Você já ouviu falar da macaúba (Acrocomia aculeata)? O fruto dessa espécie de palmeira, nativa do Brasil, possui alto potencial de produção de biocombustíveis, e a planta pode ser aliada da recuperação de áreas degradadas e do extrativismo vegetal sustentável. Com as recentes diretrizes para promoção da descarbonização estabelecidas pelo Governo Federal brasileiro, a macaúba é considerada uma alternativa importante aos combustíveis fósseis. Um estudo realizado na Universidade Federal de Lavras (UFLA) utilizou Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP), os populares drones, e Inteligência Artificial (IA), para mapear e identificar automaticamente plantas de macaúba em ambientes nativos.
Os resultados obtidos na primeira parte da pesquisa foram promissores. Essa fase consistiu em um teste experimental para verificar se a identificação automatizada de macaúbas seria viável em ambientes com alta complexidade visual, permitindo a quantificação de maciços naturais dessa espécie. Para isso, foi utilizado um drone equipado com câmera RGB para coleta das imagens e, em seguida, foram aplicadas técnicas de inteligência artificial, implementadas com o auxílio do YOLOv8 (You Only Look Once), uma tecnologia capaz de detectar objetos em imagens e vídeos em tempo real, a partir de uma única análise. O YOLOv8 possui cinco versões: nano, small, medium, large e extralarge.
Neste trabalho todas as versões do YOLO foram testadas e a precisão na identificação das plantas de macaúba apresentaram mais de 95% de precisão, ou seja, acertaram muito bem ao identificar as plantas nas imagens, mesmo em meio a outras plantas. A versão mais leve do sistema, chamada de "nano", foi a que aprendeu mais rápido, precisando de menos tempo para atingir bons resultados. Já a versão "large" (grande) conseguiu um equilíbrio excelente entre velocidade de aprendizado e qualidade nos acertos, com mAP (mean Average Precision), métrica que avalia a precisão na detecção dos objetos, de 98% de acertos nas imagens usadas para teste. Isso mostra que ela funciona bem não só durante o treinamento, mas também quando aplicada na prática. Por outro lado, a versão "extralarge" (extra grande), embora tenha errado pouco durante o treinamento, teve desempenho pior nos testes, sugerindo sobreajuste (quando o modelo aprende demais os dados de treino, mas não generaliza bem).
No geral, os resultados mostram que o uso de drones com inteligência artificial, principalmente com as versões "nano" e "large" do YOLOv8, é uma ferramenta promissora para ajudar no mapeamento e identificação da macaúba em campo, trazendo mais precisão, agilidade e eficiência para o setor agrícola.
O objetivo agora é desenvolver uma plataforma com banco de dados georreferenciado, capaz de mostrar a localização dos maciços da planta na região. A partir do mapeamento e contagem do número de plantas será possível propor formas de extrativismo vegetal dos frutos para atender aos pequenos produtores e proprietários das terras de onde a macaúba cresce de forma natural.
Devido à abundância de macaúbas que crescem na região de Lavras, onde o estudo foi conduzido, e ao alto rendimento na produção de óleo (cerca de três toneladas por hectare), a proposta é que, futuramente, os frutos da palmeira sejam coletados e trazidos à UFLA para que passem por um processo de beneficiamento na Plataforma de Pesquisas Energéticas – Plape.
“Com o aprimoramento da plataforma de banco de dados, a metodologia pode ser expandida em escala estadual ou até mesmo nacional, orientando políticas públicas e decisões logísticas, como a instalação de usinas de beneficiamento, além de abrir caminho para aplicações semelhantes em outras culturas agrícolas”, comenta o professor Rafael Peron Castro, coorientador do estudo.
A pesquisa é a primeira do Brasil a utilizar drones e Inteligência Artificial para identificar uma espécie específica de planta em um ambiente aberto nativo.
Equipe e etapas da pesquisa
O estudo faz parte da dissertação de mestrado de Franklin Daniel Inácio, orientado pelo professor Adão Felipe dos Santos, da Escola de Ciências Agrárias de Lavras (Esal/UFLA), e coorientado pelo professor Rafael Peron Castro (Esal/UFLA). A pesquisa contou, ainda, com a colaboração dos membros do Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Digital (Gepad/UFLA), formado por estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade, além de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para a realização do estudo, foram selecionadas duas áreas na região de Lavras (MG) com ocorrência natural de macaúba, considerando aspectos climáticos e geográficos favoráveis para a pesquisa. Em seguida, foram capturadas imagens em alta resolução utilizando-se um drone, com o intuito de gerar mapas detalhados dos locais, que foram organizados em ortomosaicos.
A partir desses mapas, foram marcadas manualmente as localizações das plantas de macaúba, que serviram como base para criar os dados necessários para treinar, validar e testar a inteligência artificial. Foram geradas imagens em diferentes tamanhos e com plantas em posições variadas, ajudando o modelo a aprender a reconhecer as plantas em diferentes escalas, simulando condições do mundo real. A identificação das plantas foi feita manualmente em um software específico e, depois, as imagens foram divididas em três grupos: um para treinar a IA, outro para validar e um terceiro para testar o desempenho do modelo.
O treinamento foi feito usando uma plataforma online equipada com uma GPU (um tipo de processador especializado), capaz de acelerar esse tipo de tarefa. Foram testadas cinco versões do modelo YOLOv8, cada uma com diferentes níveis de desempenho e exigência de processamento. Por fim, foram aplicadas métricas para avaliar o desempenho da IA, analisando tanto a capacidade de acerto quanto os erros, para entender qual versão apresentou melhores resultados na identificação das plantas de macaúba nas imagens.
"A ideia de utilizarmos essas tecnologias, como drones e inteligência artificial, vai muito além de inovação. Nosso objetivo é oferecer ferramentas que ajudem na tomada de decisão no campo, especialmente nas estimativas de características agronômicas importantes, como produtividade, vigor das plantas e desenvolvimento das culturas", explica o professor Adão. "A agricultura de precisão permite que a gente una conhecimentos de diferentes áreas — como agronomia, computação, engenharia e meio ambiente — para tornar a produção mais eficiente e sustentável, usando os recursos de forma inteligente e com menos desperdício."
A pesquisa, intitulada “Macaúba - IA: Impulsionando a produção sustentável de biocombustível com identificação automatizada de plantas através de inteligência artificial”, pode ser acessada na íntegra, gratuitamente, por meio do Repositório Institucional da UFLA.
Outras pesquisas com a macaúba
Embora já fosse utilizada em práticas tradicionais de subsistência, somente no início dos anos 2000 foi publicada uma patente pela Universidade Federal de Viçosa para superação de dormência das sementes, com o objetivo de aprimorar sua germinação. Isso viabilizou a domesticação da macaúba e impulsionou os primeiros estudos sistemáticos sobre seu cultivo. Entretanto, por ser uma cultura perene com ciclo produtivo longo, as pesquisas, em geral, ainda são recentes, e existem gargalos em sua cadeia produtiva que ainda precisam ser solucionados. Alguns deles são os conhecimentos fitotécnicos da planta, que incluem práticas de manejo, métodos de propagação, colheita e processamento.
Além do uso de drones e IA, outras pesquisas estão sendo conduzidas na UFLA a fim de otimizar o cultivo e o aproveitamento dos frutos de macaúba. A professora Heloisa Oliveira dos Santos (Esal/UFLA) lidera os estudos de análise e produção de sementes, bem como novas ferramentas de superação de dormência. A professora Joyce Dória Rodrigues Carvalho (Esal/UFLA) conduz pesquisas em cultura de tecidos da macaúba, e o professor Rafael Peron Castro é responsável pelos estudos sobre processamento pós-colheita e desenvolvimento de novos produtos relacionados à planta.
Todas essas iniciativas fazem parte do projeto extensionista “Logística de intensificação sustentável do estado de Minas Gerais com o fortalecimento da cadeia produtiva da Macaúba (Acrocomia aculeata)”, financiado pela Fapemig.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.