O número de pessoas adultas desnutridas no mundo é de 500 milhões de pessoas, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). No total, 44% dos países vivem, ao mesmo tempo, sérios níveis de subnutrição e sobrepeso, incluindo obesidade – ambos são evidências de uma nutrição pobre. As deficiências mais comuns são de ferro, zinco, iodo, selênio e vitamina A, destacando-se, sobretudo, nas crianças de países em desenvolvimento. O Brasil está entre os 51 países mais suscetíveis à prevalência da desnutrição, figurando ao lado da Etiópia e Indonésia.
No combate mundial da má nutrição, uma das principais estratégias em desenvolvimento no mundo são os cultivos de alimentos enriquecidos de micronutrientes. É a chamada ‘era da agricultura funcional’. Os desafios da criação desses superalimentos foi um dos destaques do XXXII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, realizado na Universidade Federal de Lavras. Na ocasião, o palestrante e professor do Departamento de Ciência do Solo (DCS/UFLA) Luiz Roberto Guimarães Guilherme explicou o sucesso de uma das tecnologias para se aumentar o teor de nutrientes dos alimentos desde o cultivo das plantas. “Com a biofortificação, técnicas de adubação do solo junto ao melhoramento genético aumentam o valor nutricional dos produtos, o que pode resolver o problema da subnutrição sobretudo da população de baixa renda”, afirma.
Não é por menos que os esforços dos acadêmicos, centros de pesquisas e empresas agropecuárias já chegou no enriquecimento de milho e sorgo. Entre 15% e 30% da população mundial consomem milho, principalmente do tipo geneticamente modificado. Seu uso em grão como alimentação animal representa a maior parte do consumo, cerca de 70%, no mundo. "Na cadeia animal, os benefícios do cereal ainda chegam ao ser humano que se alimentou do gado cuja dieta é baseada no milho", informou.
Já o sorgo é o quinto cereal mais consumido do mundo, superado apenas por trigo, arroz e milho. É cultivado em áreas e situações ambientais muito quentes ou secas. Mais de 35% da produção mundial é utilizada para consumo humano, na forma de farinhas e amido na produção de pães, bolo, biscoitos, "snacks" e enriquecendo preparações. A maior parte da produção do sorgo também vai para animal, na forma de ração e forragem.
No mundo, programas de biofortificação de milho e sorgo cultivam cereais com maiores teores de vitamina A, ferro e zinco, por exemplo. "Após dez anos de pesquisas, a Rede Brasileira de Biofortificação e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram um milho fortificado com quantidade de pró-vitamina A (carotenoides) cerca de quatro vezes superior à encontrada em cultivares comuns do cereal", contou. A pró-vitamina A se transforma em vitamina A a partir de reações químicas no organismo. Entre suas funções estão a manutenção de uma boa visão, uma pele saudável e um bom funcionamento do sistema imunológico.
Mercado
O governo chinês já decretou: quer intensificar o cultivo desses superalimentos e importar produtos enriquecidos de micronutrientes para alimentar os mais de 1,3 bilhão de habitantes - 20% da população mundial. "A estratégia agressiva dos chineses vai abrir o mercado do cultivo biofortificado no Brasil. Os compradores vão pagar mais caro pelo alto teor de nutrientes", acredita o professor do DCS.
A má notícia é que os parâmetros estabelecidos para se exportar os alimentos enriquecidos de nutrientes ainda está em aberto. "Não ter contaminação química e biológica é o mínimo", disse.
Políticas públicas de impacto também serão fundamentais para os agricultores aderirem à biofortificação. "O iodo é fundamental na produção de hormônios da tireóide. No passado, quando muitos brasileiros apresentavam deficiência do nutriente, Getúlio Vargas, em 1942, decretou a lei da obrigatoriedade da iodação do sal, o que ajudou a resolver o problema.
O governo tem que andar junto", frisou.
Fome oculta
Engana-se quem relaciona nutrição podre apenas aos subnutridos. A falta de uma alimentação adqueda relaciona-se também ao sobrepeso e obesidade, um tipo de desnutrição ligada à falta de nutrientes e que muitas vezes mascara o problema. O excesso de peso no Brasil atinge mais da metade da população (52,5%) e destes, 17,9% são obesos, de acordo com o Ministério da Saúde. “Alimentos de origem animal são ricos em zinco e ferro, mas pesam no bolso do consumidor. Enquanto alimentos mais baratos disponíveis no mercado são pobres em nutrientes, ocultando o problema da fome e fome oculta (carência dos principais nutrientes no organismo humano). O brasileiro come muito e mal", esclareceu Luiz Roberto Guimarães Guilherme.
O resultado vem do hábito do brasileiro: se por um lado não abre mão do feijão com arroz acompanhado de carne no prato, do outro consome alimento de alto índice calórico e baixo teor nutritivo. A fome oculta é desenvolvida em pessoas que não se alimenta com diferentes grupos alimentares. Dessa forma, uma pessoa pode até consumir a quantidade determinada de calorias por dia, mas se na alimentação não houver diversos nutrientes, ela pode desenvolver a carência de nutrientes. "O que é muito preocupante é que, quando isso acontece, afeta toda a vida. Se você não consome os nutrientes certos, o cérebro e o corpo não se desenvolvem adequadamente", disse o professor do Departamento de Ciência do Solo da UFLA.
Quando se fala em má nutrição infantil, os alimentos bioforticados têm sido um diferencial para o auxílio nutricional às crianças, principalmente, àquelas menores de cinco anos de idade. "Esse período é crítico para o desenvolvimento do ser humano. É importante que nós sejamos capazes de suprir as gestantes e as crianças com os nutrientes necessários", salientou.
Benefícios para a saúde
Zinco: a ausência desse mineral compromete o crescimenhto e aprendizado dos pequenos. É importante para a manutenção da imunidade do organismo. A falta de zinco está relacionada ao retardo da maturação sexual, retardo do crescimento e queda de cabelo.
Selênio: é um mineral com um alto poder antioxidante e por isso ajuda a prevenir doenças como o câncer (por exemplo de próstata) e a fortalecer o sistema imunológico, além de proteger o contra problemas cardíacos como a aterosclerose.
Iodo: mantém o equilíbrio dos hormônios da tireóide. A falta ou excesso desse nutriente pode causar retardo mental, defeitos no desenvolvimento do sistema nervoso, cretinismo, bócio (conhecido como "papo"), cansaço físico, retardo do crescimento, infertilidade e aumento na mortalidade infantil.
Ferro: atua principalmente na síntese (fabricação) das células vermelhas do sangue e no transporte do oxigênio para todas as células do corpo. Carência de ferro causa fraqueza capilar e anemia ferropriva. É prejudicial ao crescimento e desenvolvimento físico e mental.
Vitamina A: importante para a saúde dos olhos. Também atua na manutenção das células da pele e das mucosas, no crescimento e desenvolvimento, é antioxidante e ajuda no sistema imunológico. A carência provoca diminuição no crescimento, falta de apetite e cegueira noturna.
Pollyanna Dias, jornalista- bolsista Dcom/Fapemig