Estima-se que no Brasil tenha 270 mil pessoas com síndrome de Down, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

O indivíduo com Síndrome de Down (SD) apresenta atrasos em diversas áreas do desenvolvimento, que podem comprometer aspectos físicos e cognitivos. As crianças com SD apresentam dificuldades para controlar os sons da fala, por exemplo, devido a hipotonicidade, um afrouxamento dos músculos labiais e da língua. 

Com o objetivo de compreender quais são as estratégias de reparo que as crianças com síndrome de Down utilizam para alcançar o processo de aquisição da fala, houve o acompanhamento, durante 6 meses, de uma menina do município de Lavras (MG), de 3 anos e 11 meses. Ao longo da pesquisa, foram realizadas gravações periódicas e anotações de fala, com o envolvimento de membros da família em situações do dia a dia, de forma espontânea, com o intuito de não interferir nas atividades diárias da criança. 

A pesquisa “Aquisição das líquidas por criança com síndrome de Down: um estudo longitudinal" foi conduzida por Jóice de Oliveira Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Lavras (UFLA), orientada pela professora Raquel Márcia Fontes Martins, da Faculdade de Educação, Linguagens e Ciências Humanas (Faelch/UFLA). 

As pesquisadoras explicam que a aquisição da linguagem humana ocorre de forma complexa e rápida. Aos 5 anos de idade, já se estabeleceu o sistema fonológico. “Durante a aquisição, a criança pode usar um som ou um padrão silábico para substituir o que ela não consegue produzir. Ela percebe que há um som em determinada posição dentro da palavra, mas ela não consegue reproduzi-lo, então ela utiliza os recursos que possui, pois ainda não apresenta domínio articulatório de tudo; logo, cada uma apresentará seu ritmo e forma diferente de aprender”, destaca Jóice. Ou seja, esse processo acontece de forma gradativa, individual e não padronizada. 

No estudo foram acompanhados quatro sons: o lã /l/, o rã /R/, o lã /ʎ/ e o rã /ɾ/, que podem ser encontrados em palavras como 'tartaruga’, ‘estrela’, ‘planeta’ e ‘chocolate’. Essa classe de sons é uma das mais complexas e é uma das últimas classes a ser adquirida pela criança devido a sua complexidade e a sua dinamicidade também. “No período de aquisição dessa classe de sons mais complexos, observou-se a dinâmica realizada pela criança e quais estratégias foram adotadas. As várias tentativas com a intenção de adquirir os sons, as muitas idas e vindas, as trocas de um som pelo outro, o apagamento do som”, explica a pesquisadora.

Um exemplo apresentado é a palavra “prato”, caso ela ainda não consiga pronunciá-la, irá dizer “pato”, ciente de que está faltando um som ali, mas naquele momento é o que ela consegue dizer, e com muita naturalidade. “É preciso ressaltar que o caminho em questão foi adotado por uma criança com fala atípica, que tem síndrome de Down. A literatura apresenta que a maioria das crianças seguem estratégias semelhantes, porém, é possível identificar alguns pontos que diferem uma da outra, o que é natural, já que desde muito cedo elas têm a necessidade de se comunicarem”, enfatiza. 

As pesquisadoras esperam que os dados analisados possam contribuir para a aquisição dos sons em questão, “estamos cientes de que não se encontram muitos estudos na área da aquisição de fala e da aquisição da escrita de crianças com síndrome de Down, esperamos que o presente estudo possa ajudar a compreender de que maneira é feita a aquisição de fala da criança com síndrome de Down, estando atento também à aquisição da escrita”.

Aquisição da Linguagem - fala típica e atípica joice jpg

As pesquisadoras relatam que a criança ao apresentar dificuldades para adquirir o sistema fonológico de sua língua faz uso das estratégias de reparo para alcançar a língua-alvo, porém, essas estratégias também estão presentes na aquisição de crianças com fala típica, ou seja, na aquisição sem desvios. Essas estratégias de reparo são usadas quando a criança enfrenta uma incapacidade em produzir determinado segmento ou estrutura silábica. 

A professora Raquel destaca que antes se usava muito o termo "anormal" para se referir à aquisição da linguagem por crianças com síndrome de Down, “porém esse termo tem uma carga negativa, logo, prefere-se o termo "atípico", que é usado para se referir à aquisição da linguagem por crianças com síndrome de Down e, também, por crianças com outras síndromes, com disfunções ou patologias que podem interferir na aquisição. Por outro lado, a forma de aquisição típica se aplicaria às demais crianças que não apresentam uma condição (geralmente de saúde) que gere algum tipo de interferência na aquisição”.

A pesquisadora Jóice acrescenta que “o desenvolvimento cognitivo e a aquisição da linguagem em crianças com síndrome de Down apresentam-se de forma mais lenta. Por outro lado, não devemos enxergar a síndrome de Down como algo limitante, mas sim, perceber um ser que pode se desenvolver respeitando as suas singularidades, por isso a importância do respeito e do acolhimento da família, propiciando um ambiente saudável e oferecendo estímulos desde os primeiros meses de vida. Esse respeito e acolhimento deve se estender à escola e sociedade”.

Elas destacam que é importante refletir que a fala atípica não é uma fala errada, ela também possui regras. É apenas um caminho diferente que a criança encontrou para alcançar o mesmo alvo.

Dia Internacional da Síndrome de Down

O Dia Mundial da Síndrome de Down, 21 de março, é uma data de conscientização global para celebrar a vida das pessoas com a síndrome e garantir que elas tenham as mesmas liberdades e oportunidades que todas as pessoas. É oficialmente reconhecida pelas Nações Unidas, desde 2012. A data escolhida representa a triplicação (trissomia) do 21º cromossomo que causa a síndrome.

Essa síndrome é uma alteração genética presente na espécie humana desde a sua origem. Foi descrita há mais de 150 anos, quando John Langdon Down, em 1866, referiu-se a ela, pela primeira vez, como um quadro clínico com identidade própria. Em 1958, o francês Jérôme Lejeune e a inglesa Pat Jacobs descobriram a origem cromossômica da síndrome, que passou a ser considerada genética.

É necessário destacar que a síndrome de Down não é uma doença e, sim, uma condição genética inerente à pessoa, porém, está associada a algumas questões de saúde que devem ser observadas desde o nascimento da criança.