Resultados indicam necessidade de inclusão do uso das TDICs na educação, desde o ensino básico

 

Uma pesquisa realizada com estudantes da educação básica constatou que as habilidades necessárias para usar as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) não nascem com os indivíduos das gerações mais recentes. O estudo, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Lavras  (PPGE/UFLA), mostrou que o desenvolvimento de competências da atual geração de estudantes brasileiros em relação ao uso das TDICs e de letramento, inclusão e fluência digital não é natural ou pertencente a toda uma geração e, ao lado disso, sublinha o quão importante é desconstruir a falácia que tal afirmação representa. 

O local de realização da pesquisa foi uma escola municipal localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, e os participantes foram estudantes dos sextos aos nonos anos, com idades entre 11 e 14 anos. “Percebemos que a habilidade para usar as TDICs não é inerente ao ser que as manipula. Embora seja uma geração conhecida como “Nativos Digitais”, que “nasce conectada”, entendemos que a sociedade da informação ainda precisa ser alfabetizada e desenvolver conhecimentos de base conceitual e procedimental, mediados por professores de outras gerações. A escola tem o desafio de letrar digitalmente os educandos, para a sociedade da informação e do conhecimento”, aponta uma das autoras do estudo, Daniela Simone de Azevedo.

Mas afinal, o que são os Nativos Digitais? 

Cunhada pelo professor americano Marc Prensky, nos Estados Unidos, a expressão Nativos Digitais é criada para fazer referência às pessoas que nasceram a partir da década de 1990 e têm grande intimidade com as tecnologias. Os Nativos Digitais, segundo o autor, nascem rodeados pelas tecnologias e não conseguem compreender um mundo sem os meios digitais. 

A pesquisa da UFLA contrapõe as afirmações de Prensky ao analisar que sua afirmação não é comprovada por métodos científicos. Determinar que uma geração está, naturalmente, apta ao uso das TDICs reforça a falácia do senso comum de que crianças e adolescentes, ao contrário dos adultos mais velhos, são mais capazes de manipular as tecnologias, apenas por crescer entre elas. Segundo os pesquisadores da UFLA, esse equívoco vem impedindo a inserção e o desenvolvimento de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento da capacidade tecnológica e das habilidades relacionadas ao uso consciente das TDIC.

Confira o artigo científico publicado pelos pesquisadores. 

Mas, então, por que a geração atual tem mais facilidade com a tecnologia? 

Você tem a impressão de que quando uma criança manipula um celular ela aprende mais rápido que um adulto, não é? De acordo com a pesquisa, essa percepção se dá por conta do instinto de experimentação, que é uma característica das crianças e dos adolescentes, que eles colocam em prática ao utilizar as TDICs, diferentemente dos adultos. “Na nossa pesquisa o que mais observamos é essa diferença de comportamento entre os mais novos e os adultos. A criança tem mais tempo para manipular as tecnologias. O adulto possui outras demandas, e não tem tanta paciência assim como as crianças. A criança e o adolescente vão manipular qualquer tipo de tecnologia, vão experimentar. Quando um adulto diz “ah, mas meu neto sabe mais do que eu”, na verdade é porque a criança pega, toca e tem coragem de brincar. Dali ele vai, por curiosidade, experimentar outras coisas. A aprendizagem acontece assim. Um conhecimento, que já está estabelecido, liga-se a outro novo e, dessa conexão, surge um novo conhecimento”, explica a autora Daniela. 

De acordo com os autores da pesquisa, é a partir da repetição dos comportamentos que a criança ou o adolescente irá adquirir a competência tecnológica ou a literacia digital. Experimentação, erro, repetição e assimilação: essa é a lógica da aprendizagem. O estudo mostrou que as ações mediadas pelas tecnologias começam pela manipulação dos instrumentos tecnológicos. Então, quando a criança pequena brinca com um tablet, um aparelho de celular, um computador, ela vai assimilando todos os processos relacionados àquele uso. O mesmo acontece com um adulto: a partir do momento em que ele desenvolve  uma habilidade, por curiosidade ou por mediação de alguém, ao repetir a ação, também aprende. 

O estudo mostra que crianças e adolescentes têm facilidade para jogos e aplicativos, pois na repetição e erro elas aprendem e identificam os próximos passos. Mas isso não acontece quando precisam usar as TDIC em atividades que  envolvam um ordenamento de ações, pensadas com um  propósito definido. Por exemplo, elas jogam, seguindo a plataforma por "intuição", pois hoje em dia os aplicativos procuram, cada vez mais, promover um ambiente intuitivo. Mas, se houver uma instrução a seguir, uma regra específica, o jovem terá dificuldades. “Os jovens têm mais tempo, não se preocupam em ‘errar’. O adulto e o idoso preocupam-se com as consequências de falhar. Quando me falam que os jovens são melhores no uso das tecnologias, o que eu digo é: entregue a ele um propósito. Diga-lhe para realizar uma atividade escolar, uma inscrição, uma pesquisa de instituições em que quer estudar. Ele não fará isso de forma autônoma. Precisa de alguém para ajudá-lo. 

A pesquisa também evidencia que os agentes envolvidos no campo educacional têm a responsabilidade de (re)construir os conceitos relacionados à competência da atual geração de estudantes brasileiros em relação ao uso das TDICs e de letramento, inclusão e fluência digital, com necessidade de retomada de ações educativas de letramento digital e geração de competências no uso de TDICs que sejam transversais aos conteúdos curriculares de toda a educação básica.

De Nativos a aprendentes digitais 

De instrumento de ensino nas escolas ao lazer da criançada, as TDICs estão presentes em diversos espaços. As tecnologias digitais estão nos celulares, TVs, computadores, etc, mas isso não significa que todos os indivíduos têm acesso a elas ou que saibam utilizá-las. A pesquisa realizada na UFLA mostra que, outros aspectos, como a região em que vivem os jovens e a situação econômica da família são, também, fatores determinantes para o uso ou não, do conhecimento ou não, das TDICs. 

Segundo a pesquisadora, dentre os estudantes que participaram da pesquisa e foram selecionados para a fase de coleta de dados qualitativa, um deles era da área rural. Até o ano de 2018 (início da pesquisa) o estudante não utilizava computadores ou celulares, não tinha acesso à internet e não conhecia ou participava de nenhuma rede social. Passado um ano do início da pesquisa, durante a realização das atividades práticas, ele relatou à pesquisadora que havia ganhado um smartphone e que estava usando a internet na escola. “O aluno pediu ajuda para cadastrar-se no Facebook e para baixar o WhatsApp. Ele não sabia nem como usar aqueles recursos. Outros estudantes, mais familiarizados com as TDICs, se ofereceram para ajudar. Em outro momento, de aula, o mesmo estudante pediu ajuda para usar um tradutor on-line em sala de aula”, compartilha Daniela. Tais considerações são importantes para entendermos a necessidade de trabalhar a inclusão do uso das TDICs na educação, desde o ensino básico, pois será com a prática,  a partir dos erros e acertos e da mediação pedagógica, que a competência digital será adquirida. 

A temática que envolve a aprendizagem de jovens a partir do uso das tecnologias digitais continua sendo objeto de estudo da pesquisadora até os dias atuais. A autora permanece contribuindo com discussões sobre as TDICs em artigos e capítulos de livros, em conjunto com outros pesquisadores, que dão continuidade ao letramento digital de crianças e jovens. 

Pesquisadora Daniela realiza questionário com estudantes
Pesquisadora Daniela realiza questionário com estudantes

Entenda como a pesquisa foi feita na prática

O projeto de pesquisa de mestrado de Daniela foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e aprovado. A amostra da pesquisa contou com a participação de 210 estudantes, 116 meninos e 94 meninas. A idade dos participantes variou entre 11 e 14 anos, sendo: 28 de 11 anos (estudantes do sexto ano), 61 de 12 anos (estudantes do sétimo ano), 60 de 13 anos (estudantes do oitavo ano) e 61 de 14 anos (estudantes do nono ano) e contou com o acompanhamento (à distância) dos pais e responsáveis. 

Na primeira etapa, foi aplicada uma escala para identificar diferentes níveis de habilidades no uso de tecnologias e, com base nessa escala, foram identificados grupos contrastantes. O grupo contrastante é formado pelos estudantes que estão nas pontas dos resultados, aqueles que não possuíam habilidades no uso das TDIC e aqueles que possuem altas habilidades. 

A partir dos grupos contrastantes identificados na etapa 1, foram convidados participantes para a etapa qualitativa, que consistiu na observação da realização de atividades práticas pelos estudantes, para confirmação das habilidades tecnológicas autodeclaradas. Os pesquisadores então registraram no diário de campo as condições em que se deu a utilização das tecnologias e entrevistas semiestruturadas.

Um diferencial da metodologia foi um instrumento de pesquisa, adaptado pelo orientador do estudo, professor Ronei Ximenes Martins, do departamento de Gestão Educacional, Teorias e Práticas de Ensino (DPE/UFLA), denominado EDTEC-Kids. O instrumento é um questionário que coleta informações qualitativas e quantitativas (quali-quanti) e busca determinar se, de fato, os jovens são hábeis no uso das tecnologias para exercer a sua cidadania. 

A pesquisa deixa evidente que não existe fórmula mágica e não existem jovens autossuficientes para o uso das tecnologias digitais. A aprendizagem é adquirida com a prática e com a pesquisa, por isso não se deve continuar reproduzindo o discurso falacioso sobre os “Nativos Digitais”. Tanto as gerações anteriores às TDICs quanto a geração contemporânea estão propensas a aprender a utilizar essas ferramentas, e deve haver investimento para isso, para que seja um uso significativo  e se aproveitem plenamente das possibilidades que elas oferecem.

“De modo geral, ao analisar as categorias de habilidades para o uso das TDICs, percebemos que não existe apenas uma competência geral que poderia ser usada para caracterizar os jovens como Nativos Digitais”. Na realidade, a partir das nossas observações, constatamos que despontaram quatro grandes competências tecnológicas formadas a partir destes agrupamentos: uso das TDICs para comunicação e entretenimento; uso das TDICs para estudo e realização de tarefas; uso das TDICs para sistematização de tarefas escolares e interação; compreensão dos riscos e das regras de convivência em ambiente virtual”, complementa Daniela. 

O principal impacto da pesquisa foi revelar a falácia da existência dos Nativos Digitais, expondo a necessidade da inclusão tecnológica em todos os ambientes de aprendizagem, não só nas escolas.  A educação possui papel fundamental de transformar as pessoas, a partir das necessidades do mundo em sociedade. “É imprescindível incluir o uso das tecnologias nas práticas escolares. Não há outra opção para que a sociedade avance. Não que as TDICs conduzam a sociedade, mas elas fazem parte da sua infraestrutura e estão de tal modo permeadas em suas relações que é difícil compreender onde termina o material e onde se inicia o virtual”, conclui Daniela Simone de Azevedo em conjunto seu orientador e professor Ronei Ximenes Martins.

 

Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.