Ser influencer é tão fácil assim? Diante de dilemas observados e da participação majoritária de mulheres como influenciadoras digitais, atrelada a mudanças na atuação delas no mercado de trabalho nas últimas décadas, a pesquisadora Ananda Silveira Bacelar viu-se estimulada a realizar um estudo sobre o tema durante o seu mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Ela buscou compreender como é realizada a construção da carreira de influenciadoras digitais na plataforma Instagram, nos nichos de moda e fitness.
A carreira de influenciadora digital é uma forma de trabalho que ainda não está regulamentada por legislação, embora esteja reconhecida como profissão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Em 2022 teve início a tramitação, no Congresso Nacional, de um Projeto de Lei (PL 2347/2022) para que a atividade profissional de influenciador digital seja regulamentada no âmbito Federal.
Como resultados da pesquisa de Ananda, identificou-se que o início da trajetória das influenciadoras participantes do estudo foi marcado pelo compartilhamento de suas rotinas como hobby e inspiração em outras influenciadoras. Os principais motivos que levaram as participantes da pesquisa a atuar como influenciadoras foram: o propósito, a flexibilidade, a rotina de trabalho, a criação de conteúdo e a conciliação entre demandas pessoais e profissionais.
Porém, elas relataram algumas dificuldades encontradas na atuação: a falta de reconhecimento, o trabalho invisível e a demanda de tempo, fatores que se relacionam com a precarização do trabalho de influenciadores digitais. Além disso, foram apontados elementos associados à figura feminina socialmente construída no imaginário social nos perfis das participantes, representados pelas cores predominantes no feed, por uma linguagem sempre voltada para o público feminino e fotos com média ou alta exposição corporal, além da reprodução no mundo virtual de padrões comportamentais e estéticos corporais socialmente construídos, como dupla jornada de trabalho, a não valorização do trabalho feminino e a imposição de padrões de beleza.
Para alcançar esses resultados, Ananda identificou qual era o perfil dessas influenciadoras, conheceu a trajetória das mulheres pesquisadas e como ocorreram as transições na carreira até se tornarem influenciadoras digitais. Também procurou entender a atuação dessas mulheres como influenciadores digitais e analisar como as relações socialmente construídas de gênero interferem em suas carreiras.
Da pesquisa, participaram 12 influenciadoras digitais brasileiras, que foram acompanhadas entre setembro de 2020 e março de 2021. Essas entrevistadas não tiveram seus perfis divulgados. As técnicas utilizadas incluíram observação dos perfis das influenciadoras selecionadas, questionário sociodemográfico e entrevistas com roteiro semiestruturado.
Precarização e mercado de trabalho
A carreira de influencer é praticada de maneira exclusiva ou parcial, quando é realizada paralelamente a outro tipo de trabalho, e está sujeita a certa precarização. A professora da Faculdade de Ciências Sociais (FCSA/UFLA) Mônica Carvalho Alves Cappelle foi orientadora do trabalho e coordena o Núcleo de Estudos em Organizações, Gestão e Sociedade (Neorgs), que estuda as diversas formas de trabalho, bem como as novas carreiras. Mônica comenta sobre maneiras de se precaver das condições de trabalho oferecidas às influenciadoras, como a permuta, em que é ofertada a troca de objetos ou serviços sem troca de moeda financeira.
“Embora esse tipo de contrato não seja ilegal, ele ocorre com frequência no mundo digital, principalmente com quem está iniciando a carreira. É importante ficar atento e identificar quando é benéfico que a permuta ocorra. Caso contrário, essa prática pode se tornar frequente e ser uma maneira de ter o trabalho desvalorizado.”
Durante o estudo, as entrevistadas se queixavam por não ter reconhecimento como profissionais, não ter uma carga horária delimitada, não ter contribuição previdenciária, a não ser que pagassem individualmente. A professora aponta que a falta de reconhecimento da prática de influenciadora digital como trabalho ocorre na sociedade em geral, e para que sejam reconhecidas como trabalhadoras e valorizadas, é preciso que as próprias influenciadoras digitais delimitem horários de trabalho, deixem explícito o que devem aceitar como trabalho, além de estabelecer limites e parâmetros para receber pelo serviço realizado.
“Respeitar-se como profissional, profissionalizar-se, fazer cursos, como de filmagem, edição e gestão de carreiras, bem como se unir, são outras formas de fugir da precarização. Assim, as influenciadoras se fortalecem e fortalecem também a carreira”, destaca Mônica.
Proteger-se do cancelamento
Outros pontos que também perpassam a carreira de influenciadoras e apresentados pelas mulheres entrevistadas foram o assédio, a violência e o cancelamento nas redes. “A cultura do cancelamento perpassa essa área, que depende da opinião pública. Infelizmente, pela falsa ideia de estarem protegidos pela tela de um celular ou computador, pessoas que praticam “bullying virtual” ou “cyber bullying”, ou seja, pessoas que postam comentários de ódio ou crítica sem muito critério, acreditam que podem dizer o que quiserem. São os famosos haters”, explica Mônica.
A professora ressalta que outra maneira de as influenciadoras se preservarem é ter cuidado para que sua privacidade não seja invadida, buscar diferenciar a vida pública da privada. Principalmente pela prática de a influência digital envolver propagandas de produtos como se eles realmente fizessem parte do cotidiano, é comum confundir o que é trabalho e o que é vida “normal”, com a exposição de viagens particulares, amigos e familiares.
Tornando-se uma influenciadora
Durante o período em que o estudo foi realizado, a pesquisadora Ananda começou a investir na carreira de influenciadora. “Como eu era microinfluenciadora e o pagamento realmente é muito pouco no início, limitando também a atuação, me enxerguei fazendo o que muitas entrevistadas faziam, que é me expor de uma forma que eu não queria, e tudo isso por causa de engajamento”, explica Ananda.
Ela relata que, por causa da cobrança que sentiu durante sua experiência como influenciadora, buscou mudar sua abordagem na criação de conteúdos. “Hoje, eu ajudo outras mulheres que têm outros nichos de atuação e precisam usar o Instagram para alavancar suas carreiras, e mostro que não precisam se expor e depender de outras marcas e de permuta para serem vistas pelo público.”
A dissertação “A construção de carreiras de influenciadoras digitais: uma abordagem netnográfica em perfis dos nichos fitness e moda” está disponível gratuitamente no Repositório Institucional da UFLA.
Assista ao vídeo:
Texto original e completo escrito por Greicielle Santos: confira na edição 8 da Revista Ciência em Prosa, páginas 8 a 13. Adaptações: Claudinei Rezende.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.