óleo de abacate e azeite de oliva. Além disso, um ponto interessante é poder usar óleos virgens, que não passaram por processo de refino, e aproveitar todos os seus componentes benéficos.

Sobre os frutos utilizados como novas fontes de óleo

Os frutos das palmeiras jerivá e macaúba são fontes de gordura que já têm sido explorados por empresas de cosméticos e biocombustíveis; e pesquisas também apontam o potencial desses frutos no setor alimentício.

A amêndoa do jerivá é composta por cerca de 50% de um óleo com aroma agradável que lembra o coco. A palmeira pode ser encontrada nos jardins e praças de áreas urbanas, tendo como característica a produção de um fruto de cor alaranjada bem intensa, conhecido como coquinho, muito apreciado por pássaros. Já a palmeira da Macaúba é encontrada em áreas rurais de quase todo o Brasil; seu fruto possui espinhos longos e pontiagudos e é utilizado principalmente para a produção de biodiesel.

Riscos da gordura trans ao organismo humano

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), meio milhão de pessoas morrem, a cada ano, por causas relacionadas à gordura trans nos alimentos. A professora Sabrina Carvalho Bastos, do Departamento de Nutrição (DNU/UFLA), explica que estudos clínicos em humanos estabeleceram uma associação entre a ingestão de ácidos graxos trans industriais e um maior risco para as doenças cardiovasculares.

“Essa associação provavelmente é explicada por um aumento das concentrações de colesterol total e LDL (ruim), além de uma diminuição de HDL (bom) colesterol. Os ácidos graxos trans também estimulam a inflamação, o estresse oxidativo e um maior armazenamento de gordura no fígado, em detrimento ao tecido adiposo; portanto, são extremamente prejudiciais à saúde humana. Diante de todas essas constatações, vários países aprovaram leis que restringem a presença de ácidos graxos trans em produtos alimentícios”, completa a professora. “Atualmente, mais de 28 países já adotaram regulações obrigatórias para diminuir ou eliminar o consumo de gordura trans industriais, alcançando 2,4 bilhões de pessoas (31% de cobertura global da população).”

No Brasil, pelas novas regras da Anvisa, além da redução do percentual de gorduras trans nos alimentos industrializados, serão também banidos óleos e gorduras vegetais parcialmente hidrogenados. Essa última mudança está prevista para entrar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2023.

Saiba um pouco mais sobre as gorduras trans

As gorduras trans, tecnicamente conhecidas como ácidos graxos trans, são um tipo de gordura que pode ser encontrado de forma natural ou que pode ser produzido industrialmente. Alguns alimentos de origem animal, como carnes, leite, queijos e manteiga, já possuem esse tipo de gordura naturalmente, mas em pequena quantidade, tendo, em certos casos, alegações positivas para a saúde. O que é preocupante são as gorduras trans industriais. Elas prejudicam a saúde e são obtidas pelo processo de hidrogenação, uma reação química que converte um óleo em uma gordura com textura semi sólida com alto teor de ácidos graxos trans.

Apesar das consequências negativas à saúde, muitos fabricantes de alimentos como bolos e sorvetes fazem uso de um grande percentual de gorduras trans industriais para que esses alimentos tenham uma melhor textura e uma maior durabilidade. Contudo, o fato de que a maneira como esses alimentos são produzidos está prestes a chegar ao fim motivou os pesquisadores da UFLA a procurarem os substitutos para as gorduras trans

É importante notar que há alguns anos margarinas não são mais fabricadas com gordura hidrogenada, e sim com uma gordura que é modificada por outro processo - a interesterificação, um processo mais vantajoso em relação à hidrogenação, pois não produz o elevado teor de ácidos graxos trans. Por isso a  informação ‘0% gordura trans’ contida nas embalagens desses produtos. Porém, o professor Cleiton explica que pesquisas recentes apontam que há pontos negativos associados à ingestão desse tipo de gordura, não necessariamente ligados à gordura trans.

Além disso, é importante, na hora da compra, ficar atento aos produtos que dizem não conter gordura trans, pois eles podem vir grafados de outras maneiras. Por isso, os compradores devem observar se a quantidade de gorduras trans é igual ou inferior a 0,2 gramas por PORÇÃO do alimento: nesse caso, o fabricante pode declarar como ZERO na TABELA NUTRICIONAL, mas há presença da gordura. Assim, é preciso olhar atentamente a lista de ingredientes.

Texto original escrito por Greice Santos: confira na edição 4 da Revista Ciência em Prosa, páginas 27 a 29.

Adaptações: Claudinei Rezende.

Roteiro: Claudinei Rezende e Greice Santos.

Produção: Samara Avelar.

Edição do vídeo: Vinícius Moraes.