Fibras naturais, como o coco, o sisal e a juta, têm sido cada vez mais utilizadas na engenharia civil e na arquitetura, por apresentarem propriedades satisfatórias a muitas aplicações, além de leveza e fácil manuseamento. Uma pesquisa realizada na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Lavras (EEng/UFLA) procura ampliar ainda mais esses benefícios combinando materiais fibrosos com os chamados materiais de mudança de fase.

Materiais de mudança de fase são agentes capazes de mudar seu estado dentro de uma determinada faixa de temperatura, de sólido para líquido, ou vice-versa, dependendo do material. Eles absorvem calor ao fundir e libertam calor ao solidificar, sendo essas mudanças de fase realizadas a uma temperatura quase constante. Devido a essa característica, diversos métodos de encapsulamento e melhoramento desses materiais vêm sendo analisados para maior proveito de suas propriedades e, consequentemente, diferentes formas de utilização.

“Um exemplo é a utilização de materiais de mudança de fase na construção civil por meio de alguns métodos de aplicação, como microcápsulas em tijolos, placas sobre o telhado, com o objetivo de controlar a temperatura interna da construção e, assim, diminuir gastos para o controle da temperatura e promover um conforto térmico”, destaca o professor Saulo Rocha Ferreira.

O consumo de energia é um relevante fator quando se trata de sustentabilidade na construção civil. Os esforços para reduzir a energia consumida para aquecimento, ventilação e ar condicionado têm sido redirecionados para a aplicação de sistemas eficazes de isolamento térmico que são, principalmente, produzidos com fibras, utilizadas como isolantes por sua característica porosa. 

Com o aumento dos níveis globais de temperatura, o isolamento térmico é cada vez mais uma necessidade de mercado no âmbito da melhoria de conforto e bem-estar. Paralelamente, também é crescente o desenvolvimento de produtos fabricados a partir de matérias-primas renováveis que consigam atender às necessidades dos consumidores, sem prejudicar o meio ambiente.

 

Bioagregado para absorção de energia

Durante o pós-doutorado, realizado na Technische Universität Darmstadt, na Alemanha, o professor Saulo trabalhou com um grupo de cientistas que é referência no uso de materiais de mudança de fase em materiais de construção. Em agosto de 2019, iniciou seu próprio estudo para produzir um bioagregado funcional com capacidade de absorção de energia. 

Atualmente, a equipe dedicada a essa pesquisa é composta por 10 pesquisadores, vinculados à TUDarmstadt, Alemanha; à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e à UFLA. A pesquisa encontra-se em fase de otimização: os pesquisadores pretendem avaliar a durabilidade (natural e acelerada) das fibras e bioagregados em concretos, além de novas formulações, visando agilidade na produção e menor custo. 

“O resultado mais interessante do ponto de vista científico é, sem sombra de dúvidas, a utilização de um conceito físico e químico tão simples: as mudanças de fases dos elementos, que muitas vezes são ensinadas no ensino básico. Quanto ao mercado, vejo que o mais interessante é a possibilidade de oferecer um produto capaz de promover conforto térmico às edificações, além de economia de energia elétrica. O nosso material é capaz de liberar ou absorver calor de acordo com a necessidade do ambiente. Isso evitaria o uso desnecessário de ventiladores e aparelhos condicionadores de ar”, explica o professor Saulo.

 

Outras aplicações

O sisal (Agave sisalana) e a juta (Corchorus capsularis) são recursos naturais renováveis de baixo custo. Podem ser utilizados não somente em tecidos, como também para fabricação de fios, cordames, não tecidos, compósitos em substituição aos fabricados em madeira ou materiais sintéticos, além de não causar danos à saúde humana, como ocorre com as fibras de amianto.

Os materiais fibrosos, combinados aos materiais de mudanças de fase, oferecem possibilidades a ser exploradas para além do setor da construção civil, o que justifica a necessidade de estudos e investimentos envolvendo áreas distintas, como a engenharia têxtil, a engenharia civil e a arquitetura, no desenvolvimento de soluções a partir de matérias-primas que muitas vezes são simplesmente descartadas. 

“Estamos verificando a possibilidade de utilização dessa mesma tecnologia para promoção do conforto animal e até mesmo para o transporte de alimentos. Alguns testes preliminares já indicam a possibilidade de utilização desse material para armazenamento de sorvetes e carnes”, finaliza o professor Saulo.