Estudo realizado acende o alerta sobre o consumo de suplementos em caso de doenças
O pólen de abelha, conhecido popularmente por seus benefícios como antioxidante, anti-inflamatório e antimicrobiano, foi testado como suplemento alimentar em Peixe-Zebra (Danio rerio), espécie usada em estudos sobre doenças humanas, por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA). O objetivo foi conhecer a influência do uso do pólen na composição da microbiota do intestino e no desenvolvimento do melanoma, um câncer de pele agressivo e maligno que pode aparecer em qualquer parte do corpo.
Os resultados mostraram que a introdução do pólen na dieta alterou a abundância de várias bactérias de diferentes famílias, gênero e espécies no intestino dos peixes. Além disso, gerou uma maior agressividade do melanoma nos peixes, ou seja, houve um crescimento maior do tumor naqueles peixes que consumiram o pólen. “Este é o primeiro estudo a relatar alterações microbianas intestinais no peixe-zebra, e não houve nenhuma propriedade protetora contra o câncer após a administração de pólen. Devido à sua composição extremamente variável, os efeitos causados pela ingestão de pólen apícola não podem ser simplesmente generalizados, e concluímos que seu uso deve ser prudente”, relata a pesquisadora Isabela Martins Di Chiacchio, que desenvolveu o estudo no Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFLA.
O estudo realizado em parceria com a Universidade de Múrcia (UMU), da Espanha, faz parte da tese de doutorado de Isabela, intitulada “Study of the reproductive performance and the immunological response in zebrafish (Danio rerio) fed with bee pollen supplemented diets”, e originou dois artigos científicos recentemente publicados nas revistas de alto impacto Fish and Shellfish Immunology e Scientific Reports. De acordo com a pesquisadora, apesar do pólen proveniente de cultura de abelhas ser conhecido como um suplemento benéfico, com propriedades antioxidantes, ainda não há muitos estudos sobre como ele se comporta em algumas situações, como em casos de doenças. “Isso traz à tona a discussão sobre produtos que são considerados terapêuticos e que, inclusive, são denominados anticancerígenos, mas sobre os quais não existem estudos comprovando isso de forma tão detalhada. Muita gente faz recomendação sem, de fato, ter embasamento sobre o assunto”, explica a pesquisadora.
Conforme Isabela, a intenção do estudo não é dizer que o consumo do pólen de abelha é ruim, mas alertar quanto aos cuidados que é preciso ter antes de recomendar um suplemento alimentar, principalmente caso a pessoa esteja com alguma enfermidade. “Devemos observar a quantidade ingerida e a situação patológica, uma vez que a composição do pólen é muito variável, dependendo da região, da planta e do tipo de abelha que coletou. Ele é um alimento que possui diversas substâncias, como carboidratos, lipídeos e proteínas; inclusive, esse pólen com o qual trabalhamos tinha um alto índice de carboidratos e açúcar. Atualmente, sabemos que as células tumorais se alimentam de açúcar, ou seja, elas precisam de glicose para crescer e desenvolver. Então, deve-se tomar um cuidado um pouco maior”, diz.
A microbiota intestinal é um conjunto de microrganismos que vivem no intestino de alguns animais, entre eles o homem, interagindo com a saúde geral da pessoa e afetando principalmente a digestão, assimilação de nutrientes e modulação (desenvolvimento e função) do sistema imunológico. Segundo diversos estudos, alterações nessa microbiota podem ser associadas a doenças, incluindo o câncer. Por isso, os pesquisadores analisaram a microbiota no peixe-zebra. Os peixes tiveram o pólen incluídos em sua dieta; posteriormente, o melanoma foi induzido no modelo experimental.
De acordo com o professor e orientador Luis David Solis Murgas, da Faculdade de Zootecnia e Medicina Veterinária da UFLA, a pesquisa de Isabela foi escolhida como melhor tese de doutorado de 2021 do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias e, atualmente, concorre ao Prêmio Capes de Tese em âmbito nacional. O estudo foi realizado em cotutela com a Universidade de Múrcia (UMU), tendo também como orientador o professor Victoriano Mulero Méndez. “Realizamos o estudo envolvendo diferentes grupos de pesquisas da UFLA, conseguindo realizar análises importantes em diferentes laboratórios para que o trabalho tivesse uma abordagem interdisciplinar, envolvendo os Programas de Pós-graduação em Ciências Veterinárias, Microbiologia Agrícola, Entomologia e Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares”. Da mesma forma, o grupo liderado pelo professor Mulero-Méndez na Universidade de Murcia-Espanha foi decisivo para a obtenção dos resultados dos efeitos do pólen sobre o câncer, pois se destaca pela atuação no modelo peixe-zebra para estudos avançados de doenças que acometem o homem e são nossos parceiros de pesquisa desde 2017”, afirma o docente.
A pesquisa com o pólen apícola na alimentação do peixe-zebra concluiu que a identificação das alterações observadas nos peixes pode fornecer informações importantes para a recomendação deste produto na dieta também de outras espécies.
Sobre o Melanoma
Cerca de 8.450 novos casos de câncer de pele melanoma são estimados por ano pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Esse é considerado o tipo de câncer de pele mais grave, devido à sua alta possibilidade de provocar metástase (disseminação do câncer para outros órgãos). A detecção precoce do tumor e a introdução de novos medicamentos imunoterápicos têm sido grandes aliados no tratamento da enfermidade. Por sua semelhança genética com os seres humanos, o Peixe-Zebra tem sido utilizado para estudos iniciais que demonstram os efeitos de diversas substâncias sobre o desenvolvimento tumoral. No caso do melanoma, outras pesquisas devem ser realizadas, em seres humanos, para comprovar os efeitos da ingestão do pólen.