A conservação de espécies, tanto da fauna quanto da flora, é considerada muito importante para manter o equilíbrio de ecossistemas, e as formigas exercem funções essenciais na manutenção desses diversos biomas. Elas auxiliam, por exemplo, na reprodução de espécies vegetais ao dispersar sementes, auxiliar na polinização e na melhoria do solo. Uma pesquisa conduzida na Universidade Federal de Lavras (UFLA) investigou como a conversão de ambientes naturais para ambientes de uso antrópico - ou seja, transformados pela ação do ser humano, como ocorre com a urbanização e as áreas de uso agropecuário - impactou na abundância e na diversidade de formigas naqueles locais.
A pesquisa foi uma revisão sistemática realizada em parceria com o grupo Formigas do Brasil, formado por cientistas de diversas instituições brasileiras. O intuito era entender e reunir as informações que se tem até o momento, a partir de artigos já existentes, sobre as formigas e o uso do solo no País. Os resultados indicaram que ambientes naturais, especialmente as florestas tropicais, possuem maior riqueza de espécies de formigas se comparados àqueles que foram antropizados. Ou seja, houve uma redução da diversidade de espécies após a mudança do uso do solo.
Isso ocorre, principalmente, devido à mudança no filtro ecológico, que é basicamente uma seleção das espécies que estarão presentes em um determinado local. Um dos fatores mais impactantes, neste caso, provavelmente foram as condições climáticas. Quando se tem uma floresta, por exemplo, a temperatura é mais baixa e a umidade é mais alta. Ao retirar/derrubar essa vegetação, passa-se a ter maior incidência solar, mais vento e a temperatura torna-se mais variável, excluindo os animais mais sensíveis, incluindo as formigas.
Outro fator importante para essa alteração na diversidade de espécies foi a consequente redução de recursos alimentares. Apesar de as formigas terem uma alimentação bastante variada, em áreas urbanizadas, de pastagem ou de silvicultura, não haverá diversidade de alimentos, o que faz com que formigas mais especialistas e sensíveis sejam mais afetadas negativamente, ocasionando sua morte ou migração. Aquelas que são generalistas e mais resistentes, que conseguem forragear por recursos diversos, tendem a ajustar-se melhor a esse novo cenário.
Também foi observado que, se a diversidade de formigas diminui onde houve alteração no uso do solo, a abundância (quantidade de formigas) não apresenta uma alteração relevante na maioria das áreas, à exceção de locais com agricultura mecanizada. Nesse último caso, há uma pequena redução, cuja causa é associada ao uso de agrotóxicos e inseticidas, que atingem outros insetos além das formigas.
A pesquisa apontou, ainda, que a conversão de campos nativos, como os pampas, em áreas de pastagens ou de silvicultura apresenta menos efeitos negativos se comparada à conversão de florestas com vegetação arbórea, como as florestas tropicais, para esse mesmo fim. Isso ocorre devido ao maior contraste em cada um desses ambientes quando passam por processos de antropização. Todavia, foram encontrados poucos estudos em biomas com vegetações naturais abertas, uma lacuna que pode influenciar o resultado da pesquisa.
No total, durante a análise foram encontrados 128 estudos desde 1995, a maioria avaliando a conversão dos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica para agricultura, pastagem e silvicultura. O Brasil é considerado um local excelente para o estudo de formigas, devido à diversidade de espécies desses insetos e de ambientes naturais, abrangendo desde florestas tropicais e secas até cerrado e pampas. Ao todo existem cerca de 15 mil espécies de formigas descritas em todo o mundo, e aproximadamente 1,5 mil estão no Brasil.
As etapas da pesquisa e a equipe
O estudo, iniciado em 2021, foi liderado pelo estudante do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada (PPGECO/UFLA) Icaro Wilker Gonzaga de Carvalho, sob orientação da professora do Instituto de Ciências Naturais (ICN/UFLA) Carla Rodrigues Ribas.
A metodologia utilizada na pesquisa foi uma revisão sistemática da literatura, que segue um protocolo de etapas, e permite que um grupo diverso, como o Formigas do Brasil, contribua com o estudo. A primeira etapa foi a busca de artigos em plataformas científicas especializadas, empregando-se palavras-chave relacionadas ao tema (algumas delas foram: Brasil, biomas brasileiros, formigas, funções, desempenho e usos do solo). Em seguida, foi realizada uma triagem inicial a partir do título dos artigos. A segunda triagem foi feita com base nos resumos. Por fim, é feita a seleção dos artigos que serão amplamente analisados aqueles que abordam especificamente o tema do estudo.
A segunda etapa consistiu na classificação dos artigos selecionados. Eles foram divididos em duas categorias: qualitativos, que descrevem características gerais, como local de estudo e tipo de uso do solo, e quantitativo, que apresentam dados numéricos, como número de espécies e abundância, permitindo que sejam realizadas análises estatísticas. Essa classificação viabiliza a terceira etapa, que busca identificar padrões e que seja feita uma análise aprofundada dos dados. A quarta e última etapa foi a síntese dos resultados, em que foi elaborado um relatório apresentando as informações encontradas.
Segundo Icaro, o estudo é importante pois identifica lacunas na literatura científica. “Revisões como esta são cruciais para sabermos o que a ciência já conhece e o que ainda precisa ser explorado, evitando que analisemos sempre o mesmo tema”, comenta. Além disso, a pesquisa destaca “a importância da conservação ambiental, evidenciando o papel fundamental da vegetação nativa na manutenção da biodiversidade. As alterações nos habitats podem levar à extinção diversas espécies e comprometer serviços ecossistêmicos essenciais”, avalia.
A pesquisa “A systematic review of the land use change effects on ant diversity in Neotropics” foi concluída em setembro de 2024.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.