Votar é um importante exercício de cidadania que caracteriza as sociedades democráticas. Nas eleições municipais não é diferente: é fundamental escolher bem aqueles que irão tomar decisões políticas e administrativas nos municípios durante os próximos quatro anos. Em meio a tantas opções de candidatos e ao grande compartilhamento de informações falsas, de que forma o eleitor deve agir para votar de forma consciente?
Conversamos com o professor da Faculdade de Educação, Linguagens e Ciências Humanas (Faelch/UFLA) Marcelo Sevaybricker Moreira, doutor em Ciência Política, sobre a importância das políticas públicas municipais para melhoria social e sobre as avaliações que o eleitor deve fazer para votar de maneira mais responsável em busca do fortalecimento da democracia e do amplo desenvolvimento social e econômico do país.
1) Qual a importância das eleições municipais para o fortalecimento da democracia?
O plano municipal impacta decisivamente muitas questões do nosso dia a dia que não entram no radar das eleições estaduais e federais; por exemplo, decisões acerca do Plano Diretor, que organiza o uso e a ocupação do espaço do município. Se vamos, por exemplo, preservar áreas verdes a fim de garantir melhores condições de vida e saúde para a nossa e as futuras gerações, ou se essas mesmas áreas serão loteadas para a construção de condomínios de luxo para poucos. Certas áreas são de competência das cidades e não dos Estados ou da União. Pense, por exemplo, na educação infantil, na coleta de lixo ou no Plano Diretor antes mencionado. E elas estão diretamente ligadas ao provimento de bem-estar à população local.
A realização de eleições municipais em 2024, com elevada participação dos cidadãos e respeito à pluralidade de ideias e aos resultados das urnas, constitui também um teste importante para a democracia brasileira. Lembremos que em 8 de janeiro de 2023, há pouco mais de um ano, nosso país viveu uma tentativa fracassada de golpe de Estado, um atentado contra a democracia existente, que ainda está sendo investigada e julgada pela Justiça nacional.
2) Alguns pesquisadores apontam que há na sociedade brasileira uma cultura de, se comparado ao poder Executivo, dar menos importância ao Legislativo. Como você avalia esse contexto?
Evidência, talvez, dessa “menor importância”, é que os eleitores e eleitoras têm maior dificuldade de se lembrar em quem votaram para senador, deputado e vereador, do que para para presidente, governador e prefeito. Mas a verdade é que, normativamente falando, o Legislativo, nas suas três esferas, deveria ser o poder mais próximo e acessível à população. É um Poder decisivo, na medida em que estabelece as leis para toda a comunidade. Leis essas que, inclusive, limitam e orientam a ação do Poder Executivo. Além disso, escolher bem os vereadores e as vereadoras de nossa cidade é algo muito importante, pois define políticas públicas a serem realizadas durante os próximos anos.
3) O que é importante avaliar nos candidatos antes de decidir em quem votar?
É uma pergunta boa e difícil. Pensando no modo como o eleitor deveria proceder, poderíamos pensar se há identificação ou não com aquele candidato.
Mas essa ideia de votar em quem se parece comigo, por assim dizer, pode ser um pouco limitada como forma ideal de comportamento eleitoral. Considerando que eu sei que a sociedade brasileira é muito racista, desigual, violenta e excludente socialmente, e eu compreendo, baseado em dados científicos, que esses traços são incompatíveis com o um ideal de democracia, eu darei o meu voto não a candidatos com privilégios históricos como os que eu tive e tenho - de ser homem, branco, cis, heterossexual, de classe média etc. - , mas em candidatos que tenham um compromisso histórico e ideológico com um ideal inclusivo, podendo votar, por exemplo, em um candidato negro, trans, homossexual e pobre, por exemplo.
Além de considerar a semelhança entre si próprio e o candidato e a convergência ideológica entre eles, o eleitor deve buscar conhecer a história desse candidato. São, para resumir, muitas variáveis que todos deveriam considerar ao definir o seu voto.
4) O eleitor pode se sentir frustrado caso o candidato em que tenha votado para vereador, por exemplo, não seja eleito mesmo tendo recebido mais votos que outro candidato eleito. Por que isso acontece? Como funciona o sistema proporcional de votação no Legislativo e por que é importante entendê-lo?
Alguma sensação de frustração diante de uma derrota eleitoral é totalmente natural. O que não se pode admitir é que eleitores e candidatos não aceitem essa derrota ao disputarem as eleições. Como se eu admitisse entrar em uma partida de futebol, mas à medida que vejo que a possibilidade de perder o jogo, eu começo a contestar o juiz, nego o resultado final, etc.
Outra coisa é a frustração decorrente do fato de não compreender adequadamente a complexidade do sistema eleitoral nas eleições proporcionais, isto é, para vereadores, deputados estaduais e federais. Ao contrário de uma eleição majoritária - como é para a Prefeitura e a Presidência da República, por exemplo -, na qual o partido ou candidato mais bem votado levam os cargos em disputa, nas eleições proporcionais estabelece-se uma regra matemática para distribuir os cargos proporcionalmente aos grupos mais bem votados.
Esse sistema eleitoral proporcional conta com uma fórmula matemática para tentar distribuir as vagas entre os candidatos sem desperdício de votos. No Brasil, a regra chama-se quociente eleitoral. Como ele é calculado? Toma-se o número de votos válidos em uma eleição, dividido pelo número de vagas em disputa. Nesses casos, o que se percebe é que as vagas são proporcionalmente distribuídas entre os partidos mais bem votados, até esgotarem as vagas disponíveis. O problema é que ocorre, às vezes, que um candidato seja muito bem votado individualmente, mas o seu partido não conseguiu, considerando os votos de todos os candidatos ligados a ele, atingir o quociente eleitoral. Aí ele pode ter até mais votos do que outro candidato que foi eleito, mas ele não é considerado vencedor porque o partido que ele escolheu se filiar não atingiu o percentual mínimo para eleger alguém. É um problema? Claro que é. Mas qualquer método eleitoral tem seus limites. Por exemplo, o sistema majoritário, usado para a eleição de prefeito e presidente, sequer considera os votos direcionados a candidatos que não foram eleitos.
A despeito dessa limitação ou distorção, o sistema proporcional foi criado a fim de garantir que as diferentes correntes de opinião que existem na sociedade sejam minimamente representadas. Esse sistema pode ser útil para combater desigualdades estruturais que excluem minorias políticas desses espaços e, por conseguinte, do acesso a bens, direitos e oportunidades.
5) O compartilhamento de informações nas redes sociais, muitas delas de falso teor, têm sido um grande desafio para garantir eleições limpas e transparentes já há alguns anos. Como você avalia esse contexto?
De fato, a difusão das redes sociais e dos mecanismos de comunicação digital tornaram a campanha eleitoral mais direta ao eleitor. A disputa não conta mais só com o conjunto de meios de comunicação - jornais e revistas, rádio e televisão -, lida também com canais voltados para um público mais específico, que será bombardeado com mensagens criadas especialmente para eles. Nesse processo, as opiniões prévias do eleitor são cada vez mais reforçadas em bolhas de opinião por mensagens e interação com outras pessoas, selecionadas por um determinado algoritmo, definido pelos proprietários da plataforma digital. Assim, tem-se ainda menos um debate público que integre eleitores e candidatos em torno de questões comuns e que contribua para a formação das preferências dos cidadãos, e mais um sistema de comunicação segmentado e pouco transparente, que tende a consolidar visões prévias - a chamada reverberação de crenças geradas por essas bolhas, chegando a produzir o fenômeno denominado dissonância cognitiva, em que a realidade não é mais capaz de alterar as impressões do eleitor. Todos esses fenômenos são profundamente agravados com o acréscimo das fake news. E, ao falar de fake news, não estamos falando apenas de pessoas comuns e isoladas que, por ignorância ou má-fé, compartilham mensagens mentirosas para seus contatos pessoais. Isso assume uma escala industrial, de mensagens falsas, compradas por empresas, candidatos ou partidos para “converter” ou “reforçar” determinada visão dos eleitores sobre determinado assunto.
6) De que forma o Estado e a sociedade devem lidar com essas ameaças? E o eleitor, como deve agir para não ser enganado?
Não estamos em um contexto fácil para o eleitor nesse cenário, exposto e formado politicamente por meio de redes sociais. Acho que, para além de precauções que cada um deve tomar antes de compartilhar uma informação com seus contatos, precisamos pensar em leis e políticas públicas para lidar com esses problemas coletivamente. Isso é possível e há exemplos disso aqui e em outros países. É preciso entender que as redes sociais e aplicativos de mensagens não são espaços neutros de debate político. Essas plataformas são empresas que organizam seus aplicativos, tendo em vista aumentar o seu próprio lucro e que têm, como qualquer outro ator político em particular, preferências eleitorais também.
Já como sociedade, a imprensa, as organizações sociais e as próprias Universidades têm um papel fundamental para mitigar efeitos das bolhas de opinião, ajudando a promover um debate mais justo e plural entre os candidatos. Tomando os cuidados que lhes são devidos, de imparcialidade e defesa da democracia, as universidades podem contribuir divulgando conteúdos a partir de sua ciência produzida e orientar a sociedade sobre a importância da política, sobre como combater as informações falsas, entre outras ações.
E, de forma individual, o cidadão deve procurar se informar em fontes confiáveis e checar as mensagens recebidas antes de compartilhá-las. Algumas precauções são sugeridas pela própria Justiça Eleitoral, como: ficar atento a títulos chamativos e bombásticos, pois em muitos casos o título não se relaciona ao restante do texto; nunca ler apenas o título de uma matéria; checar se o fato divulgado já foi publicado em outros veículos de comunicação; desconfiar de textos que contenham erros gráficos ou gramaticais; checar se o texto trata-se de uma notícia e não de um artigo de opinião - esses apresentam a opinião do autor e não são imparciais; conferir a data de publicação da notícia, que pode estar descontextualizada e gerar desinformação; checar o link da notícia, se de fato corresponde a um veículo de comunicação verdadeiro; em caso de dúvidas, além de buscar informações em outros jornais, consultar agências e sites de checagem para verificar se há algum desmentido do assunto.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig. Apuração e Matéria: Samara Avelar Revisão: Gláucia Mendes Artes Gráficas: Edër Spuri Revisão de Arte: Samara Avelar Imagem: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - Secretaria de Comunicação e Multimídia (Secom), Abdias Pinheiro, Alejandro Zambrana, Luiz Roberto, Sérgio Augusto