planta ora pro nobis

Pesquisas na Universidade  já comprovaram a eficiência de 11 espécies como alimento funcional.

As hortaliças não convencionais (ou tradicionais), conhecidas também pela sigla Panc (Plantas Alimentícias Não Convencionais) já foram muito utilizadas pela população há algumas décadas, quando era comum haver hortas nos quintais das casas; além disso, era possível encontrar essas espécies até mesmo nas ruas, em calçadas.

 Muitas dessas hortaliças chegaram ao Brasil vindas de diferentes partes da Europa, Ásia e África. Após a Segunda Guerra Mundial, a introdução de novas cultivares no Brasil, proporcionada pelas mudanças de comportamento alimentar que ocorreram por meio da Revolução Verde, fez com que os usos dessas hortaliças perdessem espaço, tendo o seu consumo também diminuído ao longo do tempo. 

 Como forma de resgatar a história alimentar dessas plantas e desenvolver estudos sobre suas propriedades, desde 2010, a Universidade Federal de Lavras (UFLA) mantém uma coleção de hortaliças não convencionais. A intenção é estudar os saberes populares, passados de geração para geração, por meio de pesquisas científicas que têm apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Nós tivemos esse apelo de órgãos governamentais e da própria sociedade, para resgatar a biodiversidade brasileira, já que são plantas extremamente nutritivas”, explica a coordenadora da Coleção de Germoplasma de Hortaliças não convencionais da UFLA e professora da Escola de Ciências Agrárias de Lavras (Esal), Luciane Vilela Resende. O projeto conta com a ajuda de um técnico e de professores e estudantes de graduação e pós-graduação dos departamentos de Agricultura (DAG), Ciência dos Alimentos (DCA), Medicina Veterinária (DMV) e Biologia (DBI).

 Cerca de cem espécies, que foram doadas por outras instituições (Epamig e Embrapa) ou coletadas pelos próprios pesquisadores, fazem parte da coleção, que reúne amostras de diversas partes do Brasil. Muitas ficam armazenadas na forma de sementes em câmara fria, e são plantadas conforme sua especificidade, explica o técnico Luiz Gonzaga do Carmo: “ cada uma delas tem o modo certo e época do ano para plantarmos; por isso, deixamos as sementes conservadas em baixas temperaturas”, diz.

 A professora Luciane comenta que vários projetos têm sido realizados ao longo dos anos e muitos estudos são necessários. “Precisamos saber se realmente essas hortaliças não convencionais possuem um valor nutricional e quais seriam esses nutrientes. Já conseguimos a comprovação de que algumas delas realmente têm essas propriedades, além de serem usadas como plantas medicinais e ainda serem funcionais, ou seja, são plantas que podem prevenir ou curar alguma enfermidade.”

Ainda de acordo com a pesquisadora, a ampla divulgação para o consumo livre dessas hortaliças acendeu essa preocupação com relação às composições nutricionais e até toxicológicas que possam existir, já que, para uma grande  parcela dessas plantas, não há estudos que atestem suas propriedades terapêuticas, conforme defende a sabedoria popular. “Mesmo com seu consumo restrito a populações rurais, quilombolas e comunidades específicas, as pessoas falam que é possível comer sem restrição essas plantas, porém não há nenhuma comprovação científica para sabermos se realmente elas são seguras para serem comestíveis e qual seria essa margem de segurança. Por isso, nós testamos o teor de antioxidantes, proteínas, vitaminas, fazemos testes químicos e biológicos como forma de termos certeza de que essas hortaliças têm esse valor nutricional que a mídia e os saberes populares têm pregado”, explica. Os estudos também têm como objetivo conhecer as características agronômicas das plantas para que seu cultivo se popularize.pesquisadores 900

Entre as pesquisas já realizadas pela equipe, está a avaliação do potencial antioxidante e a caracterização fitoquímica, ou seja, a composição de nutrientes de diversas espécies como a Azedinha (Rumex acetosa L.), Peixinho (Stachys lanata), Tomate-de-árvore (Solanum betaceum), Melãozinho (Solanum muricatum), Capuchinha (Tropaeo lummajus L.), almeirão-de-árvore (Lactuca cf canadensis),  Caruru-roxo (Amaranthus hybridus L.), Caruru-gigante (Amaranthus retroflexus L.), Caruru-de-espinho (Amaranthus spinosus L.), Caruru-de-mancha (Amaranthus viridis L.), Caruru-de-cuia (Amaranthus lividus L.) e Caruru-rasteiro (Amaranthus deflexus L.). Os resultados mostraram que todas as espécies estudadas continham taninos, proteínas e aminoácidos, importantes componentes para, por exemplo, podem reduzir o colesterol ruim,  controlar a diabetes Melitus tipo II, ação anti-inflamatória, dentre outras patologias.

Existem relatos populares (sem dados científicos), sobre o uso das folhas do tomate-de-árvore (Solanum betaceum)  no Equador para a cura da dor de garganta. Em nossos estudos atuais, dados preliminares nos indicaram que de fato essa planta tem potencial anti-inflamatório. Novos estudos serão realizados para comprovar essa atividade nas folhas desta espécie.

Também estão em andamento pesquisas com a serralha (Sonchus oleraceus), visando, além dos fatores nutricionais e compostos antioxidantes, ao potencial no controle de doenças, como obesidade, vitiligo, diabetes e ação anti-inflamatória, usando o modelo biológico zebrafish (um peixe que tem analogia de 70% com o organismo animal). A serralha é uma planta que tem importância econômica como invasora, porém é bastante consumida refogada por populações rurais.