Foi publicado recentemente, na revista internacional Research, Society and Development, um estudo que analisou plantas medicinais frequentemente adquiridas para tratar a diabetes. Os resultados mostraram que a maioria dos produtos analisados descumpre as exigências de qualidade. O artigo intitulado “Evaluation of the quality of commercial plant drugs with antidiabetic indications” (“Avaliação da qualidade de drogas vegetais comerciais com indicação antidiabética” foi publicado em julho e é resultado do trabalho de um grupo de pesquisadoras da Universidade Federal de Lavras (UFLA), que decidiram observar de perto a qualidade de diferentes plantas antidiabéticas disponíveis no mercado.

A diabetes mellitus é uma doença crônica que causa a elevação da glicose no sangue devido à falha na ação ou ausência do hormônio insulina, produzido no pâncreas. Estima-se que, atualmente, existam mais de 13 milhões de brasileiros convivendo com a doença. Para auxiliar no tratamento, muitos diabéticos utilizam plantas medicinais.

Entretanto, efeitos indesejados relacionados ao uso de plantas medicinais têm sido frequentes, o que pode ser impulsionado pela baixa qualidade de produtos comercializados. Por isso, considerando o vasto uso dessas plantas por pessoas diabéticas, as pesquisadoras decidiram analisar aspectos como a aparência, a cor, o cheiro, os rótulos e as embalagens de diferentes plantas que são vendidas para o controle da diabetes, observando, ainda, se essas plantas possuíam materiais estranhos misturados a elas.

Para a realização da pesquisa, a equipe analisou plantas conhecidas como cavalinha, jambolão e pata-de-vaca, vendidas a granel. Essas plantas são conhecidas popularmente para tratar diabetes e constam na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde (Renisus). Além das análises de laboratório em busca de materiais estranhos, um grupo de dez avaliadores conhecedores da área observaram essas amostras adquiridas e responderam a um questionário elaborado pelas pesquisadoras.

Ao final, os avaliadores constataram que existia muita variação nos parâmetros avaliados quando comparadas as amostras compradas e uma amostra de referência da mesma espécie da planta analisada. Os resultados demonstraram, ainda, que nenhuma amostra apresentou conformidade em relação à disponibilização de informações técnicas nas embalagens, e que mais de 60% foram reprovadas pelos avaliadores no exame visual e de odor. Além disso, diversos materiais estranhos foram encontrados misturados às plantas medicinais analisadas. Foi possível observar, por exemplo, a presença de partes de outras plantas e de insetos em meio às amostras.

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As plantas medicinais são utilizadas há séculos para o tratamento de doenças. Hoje, essa prática ainda é bastante utilizada por aqueles que as consideram mais saudáveis e menos tóxicas, já que elas aparentemente causam menos efeitos colaterais do que os medicamentos sintéticos receitados pelos profissionais da saúde. Contudo, apesar de parecerem inofensivos, produtos à base de plantas podem causar efeitos indesejados ou até mesmo tóxicos aos consumidores, principalmente se houver adulteração, contaminação, identificação errada da planta ou falta de padronização nos processos desde a coleta até a comercialização. A situação é ainda mais agravada pelo uso sem nenhuma orientação qualificada.

Uma das participantes da pesquisa, a professora Aline Carvalho Pereira do Programa de Pós-Graduação em Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares (PPGPMAC) da UFLA, alerta que os consumidores devem estar cientes de que produtos de origem natural podem, sim, oferecer riscos à saúde. “Esses riscos podem ser minimizados por meio da orientação de uso fornecida por profissionais de saúde e por meio da garantia da qualidade dos produtos comercializados. Infelizmente, o uso de produtos de origem vegetal é indiscriminado e não há um sistema eficiente de controle de qualidade, o que coloca em risco a saúde dos consumidores.”

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por regulamentar esses processos.

Mais sobre a pesquisa

As plantas utilizadas na pesquisa foram compradas em farmácias e em lojas de produtos naturais dos municípios de Lavras, em Minas Gerais, e de Ribeirão Preto, em São Paulo. Para garantir uma maior variedade de opções e de resultados, as pesquisadoras optaram por comprar amostras de cada planta de diferentes fornecedores.

Para a análise das embalagens e dos rótulos, as pesquisadoras se basearam nas regulamentações da Anvisa. A RDC 26/2014, modificada pela RDC 66/2014, estabelece diversas informações que devem constar na bula e na embalagem desses produtos. No entanto, a maioria das amostras analisadas não continha informações sobre o modo de usar e nem advertências quanto à dosagem ou ao menos sobre a composição.

Além disso, as pesquisadoras utilizaram a sexta edição da Farmacopeia Brasileira para a orientação do procedimento de determinação de material estranho nas amostras e para a elaboração do questionário utilizado na avaliação sensorial. A Farmacopeia Brasileira é a responsável por definir os requisitos de qualidade de drogas vegetais e de outras formas farmacêuticas utilizadas na saúde no País. Entende-se por drogas vegetais a parte desidratada da planta empregada para fins medicinais.

Dessa forma, para a avaliação, as pesquisadoras elaboraram um questionário que possuía quatorze questões. A maioria das perguntas era relacionada à avaliação de características como forma, tamanho, cor, superfície, textura, consistência e odor, além de uma delas solicitar a opinião do avaliador sobre cada amostra analisada em relação à amostra de referência de cada espécie.

No dia da avaliação sensorial, após orientações gerais, o questionário foi aplicado ao grupo de avaliadores. Aproximadamente três gramas de cada amostra, livre de impurezas, foram analisadas. A avaliação foi realizada durante o dia e os avaliadores utilizaram lupas e réguas.

Para avaliar a presença de material estranho, todas as amostras foram espalhadas em finas camadas sobre uma bandeja de superfície lisa. As impurezas encontradas foram separadas manualmente, a olho nu e com o auxílio de uma lupa. Dessa forma, foi possível observar a presença de diversos tipos de impurezas, o que está em desacordo com as exigências da Farmacopeia Brasileira e da atual legislação.

Os resultados indicam que as normas de controle de qualidade para plantas medicinais estabelecidas pela Anvisa não foram cumpridas, comprometendo, portanto, a qualidade do produto e colocando em risco a saúde do consumidor.

A equipe de pesquisa

A pesquisa foi totalmente realizada por membros do PPGPMAC. Além da professora Aline, o experimento contou com a participação da professora Suzan Kelly Vilela Bertolucci e das mestrandas Nathieli Tamires Hollupi e Thalita Gonelli, todas também autoras do artigo publicado pela Research, Society and Development.

A pesquisa ainda contou com auxílio financeiro e com bolsas resultantes do apoio fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Texto: Claudinei Rezende, bolsista Pibec.

Revisão: Ana Eliza Alvim.

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