Uma pesquisa inovadora conduzida na Universidade Federal de Lavras (UFLA) revelou que extratos de café verde e torrado, especificamente os considerados de qualidade inferior, apresentam potencial de eliminar larvas do Aedes aegypti, mosquito responsável pela transmissão de doenças como a dengue, zika e chikungunya. A pesquisa foi realizada por meio de um projeto apoiado pelo Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café. O estudo abre novas perspectivas para o aproveitamento de subprodutos da cafeicultura e para o desenvolvimento de alternativas aos inseticidas químicos.
O ponto central da pesquisa foi a criação da “Solução Inovadora 5”, desenvolvida a partir de extratos de café verde e torrado considerados de baixa qualidade. Os extratos testados foram obtidos por meio de um processo de refluxo sólido-líquido, utilizando-se metanol como solvente, o que permitiu a extração de compostos bioativos presentes no café. A análise química, realizada em laboratório, feita por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE/HPLC), identificou substâncias relevantes, como a cafeína, o ácido cafeico e o ácido clorogênico. Um dado particularmente importante foi a detecção de catequina exclusivamente nos extratos de café torrado, o que sugere uma complexidade química associada ao processo de torrefação que pode ser fundamental para a eficácia da formulação.
Durante os testes laboratoriais, os pesquisadores avaliaram o efeito de diferentes formulações dos extratos de café sobre larvas do mosquito Aedes aegypti, da linhagem Rockfeller, em estágio de desenvolvimento conhecido como terceiro instar, uma fase de maior resistência das larvas. O extrato que apresentou os melhores resultados foi o café torrado com Tween 80® (CTT), na concentração de 4 mg/mL. Tween 80® (CTT) é um composto amplamente utilizado em alimentos, cosméticos e pesquisas científicas por sua capacidade de unir substâncias que normalmente não se misturam. Essa formulação atingiu 99,2% de mortalidade das larvas após 72 horas, indicando um alto potencial.
Outras formulações testadas apresentaram taxas de mortalidade mais baixas. Quanto ao ácido cafeico, um dos compostos no extrato, ele foi aplicado isoladamente, os resultados foram consideravelmente menos eficazes. Isso levou os pesquisadores à hipótese de que os compostos presentes no extrato atuam de forma conjunta, ou seja, exercem um efeito sinérgico, a combinação das substâncias resulta em uma ação mais potente do que cada uma delas isoladamente.
O impacto do estudo vai além do combate ao mosquito, evidenciando o valor do reaproveitamento de resíduos do café. “Transformar um subproduto de baixo valor em uma
solução inovadora, sustentável e de baixo custo para o manejo do Aedes aegypti demonstra alinhamento com os princípios da economia circular e da sustentabilidade”, diz a coordenadora da pesquisa, professora Joziana Muniz de Paiva Barçante. A pesquisa também contribui para a valorização de subprodutos agrícolas e para a redução do uso de inseticidas químicos sintéticos, frequentemente associados a impactos negativos no meio ambiente e na saúde humana.
“Além disso, a iniciativa reforça a relevância da integração entre saúde pública, agricultura e meio ambiente, em consonância com os princípios da Saúde Única”, complementa. O sucesso da pesquisa já gerou resultados acadêmicos relevantes, incluindo premiação no Simpósio Brasileiro de Doenças Negligenciadas (SBDN), um trabalho de conclusão de curso (TCC), uma dissertação de mestrado finalizada e uma tese de doutorado em andamento, consolidando o conhecimento gerado na UFLA.
Próximas etapas da pesquisa
Os próximos passos da pesquisa buscam compreender como cada composto presente nos extratos de café atuam individualmente sobre as larvas do Aedes aegypti. Os resultados iniciais sugerem que a ação inseticida pode ser resultado da combinação entre substâncias como o ácido cafeico e a cafeína. Para confirmar essa hipótese, os pesquisadores irão testar esses compostos separadamente, buscando identificar se a eficácia observada se deve a um efeito conjunto ou a um agente específico.
Outro desafio importante será testar a eficácia da solução em populações de mosquitos resistentes a inseticidas convencionais. Essa etapa é essencial para validar o uso do produto em contextos reais de controle de arboviroses.
Além disso, serão investigados os possíveis mecanismos de ação desses compostos e seus efeitos na fisiologia do inseto, o que pode abrir caminho para o desenvolvimento de novas estratégias de controle. Quando forem encerradas essas etapas, os pesquisadores pretendem patentear o produto, para que possa ficar disponível para produção em larga escala.
Desenvolvido integralmente na UFLA, o estudo integra o projeto mais amplo denominado “Aproveitamento de cafés de qualidade inferior para o desenvolvimento de novos produtos e embalagens”, liderado na UFLA pela professora Maria das Graças Cardoso. A linha do projeto que avalia os efeitos dos extratos de café sobre as larvas do mosquito é coordenada pela professora Joziana, com a participação de uma equipe multidisciplinar formada pelo doutorando Pedro Henryque de Castro, do Núcleo de Pesquisa Biomédica – Nupeb/UFLA, pela pós-doutoranda Ingrid Marciano Alvarenga, também vinculada ao Nupeb/UFLA, pela professora Maria das Graças Cardoso e as estudantes Antonia Isadora Fernandes e Cassia Duarte Oliveira, do Departamento de Química (DQI), pelo professor Luís Roberto Batista, do Departamento de Ciência dos Alimentos; e pelo professor Geraldo Andrade de Carvalho, do Departamento de Entomologia (DEN).
Também integra à equipe a professora Grasielle Caldas D’Ávila Pessoa, do Laboratório de Entomologia Médica da UFMG.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.