Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da Universidade Federal de Lavras (PPG-ECO/UFLA) desenvolvem, em parceria com a Universidade Nacional do Centro do Peru (UNCP), uma pesquisa para auxiliar na resolução do conflito entre ursos-andinos e uma comunidade tradicional dos Andes peruanos. Os moradores do povoado de San Pedro de Churco, localizado no entorno da unidade de conservação do Santuário Nacional Pampa Hermosa, manifestaram formalmente ao Serviço Nacional Florestal e de Fauna Silvestre (SERFOR) o descontentamento com a morte de seu gado provocada pelo urso-andino, espécie ameaçada de extinção e que está sofrendo retaliação pelos danos causados.

Conhecido também como urso-de-óculos, pela presença de manchas brancas ao redor dos olhos e da face, o mamífero é a única espécie de urso ainda existente na América do Sul. Sua população pode ser encontrada ao longo da Cordilheira dos Andes tropicais, desde o norte da Venezuela até o sul da Bolívia, em ecossistemas diversos, como bosques secos, páramos e florestas tropicais nebulosas. A dieta do urso-andino é quase exclusivamente herbívora: cerca de 90% de sua alimentação é composta por vegetais; porém, ocasionalmente, ele também se alimenta de animais, incluindo criações domésticas.

funcoes urso de oculos“Como base científica e técnica para tentar solucionar o conflito, estamos realizando um estudo a respeito da biologia e ecologia dos ursos-de-óculos na região”, afirma o estudante de mestrado da UFLA Mateus Melo Dias. De acordo com o pesquisador, o objetivo é identificar quantos ursos vivem na área e quais influências ambientais favorecem sua presença em certas regiões em vez de outras. O estudo é realizado com o auxílio de câmeras-trap, equipamentos que funcionam como uma espécie de armadilha para fotografar animais selvagens remotamente, sem a presença do pesquisador.

Os resultados da primeira campanha de campo revelaram a presença de, no mínimo, três ursos na região: uma fêmea e dois filhotes. “Possivelmente também há machos na área, porque eles são os principais predadores de gado, por serem bem maiores que as fêmeas e fortes o suficiente para derrubar uma vaca. No entanto, os machos são ainda mais difíceis de serem detectados, por terem uma área de vida enorme”, explica Mateus.

A segunda campanha de campo, em andamento, reunirá dados que permitirão confirmar ou não essa informação, além de identificar as áreas efetivamente ocupadas pelos animais e avaliar os impactos causados pela sua presença. “Com base nesses dados, será possível propor ao SERFOR e à comunidade local algumas estratégias e medidas que possibilitem uma convivência mais harmoniosa entre humanos e ursos”, acrescenta o pesquisador.

Biodiversidade andina

Além de auxiliar na resolução do conflito, a pesquisa também tem o objetivo de realizar um levantamento das espécies de mamíferos de médio e grande porte existentes na região. “Por ser um local remoto e de difícil acesso, ainda existem grandes lacunas sobre a biodiversidade andina local”, explica Mateus.

Até o momento, foi registrada a presença de 10 espécies de mamíferos de médio e grande porte na região: puma (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-montês (Leopardus colocolo), irara (Eira barbara), urso-andino (Tremarctos ornartus), furão (Mustela frenata), veado-chuñi (Mazama chunyi), raposa- andina (Lycalopex culpaeus), jaritataca (Conepatus chinga) e veado-de-rabo-branco (Odocoileus virginianus). Apenas puma foi registrada pelas fezes encontradas em campo; as demais foram registradas pelas câmeras-trap. A espécie que obteve mais registros fotográficos foi o veado-de-rabo-branco (68%), seguida da jaritataca (14%).

Veado de rabo branco Raposa andina2
O veado-de-rabo-branco e a raposa-andina são outras espécies encontradas na região


Internacionalização

A parceria entre as universidades para a execução desse projeto foi estimulada pelas ações de internacionalização da UFLA. O coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação de Mamíferos da UFLA (Lecom/UFLA) e orientador da pesquisa, Marcelo Passamani, conta que a proposta foi intermediada pelos pesquisadores peruanos Fernán Cosme Chanamé Zapata, da Universidade Nacional do Centro do Peru (UNCP), e Marco Aurelio Arizapanaque cursou o doutorado no programa de pós-graduação e atualmente é professor na Universidade Nacional Autónoma de Huanta, no Peru. Em 2018, quando ainda era estudante da UFLA, Marco Aurelioconvidou o docente para ofertar um curso na Universidade Nacional do Centro do Peru (UNCP),focado justamente no conflito humano-urso, que já preocupava os moradores da região.

A partir desse primeiro contato no país vizinho, foi elaborado o projeto, obtido o financiamento para a pesquisa no Peru e firmada a parceria com a UFLA, que previa o envolvimento de um estudante do mestrado em Ecologia Aplicada. “Por meio da internacionalização, a UFLA está contribuindo com outras universidades para a resolução de uma demanda da população do Peru. Esse tipo de colaboração expande muito os horizontes dos nossos estudantes e deve ser estimulado”, afirma o docente.

A pesquisa foi iniciada no primeiro semestre de 2019 e deve ser concluída em fevereiro de 2021.