Estudo premiado aponta que intervenções para fortalecer a prática de distanciamento social em 10% da população podem influenciar a taxa de adesão geral em até 700%
Você já parou para pensar em como alguém pode influenciar em suas decisões? Por exemplo, no cenário de pandemia devido à Covid-19, o quanto a opinião das pessoas o persuadiu a manter o distanciamento social, ou, o induziu a tomar os devidos cuidados ao sair de casa e fazer o uso correto de máscaras e álcool em gel?
Uma pesquisa, coordenada pelo professor Eric F. de Mello Araújo do Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal de Lavras (ICET /UFLA), aponta que as pessoas que estão à nossa volta e as campanhas publicitárias têm um papel fundamental em nossas tomadas de decisão quanto aos cuidados com a saúde e a adesão ao distanciamento social. Trata-se de um modelo de contágio social que leva em consideração as nossas relações na formação de nossas ideias e comportamentos. O estudo se baseia na neurociência e na psicologia social para mostrar como as intervenções para fortalecer a prática de distanciamento social podem influenciar a opinião pública positivamente na adesão dessas medidas..
Premiado como o melhor trabalho na nona edição do Brazilian Workshop on Social Network Analysis and Mining (BraSNAM), que ocorreu entre os dias 19 e 20 de novembro, o estudo intitulado “Disconnecting for the good: A network-oriented model for social contagion of opinions and social network interventions to increase adherence to social distancing” (Desconectando para o bem: um modelo de rede orientada pelo contágio social de opiniões e intervenções em redes sociais para aumentar a adesão ao distanciamento social) foi apresentado on-line no quadragésimo Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (CSBC).
O estudo mostra como o processo de contágio social se dá a partir de três fatores: o quanto uma pessoa está aberta a mudanças quando é influenciada por outro, o quão expressivo é um indivíduo sobre as suas opiniões, emoções e o seu comportamento, e qual o grau de relacionamento entre os dois indivíduos que estão interagindo mutuamente.
A pesquisadora e co-autora do artigo premiado Mariza Ferro enfatiza que o estudo demonstra também a relevância das campanhas promovidas pelas agências públicas de saúde no convencimento da seriedade da doença e da importância de seguir os protocolos adequados para conter o avanço do vírus.
Modelagem de contágio da COVID-19 em contextos de desigualdade social
Também faz parte dos estudos desenvolvidos em modelagem computacional de contágio social o trabalho que simulou a disseminação da pandemia na região de Copacabana e no complexo Pavão-Pavãozinho no Rio de Janeiro (RJ). Nesse outro trabalho, fez-se o uso de dados de saneamento básico, distribuição de faixa etária, número de moradores por casa, entre outros fatores considerados relevantes para a pesquisa. O professor pontua que atualmente, a equipe está desenvolvendo, sob sua coordenação, um estudo sobre o retorno às aulas em Lavras e o impacto que isso poderá causar na sociedade lavrense.
“O estudo no complexo Pavão-Pavãozinho é um estudo que atende às características daquela comunidade. Apesar disso, é possível transpor os estudos para qualquer outra região a partir da inserção das informações de cada comunidade. Além disso, há esforços no sentido de aprimorar os resultados obtidos ao atender outras características que devem ser levadas em consideração no modelo”, destaca.
Os estudos vêm sendo realizados em parceria com a professora Mariza Ferro, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), com a participação dos estudantes de mestrado Vinícius P. Klôh e Gabrieli D. Silva. Conta ainda com a participação do professor Cristiano Barros de Melo da Universidade de Brasília (UnB), professor José Roberto Pinho de Andrade Lima da Escola Superior de Guerra (ESG) e o doutorando Ernesto Rademaker Martins do Instituto Militar de Engenharia (IME).
Tomadas de decisão durante a pandemia
O professor Eric explica que esse tipo de estudo pode ser utilizado por autoridades para a tomada de decisão em relação à distribuição de recursos hospitalares. Além disso, em modelos como esse, é possível simular intervenções diferentes para definir quais estratégias seriam mais eficazes no controle da disseminação da doença e no retorno das atividades.
O estudo analisou como seria o desenvolvimento da epidemia em cinco cenários:
1 - Sem intervenção alguma e sem distanciamento social considerando a comunidade do complexo Pavão-Pavãozinho e do bairro de Copacabana;
2 - Sem intervenção alguma, mas em uma população homogênea;
3 - Isolamento apenas dos idosos (acima de 60 anos) e jovens (abaixo dos 18 anos);
4 - Rodízio baseado na data de nascimento em dias pares e ímpares;
5 - Lockdown com apenas 5% da população saindo às ruas.
O professor afirma que “o cenário 4, com rodízio, apresentou resultados excelentes para o sistema de saúde, não gerando falta de UTIs, mas a duração da infecção foi a mais longa de todos os cenários, com 134 dias de duração. O cenário 5, mais drástico, põe fim à epidemia em 38 dias, porém parece impraticável diante dos índices de isolamento das cidades brasileiras atualmente. Fatores como comorbidades, habitantes por domicílio e quantidade de contatos diários certamente afetam o processo de difusão da doença”, pontua.
O pesquisador acrescenta que outras simulações em andamento envolvem casos com porcentagens diferentes da população aderindo ao distanciamento social e se mantendo em casa, cenários de rodízio por meio do número do CPF, e isolamento apenas dos idosos.
Saiba mais sobre o estudo
Os estudos feitos foram uma iniciativa do capitão de Mar e Guerra da Marinha, e hoje subchefe de coordenação de Logística e Mobilização, Ernesto Rademaker Martins, que mobilizou a equipe no início da pandemia com o intuito de compreender o cenário pandêmico em que estamos inseridos, e assim, criar estratégias de combate. “O grupo formado teve como finalidade desenvolver pesquisa e aplicações de sistemas multiagentes para simular cenários de desenvolvimento da pandemia da Covid-19 assim que os primeiros casos graves surgiram no Brasil. A equipe conta com especialista em infectologista, logística e controle de doenças infecciosas em aeroportos, computação de alto desempenho e modelagem computacional de fenômenos de contágio social”, destaca o professor Eric.
O pesquisador completa que os trabalhos abrangem constante leitura dos relatórios e boletins de notificação da situação em vários locais no Brasil e no mundo, pesquisas relacionadas com o nível de infectividade, virulência, letalidade e outros parâmetros importantes relacionados ao coronavírus. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de outras pesquisas relacionadas com as comunidades estudadas também foram utilizados no desenvolvimento dos modelos.
O uso de simulações baseadas em agentes se diferenciam das estratégias puramente estatísticas, na medida que permitem inserir características individuais que geram fenômenos sociais a partir da interação entre esses agentes considerando a heterogeneidade da população. “Os cenários de comunidades se mostraram bastante preocupantes, tendo em vista que as comorbidades presentes nesses ambientes, bem como o contato com um maior número de pessoas acelera o espalhamento do vírus nesses complexos e coloca em risco a vida de muitos”, explica.
Além disso, segundo o professor, "os dados de UTIs foram coletados do DataSUS, e os resultados se mostraram bastante preocupantes. O bairro de Copacabana também apresentou uma alta taxa de hospitalização, tendo em vista ser um dos com maior faixa etária do Brasil. Como é sabido, idosos tendem a desenvolver quadros mais graves da doença, e portanto devem ter maior cuidado no distanciamento social”, enfatiza.
Veja o video do professor Eric F. de Mello Araújo apresentado ao BraSNAM:
Texto: Greicielle Santos - Licenciada em Letras, bolsista Comunicação/UFLA
Com informações do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)