Queixas sobre noites mal dormidas podem incluir desde a restrição de horas de sono, quando o indivíduo tem a percepção de que não dorme a quantidade necessária ou desejada; a privação completa de uma noite de descanso, por motivo inesperado ou não; até a existência de distúrbios, como insônia e apneia obstrutiva. Na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Lavras (FCS/UFLA), o Núcleo de Estudos em Saúde e Sono do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde tem realizado pesquisas que investigam a relação entre qualidade do sono e alimentação.
“Há uma clara relação entre sono e estado nutricional. Estudos mostram, por exemplo, a associação entre dormir menos e ganhar peso; comer tarde e em grandes quantidades com uma piora na qualidade do sono. Nossas pesquisas também procuram demonstrar relações como essas, bem como evidenciar que a nutrição pode desempenhar uma importante função na melhoria de distúrbios de sono e, em alguns casos, pode até resolver o problema”, explica a coordenadora do núcleo, professora Camila Maria de Melo.
Até o momento, o núcleo de estudos já realizou pesquisas com crianças, adultos e idosos, explorando diferentes aspectos que podem intervir na qualidade de vida desses grupos.
A nutrição no combate à apneia
Apesar de desagradáveis, o ronco e a sonolência diurna não são os sinais mais preocupantes da apneia, distúrbio de sono caracterizado pela rápida interrupção da respiração devido ao fechamento das vias aéreas. A doença aumenta o risco de desenvolvimento de cardiopatias - hipertensão, insuficiência e arritmias cardíacas -, diabetes tipo 2, doenças neurovasculares, entre outras. Portanto, diagnosticá-la e tratá-la é fundamental para prevenir outros problemas de saúde.
Com foco no principal fator de risco da apneia - a obesidade -, Camila conduz estudos relacionados à nutrição que contribuem com o tratamento não só da doença, mas também de outras comorbidades associadas ao ganho de peso, como colesterol alto e diabetes.
No primeiro desses estudos, foi aplicado um programa de dieta moderada, durante um mês, a pacientes obesos do sexo masculino diagnosticados com apneia, com idade entre 30 e 55 anos. Os participantes foram distribuídos em grupos, de acordo com a gravidade da doença (moderada, com 15 ou mais paradas respiratórias por hora; e grave, com 30 ou mais paradas).
Os resultados obtidos foram satisfatórios: houve uma redução de cerca de 5% no peso corporal e de até 20% na gravidade da doença. “O estudo evidenciou que, mesmo uma modesta redução do peso corporal, pode ter um efeito considerável sobre a gravidade da doença. Alguns pacientes poderiam até resolver o problema da apneia se continuassem por mais tempo em um programa de perda de peso,” afirma Camila.
Além disso, a redução de peso conduziu a importantes melhoras relacionadas ao metabolismo: houve uma significativa redução da glicemia e dos níveis de insulina. O perfil lipídico também melhorou: houve uma redução significativa dos triglicerídeos e uma redução clinicamente relevante do colesterol total.
Agora, o Núcleo de Estudos em Saúde e Sono está investigando os efeitos sobre a apneia da suplementação com probióticos, microrganismos que, quando ingeridos em quantidades adequadas, trazem benefícios à saúde. “A relação entre a microbiota intestinal, onde atuam esses probióticos, e a apneia vem sendo discutida recentemente na literatura científica. Nosso estudo é um dos primeiros ensaios clínicos com esses pacientes e procura avaliar se a suplementação com probióticos pode reduzir a gravidade da doença e de outras comorbidades associadas”.
Sono e nutrição na terceira idade
Na terceira idade, é comum ocorrer mudanças, como a redução na duração e uma maior fragmentação do sono, com o consequente aumento de despertares durante a noite. Nessa fase da vida, mudanças importantes ocorrem em relação à alimentação, funcionamento do organismo e composição corporal, com o aumento da gordura corporal.
A má qualidade de sono pode exacerbar ainda mais essas mudanças: o sono ruim pode contribuir para o declínio de massa muscular e o acúmulo de gordura corporal, sendo considerado um fator de risco para a fragilidade em idosos, caracterizada como um declínio físico acelerado, que pode provocar a incapacitação.
Essa associação entre qualidade do sono, componentes de fragilidade e composição corporal entre idosos também é investigada pelo Núcleo de Estudos em Saúde do Sono. A dissertação defendida por Flávia Lage, o primeiro trabalho do núcleo a avaliar a interseção entre esses fatores, foi realizada com 141 idosos da comunidade do município de Lavras, com idade maior ou igual a 60 anos, de ambos os sexos.
Em relação ao estado nutricional, o estudo identificou que 51% dos participantes estavam com sobrepeso e 85% apresentavam circunferência da cintura acima do recomendado. No que diz respeito ao sono, 60% dos idosos apresentaram qualidade de sono ruim e 29% foram considerados com sonolência diurna excessiva.
Ao agrupar os participantes em “qualidade de sono bom” e “qualidade de sono ruim”, o estudo identificou a correlação entre qualidade do sono e Índice de Massa Corporal, Circunferência da Cintura, além de diferenças significativas na gordura corporal.
Por sua vez, a fragilidade foi pouco prevalente entre os idosos participantes: 2% foram considerados frágeis e 38% pré-frágeis. De acordo com o estudo, esse baixo percentual pode ser explicado pelo fato de 67% dos participantes serem idosos vinculados à Associação de Aposentados, Pensionistas e Idosos de Lavras (AAPIL), entidade que oferece vários serviços que contribuem para a prevenção do surgimento da fragilidade.
Apesar dessa baixa prevalência, o estudo evidenciou uma correlação significativa, de nível moderado, entre a qualidade de sono e a Escala de Depressão Geriátrica (GDS) usada para identificar um dos componentes da fragilidade: sintomas depressivos. Quando os participantes foram agrupados em qualidade de sono boa e ruim, 82% dos que apresentaram má qualidade do sono também apresentaram risco de depressão, sinalizando a associação entre sono e sintomas depressivos nos idosos.
Sono e alimentação infantil na pandemia
E durante as medidas de distanciamento social adotadas na pandemia de Covid-19, o que ocorreu com as rotinas de sono e alimentação das crianças? O período, marcado por restrições de convívio social que levaram à suspensão das atividades escolares presenciais, foi analisado na dissertação defendida por Fernanda Hermes.
O estudo envolveu crianças de 4 a 10 anos de idade de uma escola pública do município de Lavras. Os dados foram fornecidos pelos pais ou responsáveis em dois momentos: antes das medidas de restrição, presencialmente na escola, e após o distanciamento social, em outubro de 2020, por meio de entrevistas telefônicas. Apenas 37 participantes chegaram ao final das duas etapas.
O principal resultado observado foi o aumento de cerca de duas horas no tempo total de sono das crianças avaliadas (de 8 para 10 horas), em consonância com outros estudos da área que também indicam um acréscimo no tempo total de sono de crianças durante a pandemia.
Apesar disso, a hora de dormir apresentou um atraso de cerca de 40 minutos, e a hora de acordar, de aproximadamente 1,7 horas. Ou seja, houve um aumento do tempo total de sono pela possibilidade de acordar mais tarde.
Nesse estudo, não foram identificadas alterações significativas no consumo alimentar. Observou-se uma redução no número de refeições, possivelmente associada à suspensão da merenda escolar; uma queda pouco significativa no consumo de frutas e derivados do leite e um aumento pouco significativo no consumo de bebidas adoçadas, frituras e guloseimas.
Outro aspecto que chamou atenção na pesquisa foi o agravamento da vulnerabilidade socioeconômica das famílias dos estudantes: quase metade (47,1%) teve a renda afetada na pandemia e 61% relataram estar recebendo auxílio emergencial do governo.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.