As formigas têm função importante na natureza, dispersando sementes e controlando pragas quando saem para buscar alimentos, por exemplo. Mas, se houver alterações climáticas e mudanças na produtividade das plantas, as formigas podem mudar seus hábitos de alimentação, e isso interfere na ação que terão sobre o meio ambiente. Ou seja, alterações climáticas impactam a vida das formigas, o que, por sua vez, pode trazer novos impactos para os ecossistemas. Essa reflexão pode ser feita a partir de um artigo publicado pela revista Journal of Biogeography nesse domingo (28/3), de autoria de pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA), da Universidade Federal do Acre (Ufac) e da University of Liverpool, da Inglaterra.

A pesquisa analisou o processo de busca por alimentos feito pelas formigas, conhecido como atividade de forrageio. É o primeiro estudo sobre alimentação de formigas a englobar diferentes espécies, em todos os seis biomas do Brasil (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal). Os resultados apontam para importantes conclusões inéditas sobre como as escolhas alimentares desses insetos é afetada pelos variados climas do País e pela produtividade primária, que é a quantidade de energia produzida pelas plantas para os animais consumirem.

Após a distribuição de alimentos pelos locais de experimento, foi possível observar, por exemplo, que em ambientes produtivos e de clima estável (como os da Amazônia), que são mais quentes e chuvosos, as formigas saem mais frequentemente com a intenção de procurar por alimentação. Nesses lugares, elas já possuem muita energia à disposição e conseguem suprir facilmente suas demandas. Por isso, elas apenas aumentaram o consumo de proteínas (aminoácidos) e de sal (sódio). As proteínas são importantes para a reprodução desses insetos e que o sódio é essencial para a manutenção do metabolismo das formigas.

O pós-doutorando da UFLA e um dos autores do estudo, Chaim Lasmar, observa que isso acontece de forma similar com os seres humanos, lembrando que quando uma pessoa realiza alguma atividade física e decide beber algum isotônico, essa bebida fará bem para repor os sais do corpo humano. Segundo ele, outro exemplo é quando o inverno chega e as pessoas passam a optar por comidas mais calóricas e gordurosas. “No nosso trabalho, também notamos que as formigas aumentam o consumo de sal onde elas têm maior atividade de forrageio. Além disso, elas preferem mais gorduras em ambientes mais frios. A explicação para isso é que a gordura ajuda a manter a temperatura no corpo da formiga, já que elas não produzem o próprio calor”, afirma. “No entanto, diferente de nós humanos, as formigas não podem simplesmente comprar um isotônico ou decidir fazer uma comida mais gordurosa, como nós podemos. Elas dependem da disponibilidade do alimento no ambiente”.

Em ambientes secos não muito produtivos e de clima inconstante, as formigas saem para buscar por alimentos mais energéticos, como açúcares e gorduras, pois a energia naturalmente ofertada para elas é escassa. Observações como essas garantiram êxito à pesquisa, que mostra como o clima e a produtividade realmente podem ser grandes influenciadores que estimulam a saída das formigas de seus ninhos e as escolhas alimentares que elas fazem.

A equipe de pesquisa alerta que a grande conclusão da investigação demonstra como mudanças climáticas ou alterações na produtividade primária dos ecossistemas são fatores que podem alterar funções ecológicas desempenhadas pelas formigas, já que essas funções estão diretamente ligadas ao quanto esses insetos saem para se alimentar e até mesmo ao tipo de alimento que eles vão consumir. Essas alterações podem comprometer, portanto, o funcionamento e a manutenção dos ecossistemas.

Sobre o experimento

A pesquisa é a primeira a avaliar a influência de diferentes parâmetros do clima (precipitação, sazonalidade e temperatura) juntamente com a produtividade primária das plantas, além de ter sido resultado de uma análise direta do material coletado em campo, abrangendo grandes áreas geográficas. Também é inovadora por analisar essas influências utilizando quatro recursos alimentares disponibilizados para as formigas: açúcar, azeite (gorduras/lipídeos), whey protein isolado e neutro (aminoácidos/proteína) e sal (sódio).

Para que os dados fossem coletados com eficácia, a equipe de pesquisa mergulhou pedaços de algodão em soluções líquidas feitas com água destilada e com os alimentos que queriam expor às formigas. Em seguida, esses algodões foram colocados em tubos que foram distribuídos em 1500 pontos em todos os seis biomas brasileiros. Os tubos com as soluções ficaram em cada bioma durante um período de três horas diárias. Eles eram espalhados em dias sem chuvas e coletados ao final desse período de tempo para serem analisados.

Os responsáveis pela pesquisa sempre fechavam os tubos ao término das três horas, levando tudo o que estava dentro deles para a análise. Por se tratar de um curto período de tempo, as formigas ainda estavam se alimentando dentro do tubo. As formigas foram contadas e classificadas em laboratório, onde também observavam se eram apenas esses insetos que estavam nos tubos se alimentando e não outros. Isso garantiu que não houvesse incertezas sobre qual inseto consumiu as soluções disponibilizadas.

A equipe de pesquisa

O artigo, nomeado como “Geographical variation in ant foraging activity and resource use is driven by climate and net primary productivity” (“A variação geográfica na atividade de forrageio e uso de recursos das formigas é explicada pelo clima e produtividade primária”), é obra do trabalho dos pesquisadores Chaim Lasmar, Tom Bishop, Antônio Queiroz e Fernando Schmidt e das pesquisadoras Catherine Parr e Carla Ribas. Chaim e Antônio são pós-doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da UFLA, no qual Carla atua como professora e orientadora. Fernando é professor na Ufac e Catherine e Tom fazem parte da comunidade acadêmica da University of Liverpool.

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e pela Rufford Foundation do Reino Unido, contando também com a colaboração voluntária de outras pessoas em campo.

Fotos: Jonas Aguiar