A biodiversidade é melhor conservada em uma área contínua de floresta ou em espaços florestais fragmentados somados? Um estudo realizado em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA) aponta que áreas contínuas e protegidas são a resposta. Publicado na revista Nature em 12/3, o artigo discute essa questão, fortemente relacionada ao contexto do manejo ambiental e das políticas de conservação, principalmente em biomas ameaçados.
O professor do Departamento de Ecologia e Conservação do Instituto de Ciências Naturais (DEC/ICN/UFLA) envolvido na pesquisa, Marcelo Passamani, ressalta que o resultado do artigo veio de uma parceria entre vários pesquisadores, liderados pelo professor da Universidade de Michigan (EUA) Thiago Gonçalves-Souza. Todos os profissionais envolvidos coletaram dados em várias áreas de pesquisa para avaliar padrões mais globais.
“No nosso caso, além de contribuir com os dados de uma das minhas orientandas de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da UFLA, que faz parte de um projeto maior chamado Hyper-Frag, avançamos em entender e interpretar os padrões mostrados nos resultados, que mostram, entre outros aspectos, que estamos perdendo parte importante da nossa biodiversidade com ações humanas de degradação do habitat”, explica.
Os pesquisadores descobriram que, em média, áreas fragmentadas tinham 13,6% menos espécies nos pontos analisados (chamados de escala de mancha) em comparação com grandes florestas contínuas. Quando considerada toda a região estudada (escala da paisagem), a perda foi de 12,1%. Isso mostra que a soma de pequenos fragmentos não mantém a mesma biodiversidade que uma área maior e intacta, contrariando a ideia de que várias áreas menores poderiam compensar a perda de uma grande floresta.
Além disso, a fragmentação não afeta apenas a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos. Nos fragmentos menores, o chamado efeito de borda – mudanças no ambiente na transição entre a floresta e áreas vizinhas – reduz ainda mais a diversidade. Isso acontece porque espécies mais generalistas e adaptadas a perturbações se proliferam, tornando o ecossistema mais homogêneo e menos diverso.
A metodologia
A conclusão de que a manutenção de grandes áreas são valiosas para a conservação foi alcançada após a análise de 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas mundo afora. Ao todo, essa análise foi baseada nos resultados de 37 estudos, conduzidos em 11 países espalhados pelos diferentes continentes. Durante três anos, os pesquisadores organizaram esse extenso banco de dados, que reuniu as pesquisas que analisavam as diferenças entre a biodiversidade das florestas contínuas e das fragmentadas que se mantinham dentro de uma mesma paisagem.
Para evitar distorção, os pesquisadores estabeleceram um número mínimo de espécies a serem comparadas entre as florestas contínuas e as fragmentadas durante as análises. Isso foi feito porque áreas menores são mais fáceis de acessar para coletas, o que poderia influenciar nos resultados.
Os pesquisadores também levaram em conta a influência da distância entre os locais de coleta, afinal, quanto mais longe de um local de partida, mais diferentes serão as espécies. Em vez de medir a diferença na composição de espécies ao longo de todo o percurso – o que é chamado diversidade beta –, os cientistas compararam sempre os pontos mais próximos entre si e, no final, calcularam a média dessas diferenças.
Com esses ajustes na análise, os pesquisadores perceberam que a fragmentação diminui o número de espécies em todos os tipos de animais e plantas. Além disso, embora as áreas fragmentadas apresentassem espécies mais variadas, isso não foi suficiente para compensar a perda geral de biodiversidade em toda a região estudada. Por meio dessas respostas, o estudo trouxe novas perspectivas para esse debate em relação à importância de áreas para preservar a biodiversidade, que é conhecido como Sloss (Single Large or Several Small).
Mais sobre o estudo
Além dos professor Passamani e Thiago, o artigo “Species turnover does not rescue biodiversity in fragmented landscapes” (“A mudança de espécies não resgata a biodiversidade em paisagens fragmentadas”) contou com a autoria de dois pesquisadores independentes e de pesquisadores de diferentes universidades nacionais e internacionais: Universidade do Michigan; German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv) Halle-Jena-Leipzig; Martin Luther University Halle-Wittenberg; Michigan State University; Universidade Estadual Paulista (Unesp); University of Western Australia; Centre for Environment and Life Sciences; Universidade Federal de Pernambuco; Nottingham Trent University; Universidad Nacional del Comahue; Universidade de São Paulo; Universidade Estadual de Santa Cruz; La Trobe University; Center for Large Landscape Conservation; IUCN WCPA Connectivity Conservation Specialist Group (CCPG); Universidade Federal do Sul da Bahia; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal de Uberlândia; University of Bern; Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Universidade Federal da Paraíba; Universidad Autónoma de Querétaro; e Universidade Estadual de Campinas.
Em relação aos estudos da orientanda do professor Passamani que serviram como fonte de dados, estão consolidados nos artigos “Influence of forest type on the diversity, abundance, and naive occupancy of the mammal assemblage in the southeastern Brazilian Atlantic Forest” (“Influência do tipo de floresta na diversidade, abundância e ocupação da assembleia de mamíferos na Mata Atlântica do sudeste do Brasil”) e “First record of the bush dog Speothos venaticus in the Atlantic Forest of Minas Gerais, Brazil” (“Primeiro registro do cachorro-do-mato Speothos venaticus na Mata Atlântica de Minas Gerais, Brasil”). A doutoranda do PPG em Ecologia Aplicada responsável pela pesquisa, sob a orientação de Passamani, foi a estudante Alejandra Soto-Werschitz. O primeiro estudo avaliou a diversidade de mamíferos em diferentes áreas de floresta estacional e ombrófila na Mata Atlântica e a outra garantiu o primeiro registro de uma espécie de canídeo nativo, o Speothos venaticus (Cachorro-vinagre), em áreas muito fragmentadas no sul de Minas Gerais. O professor Passamani explica que esses artigos demonstram que, mesmo contemplando uma menor parcela da biodiversidade da paisagem, fragmentos pequenos, quando conectados, podem ser importantes para conservar determinadas espécies. Os artigos também contaram com a autoria de Salvador Mandujano.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.