Wanda Karolina da Silva
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ecologia Aplicada – UFLA

Anos atrás, o poeta Carlos Drummond de Andrade relatou que, em meio ao cinza da cidade, uma flor crescia feia e desbotada, resistindo às durezas que acometiam o futuro da nação. Ainda que Drummond tivesse se referido à flor como resistência do povo e ao cinza como as repressões ditatoriais de sua época, a biodiversidade vem, da mesma forma, superando as perturbações da urbanização que reprimem a flora e a fauna. As condições ambientais promovidas pelas cidades limitam a presença de vários animais e plantas que existiam naturalmente ali, antes das casas, estradas e indústrias. Além disso, dependendo da forma como são organizadas, as cidades podem também favorecer algumas espécies que prejudicam a saúde e o bem-estar humano, como mosquitos e escorpiões, por exemplo.

Atualmente vivemos em um contexto de crescimento acelerado da população e dos centros urbanos ao redor do mundo. Já somos mais de 8 bilhões de pessoas na Terra, utilizando e modificando o meio ambiente todos os dias para sobreviver e desenvolver nossas invenções. Tornamos o solo impermeável para a água da chuva, o ar impuro e afastamos os animais. Os impactos ambientais gerados na cidade, que pouco notamos no presente, podem nos prejudicar muito no futuro. Por isso, tem crescido entre pesquisadores e gestores urbanos a busca por formas de preservar a natureza, mesmo entre as dificuldades de um ambiente criado pelos humanos.

Motivada por entender como a diversidade enfrenta as mazelas da urbanização, desenvolvi uma pesquisa com plantas urbanas, junto ao laboratório Sinergias, do curso de pós-graduação em Ecologia Aplicada da UFLA. Investiguei a vegetação que cresce em calçadas e terrenos baldios em diferentes bairros de Itajubá, uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais. Busquei entender quais plantas conseguem crescer no meio urbano e quais características as tornam aptas para sobreviver nesses ambientes, mesmo envoltas por pavimentos e pessoas. Ainda que as plantas das ruas sejam muitas vezes indesejadas ou chamadas de ervas daninhas, voltar os olhos para essa diversidade, que está invisível em nosso dia a dia, pode nos dizer muito sobre qual será a biodiversidade predominante no futuro.

Observei, em meus resultados, que plantas exóticas, ou seja, naturais de outros lugares, prevalecem nos centros urbanos. Poucas plantas das ruas são nativas de matas e florestas presentes no entorno da cidade. A vegetação que estamos acostumados a ver nas vias urbanas são aquelas de jardins, parques e praças, que se destacam pela beleza de suas flores, folhas e frutos; vindas de sementes que conseguem brotar em meio a poluição e ao pisoteio, trazidas de longe pela movimentação incansável dos humanos. Mas apesar de resistentes e belas, essas flores podem trazer prejuízos para as pessoas e a diversidade natural. Por exemplo, o ipê-de-jardim ou amarelinho muito utilizado para ornamentação, forma aglomerados e se espalha muito facilmente, impedindo o desenvolvimento de outras plantas, inutilizando pastos e atrapalhando o cultivo de plantas alimentícias.

Outro dado interessante da pesquisa foi o menor número de plantas em bairros mais próximos ao centro da cidade, quando comparado aos bairros mais periféricos. Além disso, as plantas foram sempre as mesmas em toda a cidade; mostrando o quanto a vegetação é mais restrita e semelhante onde há maior movimentação de pessoas, mais construções, poluição e manipulação da flora. Essa semelhança, fenômeno chamado “homogeneização biótica”, torna a vegetação da cidade mais pobre e parecida em diversos lugares. As características da história de vida e do modo com que as plantas utilizam os recursos do ambiente também confirmaram a ocorrência da homogeneização. A grande maioria das plantas de Itajubá tem ciclo de vida curto e são dispersas aleatoriamente entre as estruturas da cidade, onde crescem rapidamente para se reproduzir, antes de serem removidas pelas pessoas.

Todos os resultados da pesquisa mostram que a flora tenta se manter na cidade entre as frestas das ruas e os pequenos terrenos abandonados, apesar de ser menos diversa, mais volúvel e estranha para a natureza do entorno. As plantas nativas que estão nos arredores e centros das cidades prestam serviços importantes para nosso bem-estar. Um clima mais ameno e frutos saborosos que sempre estiveram ali estão sumindo gradualmente e podem tornar a vida nas cidades cada vez mais hostil. Desta forma, as flores urbanas fazem mais do que romper asfalto nas cidades, nos mostram que a conservação da natureza deve estar presente também no quintal de nossas casas.

 

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