Pesquisa de iniciação cientifica usou câmeras com sensores de movimento e identificou 20 espécies de mamíferos circulando na UFLA, incluindo lobo-guará e jaguatirica, ameaçados de extinção. Resultados são importantes para orientar medidas de preservação da fauna.
O câmpus da UFLA, com seus 480,5 hectares, está localizado em uma região de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. O local abriga uma flora com inúmeros insetos, anfíbios, aves e mamíferos, alguns raros e ameaçados de extinção. “A UFLA se diferencia de várias outras universidades por não estar dentro de um centro fechado; ela é mais retirada e possui algumas áreas naturais que funcionam como refúgio, onde os animais encontram alimentação ou abrigo, principalmente para algumas espécies que provavelmente ocorrem em outras áreas, como as de grande porte como o lobo-guará, por exemplo”, diz o professor Marcelo Passamani, do Departamento de Biologia (DBI).
O docente coordena uma pesquisa de iniciação científica, que teve início em 2008, com o objetivo de realizar o levantamento e a identificação das espécies de mamíferos de médio e grande porte, além de pequenos primatas que vivem no câmpus universitário. Na época, o projeto apontou a ocorrência de doze espécies.
Dando continuidade a esse trabalho, o biólogo Mateus Melo Dias publicou recentemente o artigo “Mamíferos de médio e grande porte no câmpus da Universidade Federal de Lavras, sul do estado de Minas Gerais, Brasil”, na revista científica Oecologia Australis. Para o levantamento, o câmpus foi dividido em quatro áreas amostrais, utilizando diferentes metodologias, conforme observa o orientador da pesquisa. “São muitas metodologias, utilizamos as que seriam possíveis para nós e quanto mais metodologias, mais espécies podemos identificar”.
Para verificar a presença dos animais, foram realizados registros por vestígios, através de parcelas de areia, onde a presença de alguns animais pode ser visualizada por pegadas. “Fizemos um quadrado de areia no chão e colocamos iscas, como sal, banana, bacon, para atraí-los”, explica Mateus. Outro método utilizado pelos pesquisadores foram as armadilhas fotográficas em ambientes florestais. Esses equipamentos apresentam sensor de infravermelho, que é ativado quando há movimento em frente à câmera. “Nesse levantamento, usamos câmeras-trap e isso nos ajudou muito”, diz o biólogo.
Também foram realizados playbacks com a utilização de vozes de animais para atraí-los, e ainda observações casuais durante caminhadas aleatórias por estradas e trilhas do câmpus da UFLA, principalmente em áreas próximas às lagoas, e aos cursos d’água onde foi feito o registro de pegadas, fezes e visualizações diretas. De acordo com o professor, esses diferentes métodos aumentam a eficiência do inventário faunístico e não prejudicam os animais. “Esses métodos não são invasivos, ou seja, não foi preciso capturar o animal ou estressá-lo para fazer o registro. ”
Espécies
Como resultado do levantamento, foram apontadas vinte espécies de mamíferos, de médio e grande porte, incluindo as nativas e quatro espécies domésticas, distribuídas em nove ordens e quatorze famílias. Foram 225 registros fotográficos e mais de 700 pegadas. Os dados surpreenderam os pesquisadores, já que foram fotografadas quatro espécies ameaçadas de extinção: a jaguatirica (Leopardus pardalis), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o jaguarundi (Puma yagouaroundi) e o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus). “O lobo-guará foi uma surpresa; a jaguatirica nós tínhamos a suspeita de que aqui na UFLA poderia haver. Quanto ao jaguarundi, ele é muito difícil de se ver, uma vez que é o único gato com hábito predominantemente diurno. Já o gato-do-mato-pequeno é ameaçado de extinção em nível global”, relata Mateus.
Ainda conforme o estudo, a espécie mais frequente nos registros foi o gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita), seguido pelo tatu-galinha (Dasypus novemcinctus) e pela paca (Cuniculus paca). Os animais carnívoros, apesar de serem os maiores representantes das espécies nativas, foram os mais tímidos, com espécies registradas apenas uma vez durante o inventário, como foi o caso do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), da irara (Eira barbara), do gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), da jaguatirica (Leopardus pardalis) e do mão-pelada (Procyon cancrivorus). Já os animais domésticos e de criação, incluindo bois (Bos taurus) , cavalos (Equus caballus), cachorros (Canis lupus familiaris) e gatos domésticos (Felis catus), compreenderam a 26,4% de todos os registros do inventário.
Animais domésticos
Muitos animais domésticos como cães e gatos foram registrados pelos pesquisadores. E a presença desses animais domésticos em habitats nativos causa um grave desequilíbrio no ecossistema, uma vez que dentro das matas essas espécies predam roedores e pássaros. “Cães e gatos domésticos que entram em áreas nativas podem se tornar uma ameaça aos animais que vivem ali, não só por predar espécies nativas, mas a sua própria presença inibe os nativos de ficar naquele lugar”, comenta o professor Marcelo. Para os pesquisadores, ter o controle dessas espécies domésticas para que elas não causem danos às nativas é fundamental. “Em uma próxima etapa desse projeto, poderemos fazer uma análise da densidade populacional desses animais, e assim, será possível avaliar quais estratégias poderão ser tomadas, como a castração, um trabalho que teria que ser feito em conjunto com outros departamentos”.
Importância do inventário faunístico
O levantamento realizado pelos pesquisadores contribuiu para o conhecimento da biodiversidade do câmpus da UFLA e serve de base para ações que possam preservar essas espécies. Conforme esclarece o professor Marcelo, “avaliando quais as espécies, poderemos saber qual a área que elas usam, qual o melhor habitat, o que estão comendo, etc. Com esse conhecimento, podemos enriquecer e aumentar essas áreas, com plantio ou recuperando as matas efetivamente para melhorar a qualidade do habitat dos animais e possibilitar a sua permanência no câmpus”.
Segundo estudos, a estimativa é de que quase um quarto das espécies de mamíferos, principalmente de médio e grande porte, estejam globalmente em perigo ou extintas, o que representa uma grande ameaça à biodiversidade de ecossistemas tropicais em todo o mundo.
Reportagem: Karina Mascarenhas, jornalista - bolsista Dcom/Fapemig
Edição do Vídeo: Maik Ferreira - estagiário Dcom/UFLA