Você já ouviu falar em GIF Comic? Provavelmente, não. Apesar de ser um gênero textual já encontrado no Instagram, ele foi nomeado recentemente por meio de uma parceria feita entre pesquisadores do grupo “Textualidades em Gêneros Multissemióticos e Formação de Professores de Língua Portuguesa da Universidade Federal de Lavras (Textualiza/UFLA)” e uma pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisa pode ser encontrada em um dos capítulos do livro “Letramentos múltiplos, multimodalidades e multiletramentos: os usos da linguagem na era digital”, publicado pela Editora Diálogos, em 2021.
Com os resultados, os pesquisadores defendem que trabalhar com esse tipo de gênero textual com estudantes, em sala de aula, pode ser uma estratégia importante para o processo de ensino-aprendizagem, a ser colocada em prática pelos professores, inclusive na educação básica. Utilizar esse novo gênero permite que os alunos desenvolvam uma leitura crítica a partir desse tipo de texto, ajuda a problematizar o uso das tecnologias a que eles têm acesso no dia a dia, entre outros benefícios.
De acordo com o pesquisador mestrando em Letras da UFLA Guilherme Melo, o uso do Instagram permitiu o contato com esse novo texto que chamou a atenção dos envolvidos no estudo. “Esse texto reunia quadrinhos, como os das HQs, mas, também, pequenos GIFs. Uma vez que já pesquisávamos textos que reúnem linguagem verbal e visual, como anúncios publicitários, memes e videoanimações, achamos que seria interessante analisar um exemplo desse novo tipo de texto, cujas criação e divulgação são potencializadas pelos suportes digitais.”
O nome GIF Comic, portanto, foi escolhido por esse gênero ser uma mistura de GIFs com histórias em quadrinhos. Afinal, o GIF Comic parte de um GIF real em loop que permite que o autor crie quadrinhos que contextualizam uma história fictícia imaginada por ele.
A pesquisadora graduada no curso de Letras da UFLA Kleissiely de Castro observa que não foi possível encontrar uma literatura que nomeasse esse novo gênero. “Por isso, considerando que ele reúne outros dois gêneros, demos esse nome de GIF Comic. A escolha pelo termo em língua inglesa veio do fato de o GIF já ser um gênero conhecido e ser uma sigla em inglês para Graphics Interchange Format, que pode ser traduzido como ‘formato para intercâmbio de gráficos’. A ele, juntamos o termo ‘comic’, como são denominadas, em inglês, as histórias em quadrinhos. Além disso, o texto específico escolhido para a nossa análise foi publicado originalmente em inglês, tendo sido traduzido por nós. Tudo isso ainda ressalta a importância do uso de diferentes linguagens nos textos.”
Pobre boneco de posto
No capítulo “Boneco de posto em GIF Comic: fronteiras borradas de gênero e análise a partir da GDV”, escrito pelos pesquisadores, foi analisado um GIF Comic chamado “Poor tube man” (Pobre boneco de posto), criado pela cartunista Kat Swenski e disponibilizado no Instagram (acesse o GIF Comic estudado). A partir do GIF de um boneco inflável batendo contra a parede, Kat criou uma história em quadrinhos em que o boneco é um funcionário novato de uma loja.
Composto por sete quadrinhos e um GIF, o texto conta a história do boneco de posto sendo instruído pelo supervisor, em seu primeiro dia de trabalho. O homem acha que os movimentos do boneco estão inseguros e ensina como ele deve se mexer, com mais entusiasmo. Como não vê melhora em uma nova tentativa do boneco, o supervisor pede que ele faça uma pausa para o almoço e esfrie a cabeça. O boneco, então, se chama de estúpido e é nesse momento que entra o GIF com uma imagem real de um boneco de posto se agitando contra a parede, como se batesse a cabeça, em sinal de desaprovação de si. Confira o GIF Comic:
Muitas são as possibilidades de análise do GIF Comic Poor tube man, como, por exemplo, a leitura da forma como os personagens são representados. Em todos os quadrinhos, os personagens são objeto do olhar do leitor, exceto no quadrinho 2, em que o supervisor olha diretamente para o leitor, como se ele fosse o próprio boneco de posto. De acordo com os pesquisadores, esse recurso provavelmente foi utilizado para evidenciar o tom de advertência do supervisor. “É possível chegar a essa conclusão, pois percebemos que o homem faz uma espécie de requerimento ao leitor, que se encontra na posição do boneco presente no quadrinho anterior: que mude a sua atitude, demonstrando mais confiança em si mesmo. Esse recurso de olhar diretamente para quem lê a história contribui para o desenvolvimento de um vínculo entre o personagem e o leitor”, explica a pesquisadora do Textualiza Jaciluz Dias.
Os resultados observados confirmam, ainda, que o gênero GIF Comic apresenta potencialidade para o trabalho com a leitura em sala de aula, seja por reunir diferentes linguagens, seja por favorecer a discussão de diferentes temáticas contemporâneas, como as relações de trabalho, no caso do GIF Comic analisado.
Nesse GIF Comic analisado, conforme afirma a professora da UFJF Marta Cristina Silva, é possível observar, portanto, como as linguagens verbal e visual (imagem estática e em movimento) se complementam. “Isso dá origem ao novo gênero e exige novas formas de ler e entender o texto. Saber abordar adequadamente essa questão, chamada de multimodalidade, de maneira crítica e reflexiva, é uma aprendizagem fundamental na formação de um professor.”
As teorias
As teorias utilizadas para analisar o GIF Comic apresentado foram os multiletramentos e a Gramática do Design Visual (GDV). A teoria dos multiletramentos (que considera as múltiplas culturas e linguagens) foi utilizada para ajudar a compreender como as tecnologias digitais, tão presentes no cotidiano, influenciam a forma como os textos são produzidos e lidos atualmente. São elas que potencializam a difusão de gêneros textuais/discursivos que reúnem diferentes linguagens (verbal, visual, sonora, entre outras), como o GIF Comic.
Já a GDV é uma teoria que propõe uma classificação para os elementos que compõem uma imagem. Por meio do entendimento dessas categorias, o professor pode chamar a atenção dos alunos para aspectos que precisam ser considerados para o desenvolvimento de uma leitura mais contextualizada e crítica. Por mais que a complexidade da GDV impossibilite o uso das categorias em sala de aula, nada impede que suas fundamentações deem suporte para a compreensão dos sentidos do texto, já que isso pode ser levado ao espaço escolar para promover a ampliação do letramento visual e dos multiletramentos dos estudantes.
Jaciluz observa que trabalhos como esse evidenciam a possibilidade de o profissional docente desenvolver os multiletramentos com os alunos a partir do que eles já trazem consigo, de suas próprias vivências. “Por isso, com essa pesquisa, procuramos contribuir, entre outras questões, para a formação de leitores autônomos e críticos perante os mais diversos textos que circulam na sociedade. E, tudo isso, de forma leve e prazerosa, realizado conforme orientam documentos norteadores do ensino, como a Base Nacional Comum Curricular.”
Os pesquisadores
Kleissiely é egressa da graduação em Letras da UFLA, assim como Guilherme, que atualmente é mestrando.
Além de participante do Textualiza, Jaciluz é doutora em Linguística pela UFJF, mestra em Educação pela UFLA e assistente em administração na Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe/UFLA).
Marta é professora da UFJF, no Programa de Pós-Graduação em Linguística e na graduação em Letras.
O estudo foi desenvolvido a partir de discussões realizadas no Textualiza, grupo de estudos e pesquisa coordenado pela professora da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Educação e Letras (Faelch/UFLA) Helena Maria Ferreira.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.