A luta pela vida de espécies ameaçadas de extinção faz parte da rotina de quem atua no Ambulatório de Animais Selvagens (Amas) do Hospital Veterinário, vinculado à Faculdade de Zootecnia e Medicina Veterinária da Universidade Federal de Lavras (FZMV/UFLA). O local atende diversas espécies de animais silvestres por ano, vítimas do desequilíbrio ecológico, do contato com o ser humano e do tráfego rodoviário.
O Ambulatório, fundado em 2015, realiza o atendimento de animais silvestres nativos e exóticos, de vida livre ou que vivem sob cuidados humanos. Antes, não havia em Lavras e região um local para recebimento desses animais; o ambulatório, então, foi criado com o intuito de suprir essa demanda. Qualquer pessoa que encontrar um animal silvestre ferido, apático, doente ou debilitado pode encaminhá-lo ao Amas para atendimento gratuito.
A médica veterinária responsável pelo Amas, Samantha Mesquita Favoretto, comenta sobre os desafios dos atendimentos. “É triste ver animais tão imponentes, como um lobo-guará ou um tamanduá-bandeira, no estado em que são trazidos até nós. Na maioria das vezes, o animal chega politraumatizado, devido a atropelamentos, e sabemos que teremos um desafio à nossa frente para a recuperação daquele paciente e para a possibilidade de seu retorno à natureza.”
Registrado como extensão universitária, o Amas faz parte do projeto intitulado “Promoção em Saúde Animal no Município de Lavras e região”, e tem como membros estudantes dos cursos de Medicina Veterinária, Ciências Biológicas, Zootecnia e Engenharia Ambiental da UFLA, que realizam, sob a supervisão de Samantha e dos professores Rodrigo Norberto Pereira e Antônio Carlos Cunha Lacreta Junior, o atendimento, acompanhamento, manejo e a formulação de dietas para os animais, além de atividades administrativas. “O projeto permite que os discentes apliquem na prática o que aprendem em sala de aula, possibilitando o contato entre o estudante e a sociedade e, ainda, o desenvolvimento de habilidades essenciais para o trabalho em grupo. A presença de estudantes de diversos cursos estimula a discussão sobre cada paciente e o desenvolvimento de uma postura técnica dos estudantes. Além disso, os animais precisam ser cuidados e alimentados todos os dias e, por isso, são realizados plantões, manejo aos fins de semana e feriados. A vivência dentro do Amas é completa: os estudantes acompanham a chegada do paciente, seu tratamento e a possível destinação”, conta Samantha.
Além dessa contribuição para a formação dos estudantes, o Amas é objeto de diversas pesquisas. Segundo Samantha, o Hospital Veterinário tem a expectativa de ampliar a estrutura física do Amas, permitindo atendimento e internação de um número maior de animais. “A implantação de recintos amplos e devidamente planejados permitirá o atendimento de mais animais de grande porte, como o lobo-guará nativo da região, bem como o fomento de pesquisas visando à conservação dessas espécies.”
O Amas atua em parceria com o Instituto Estadual de Minas Gerais (IEF-MG) - órgão vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado - e a Polícia Militar de Meio Ambiente. Após o atendimento, os animais podem ser soltos pelo Amas, caso a alta ocorra até três dias após a internação. Essa soltura deve ser realizada em um local próximo ao qual o animal foi encontrado. Caso ultrapasse os três dias, o animal é encaminhado ao IEF ou à Polícia, que o destina a abrigos, centros de reabilitação ou realiza a soltura.
Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2022, 1.943 animais foram recebidos no Amas. Dados disponibilizados até 2019 mostram que a espécie mais atendida no local foi a maritaca (Psittacara leucophthalmus) e que a classe com maior riqueza de ordens atendida é a de aves, seguida de mamíferos, répteis e anfíbios. A maior parte dos atendimentos é feita em animais que sofreram lesão traumática que afeta ossos e/ou articulações, ocasionadas possivelmente por acidentes ou outras situações.
No Brasil, mais de 475 milhões de animais selvagens são atropelados por ano, segundo estimativas do Centro Brasileiro de Estudos de Ecologia de Estradas (CBEE) da UFLA. Os que não morrem podem ficar com sequelas graves que impossibilitam seu retorno à vida livre. No Amas, entre as espécies que chegam por conta de atropelamentos estão o “cachorro-do-mato” (Cerdocyon thous) e o “lobo-guará” (Chrysocyon brachyurus), esse último em risco de extinção no Cerrado.
Primatas como o “sagui” ou o “mico-estrela” (Callithrix penicillata), muito encontrados em áreas arborizadas urbanas, também são atendidos pelo Amas, geralmente como vítimas de descarga elétrica, já que é comum se locomoverem por fiações e postes.
O atendimento também é feito a aves trazidas por pessoas que as encontram ainda filhotes. Nesse caso, assim como nos demais, os integrantes do projeto orientam as pessoas. “Recebemos muitos filhotes de aves todos os anos, alguns simplesmente por terem sido achados no chão. É importante que as pessoas saibam que nem sempre esses animais necessitam ser recolhidos. Na maioria das vezes, a mãe ainda está por perto e virá cuidar do filhote no chão. Os filhotes apenas devem ser recolhidos caso haja um perigo claro a eles ou estejam machucados”, explica a médica veterinária. Aves com algum material enrolado nos membros pélvicos e torácicos, como plásticos e linhas de tecido, também são comumente atendidas.
O Amas também recebe animais enfermos apreendidos pela Polícia Militar Ambiental por tráfico ou posse ilegal. Segundo o Artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais, nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, é crime adquirir e manter em cativeiro animais silvestres provenientes da natureza ou de criadouros não autorizados. Estão sujeitas à multa e à detenção pessoas que descumprirem a lei.
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Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.
Fotos: Sérgio Augusto Silva