Uma pesquisa realizada com a participação do professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Lavras (EEng/UFLA) Victor Buono da Silva Baptista, em parceria com pesquisadores de instituições internacionais da Alemanha e do Reino Unido, evidenciou que a irrigação feita com o sistema chamado de pivô central está causando graves erosões nos solos do município de Cristalina, em Goiás.

Por meio do mapeamento da erosão, feito com o uso de imagens de satélite, foram encontrados indícios de erosão severa em 29% dos pivôs centrais analisados. O estudo também indica os caminhos necessários para a redução desse impacto. Os resultados da pesquisa foram divulgados no artigo First evidence of widespread, severe soil erosion underneath centre-pivot irrigation systems” (“Primeira evidência de erosão generalizada e severa do solo sob sistemas de irrigação de pivô central”), publicado, neste mês de maio, pela revista Science of The Total Environment.

O comprimento dos sulcos de erosão analisados apresentou mediana de 260 metros, alcançando até mesmo valores máximos acima de 1200 metros. “Esses números mostram algumas das maiores erosões em sulcos já descritas no meio científico. Além disso, a maior parte dos indícios de erosão foi encontrada em imagens feitas durante o período seco do Cerrado, o que indica que a erosão está sendo causada pela irrigação feita durante a ausência das chuvas. Também encontramos evidências de que a irrigação aplicada sobre sulcos já formados anteriormente agrava a erosão. Apesar de sabermos que a irrigação por pivô central pode causar erosão e outros problemas, até o início da nossa pesquisa não havia evidência do quão grave ou generalizada era a ocorrência dessa erosão”, revela Victor.

O sistema de pivô central é um sistema mecanizado de irrigação que aplica água em formato de chuva nas plantações. O sistema possui uma tubulação giratória que irriga uma área circular. A tubulação é apoiada em torres móveis que possuem motores que garantem o seu movimento circular por meio de rodas como as dos tratores. Esse sistema ajuda os agricultores na irrigação de grandes áreas de cultivo e são úteis em regiões onde a chuva não é suficiente.

De acordo com Victor, apesar de esse sistema ser muito utilizado, a água emitida pelos pivôs pode alcançar intensidades muito altas. “Essas intensidades são maiores até mesmo do que a intensidade típica das chuvas. Isso acontece principalmente devido ao uso de sistemas de baixa pressão nos pivôs, que, apesar de diminuírem os custos associados ao bombeamento de água e as perdas de água por evaporação ou pelo vento, aumentam muito as taxas de aplicação de água.”

Dessa forma, a intensidade da água aplicada pelos pivôs pode causar erosão por salpicamento, desprendendo partículas do solo com o impacto das gotas de água. Isso acontece principalmente quando a velocidade da “chuva” do pivô é alta e há pouca cobertura no solo (como, por exemplo, logo após um plantio ou ainda nos estágios iniciais do desenvolvimento da plantação). Quando essas taxas de aplicação de água são muito altas, o solo também não consegue absorver toda a água e parte dela começa a escorrer pelo terreno, o que pode gerar as erosões por sulcos, formando canais onde existe uma concentração de enxurrada.

A pesquisa revela que uma das principais causas da formação de sulcos nas lavouras irrigadas foi a formação de canais circulares no solo, na trilha onde os pneus dos pivôs circulam, já que o movimento das rodas afunda o solo encharcado. Esses canais circulares se tornam pequenas barragens, retendo e recolhendo água da enxurrada da irrigação. Quando há acúmulo de água da enxurrada em algum ponto dos canais, eles se rompem, formando grandes sulcos de erosão.

Mais resultados

Victor ressalta, ainda, outros impactos. “É importante lembrar que a erosão degrada a estrutura do solo. Isso diminui a infiltração e a retenção de água, o que pode aumentar ainda mais a necessidade de irrigação. Outro risco que as imagens de satélite mostram é que as enxurradas e os sedimentos, poluentes e agroquímicos levados pela erosão podem chegar a cursos d’água e a reservatórios, aumentando o risco de enchentes e de contaminação das águas.”

Os resultados também mostram que essa irrigação, feita de forma inadequada, causa o desperdício de água em épocas de estiagem e de escassez no Centro-oeste e no Sudeste. Além disso, pode até mesmo levar à perda de eficiência na irrigação e à perda de produtividade agrícola. Por isso, Victor defende que os resultados podem ajudar a encontrar um caminho correto. “Nossos resultados indicam que uma das principais maneiras de combater a erosão sob os pivôs é evitar a compactação do solo provocada pelas rodas dos pivôs. Entre outras estratégias, é importante realizar, por exemplo, um ajuste correto do pivô para evitar taxas de aplicação de água muito altas. Também é possível utilizar taxas de aplicação variáveis, adaptando-as para evitar piores consequências.”

Passo a passo

Para investigar a gravidade da erosão causada pela irrigação por pivô central, a magnitude da erosão e com que frequência ela ocorre, os pesquisadores utilizaram imagens de satélite de alta resolução disponíveis gratuitamente no Google Earth, analisando a presença de indícios de erosão sob os pivôs de Cristalina em diferentes datas. Quando havia a presença de sulcos no solo, suas extensões também foram medidas para classificar a severidade da erosão em cada pivô e em diferentes momentos do tempo. Foram analisadas visualmente aproximadamente quatro imagens de diferentes datas por pivô, resultando em um total de mais de 3 mil imagens analisadas, já que Cristalina possui cerca de 800 pivôs.

Para os próximos passos, a equipe irá realizar experimentos de campo para medir a energia cinética da “chuva” dos pivôs centrais. Com isso, será possível criar modelos numéricos que permitem uma estimativa da erosão do solo causada pela irrigação em diferentes situações, auxiliando na melhoria da irrigação e na conservação do solo.

A equipe

Além de Victor Baptista, a equipe também conta com a participação dos pesquisadores da Universidade de Augsburg, na Alemanha, Pedro Batista (egresso do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da UFLA), Florian Wilken, Kay Seufferheld e Peter Fiener. Também compõe a equipe o professor da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, John Quinton.

Entre 13/4 e 20/4, pesquisadores da Universidade de Augsburg participantes do estudo fizeram uma visita à UFLA para divulgar os resultados e a parceria entre as universidades. A vinda desses pesquisadores para Lavras foi financiada pela agência de fomento Baylat.

 

Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.