As pessoas vivem em busca da felicidade. Na literatura, na música, nas artes plásticas, muitas vezes o sentimento é retratado como um estado de plenitude alcançado com base em conquistas externas: um grande amor, o emprego ou a viagem dos sonhos. Mas qual é o caminho da felicidade? Será possível viver “feliz para sempre”?
Conversamos com a professora da Faculdade de Ciências da Saúde da UFLA e responsável pela disciplina optativa “Felicidade”, Kátia Poles, sobre como a ciência pode indicar fatores que se relacionam à felicidade e contribuir para a busca e percepção desse estado de bem-estar.
1. A ciência é capaz de explicar a felicidade?
Felicidade é um tema atual e, ao mesmo tempo, muito antigo. Há mais de dois mil anos, o filósofo grego Aristóteles entendia o caminho da felicidade como o encontro entre o vivido, o pensado e o sentido; quando a pessoa sente a coerência existencial, base imperativa para uma vida que vale a pena ser vivida.
Desde então, diversas áreas passaram a tratar sobre o assunto, como filosofia, sociologia, psicologia e neurociência. Mas somente em 2000, com os trabalhos de Martin Seligman, foi criada dentro da psicologia uma área do conhecimento dedicada ao estudo e à produção de conhecimentos acerca da felicidade ou bem-estar subjetivo: a Psicologia Positiva.
De acordo com a ciência atual, o caminho para a felicidade ou bem-estar subjetivo estaria em: vivenciar mais emoções positivas do que negativas (numa proporção de 3:1); ter engajamento, realizar atividades desafiadoras de acordo com as habilidades individuais; manter relacionamentos de qualidade com pessoas significativas; criar e fazer a vida ter sentido, de modo que valha a pena ser vivida; ter objetivos na vida, sejam pequenos ou grandes, e fazer esforços para alcançar sua realização.
2. Uma pessoa nasce predisposta à felicidade ou é possível aprender a ser feliz?
De acordo com Sonja Lyubomirsky, pesquisadora e professora de psicologia da Universidade da Califórnia (EUA), a felicidade é 50% determinada por fatores genéticos, ou seja, intervimos muito pouco nesses fatores; 10% determinada pelas circunstâncias ou pelo meio externo, também difíceis de serem controlados; e 40% determinada pelo estado interno da mente – nisso podemos intervir com mais possibilidades de êxito. Nessa perspectiva, há sim uma predisposição genética para a felicidade, mas também podemos construí-la ao longo da nossa existência.
3. Como o entendimento sobre a temporalidade contribui para a vivência da felicidade?
Uma das questões mais discutidas na ciência da felicidade atualmente diz respeito a viver no presente, ou seja, no único tempo concreto que temos. Observo que muitas pessoas vivem em função de uma felicidade que ainda não chegou ou daquela que já se foi. Motivam comentários como: “Quando eu me formar, serei feliz”; “Quando comprar minha casa própria, serei feliz”; “Quando conseguir o trabalho dos meus sonhos, serei feliz” ou, ainda, “Eu era feliz e não sabia...”. Viver em função de passado ou futuro é quase uma sentença à infelicidade, pois, conforme nos lembram os estoicos, só é possível experimentar a satisfação com a vida no único tempo real que possuímos: o momento presente.
4. Mesmo buscando a felicidade, a pessoa está sujeita a adversidades que surgem ao longo da vida. Como passar por esses momentos da melhor maneira?
Felicidade não é ausência de tristeza, pois a dor e o sofrimento fazem parte da experiência humana. A questão é como enfrentar as adversidades impostas pela vida e, nesse aspecto, a Psicologia Positiva nos convida a pensar sobre o conceito de resiliência. Isto é, a capacidade de superar as adversidades da vida, transformando experiências negativas em aprendizado e oportunidade de crescimento. Quando passamos por uma perda e vivenciamos o processo de luto, por exemplo, essa experiência nos fortalece para enfrentarmos outras perdas que acontecerão ao longo da vida.
5. As relações humanas impactam de forma significativa a vida de um indivíduo, pois nem sempre as pessoas correspondem às suas expectativas. Como a relação com o outro pode ser trabalhada para que se viva melhor?
Somos seres sociais e absolutamente dependentes do outro desde que nascemos. Vivemos em sociedade, precisamos e devemos aprender a nos relacionar de maneira mais positiva com aqueles do nosso convívio. Um dos principais aspectos sobre relacionamentos é considerar que a vida é um eco: se você não está gostando do som que está recebendo, observe aquilo que está emitindo. Isso quer dizer que o outro funciona como espelho. Se emito amor, carinho, gentileza ou compaixão, a tendência é receber isso tudo de volta. Mas, se eu sou ríspida, dura ou impaciente, eu também tendo a receber de volta.
6. De que forma as interações virtuais podem impactar na saúde mental das pessoas? É possível utilizar as redes sociais de forma saudável?
No mundo ultraconectado, as pessoas se sentem juntas, mas de fato estão sozinhas. A questão é que entram na fantasia de que, por terem um celular nas mãos, não precisam de mais ninguém. No “mundo líquido” de Zygmunt Bauman, se me permitem o trocadilho, as relações humanas estão indo, cada vez mais, por água abaixo. Ou talvez o mundo líquido esteja “evaporando”.
Por outro lado, não se pode frear o progresso tecnológico. Penso que precisamos criar uma espécie de sistema imune para a mente, com o qual possamos absorver o mundo que nos cerca sem nos deixar “contaminar” por ele. E aí eu te pergunto: a internet tem sido remédio ou veneno para você? Como ensinou Paracelso: “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”.
8. Contextos de isolamento e medo, como os vividos durante a pandemia de Covid-19, têm grande impacto na saúde mental das pessoas. O que deve ser priorizado nesses momentos?
Acredito que o mais importante é vivermos um dia de cada vez. Aproveitar e saborear o que está acontecendo enquanto está acontecendo. Pode nos ajudar é termos em mente que não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, as dificuldades ficam mais leves e suportáveis e os momentos de alegria são vividos com mais inteireza.
O isolamento social nos proporcionou oportunidade de olharmos para dentro e nos conhecermos melhor. Trilhar o caminho do autoconhecimento é algo extremamente libertador, pois a partir dele podemos fazer escolhas mais acertadas na vida.
9. Como saber se a ausência de felicidade é momentânea ou requer ajuda de um profissional de saúde mental?
Como vimos, a tristeza faz parte da experiência humana. Se você perde alguém que amava, um trabalho ou qualquer outra “coisa”, você fica triste, é claro. Alguns dias mais, outros menos. Com o tempo, a tristeza vai dando lugar à saudade, a rotina ganha um novo delineamento e a vida vai sendo retomada. Na depressão, por exemplo, isso não ocorre. A tristeza parece não ter fim e, nessa situação, é necessário contar com a ajuda de um profissional de saúde mental.
10. Quais ações/práticas de autocuidado são possíveis serem praticadas no cotidiano para vivenciar a felicidade?
Entre as atividades de autocuidado que contribuem para saúde (física e mental) e, consequentemente, para a felicidade, destaco algumas consagradas pela ciência: praticar regularmente atividades físicas; ter sono de qualidade e em quantidade suficiente; tomar sol; alimentar-se bem, dando preferência aos alimentos in natura e evitando os processados e ultraprocessados; hidratar-se adequadamente; ter contato com a natureza e desacelerar!
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.