Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) revelou que as folhas de café, um subproduto muitas vezes descartado, podem ser usadas de forma medicinal. O estudo comprova que essas folhas possuem o composto Levodopa (ou L-DOPA), fármaco utilizado no tratamento da doença de Parkinson, um distúrbio neurodegenerativo que afeta o sistema nervoso.

Os pesquisadores ressaltam que vários outros compostos de importância medicinal também foram previamente observados nessas folhagens e que, com futuros estudos aprimorados, será possível uma compreensão mais profunda de todas as potenciais aplicações das folhas de café na medicina.

O principal pesquisador do estudo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal (PPGFV/UFLA), Thales Henrique Cherubino Ribeiro, fala sobre as suas expectativas. “Esperamos que essa pesquisa abra caminho para a utilização dessas folhas com importantes usos medicinais. Dessa forma, muitos brasileiros que dependem do cultivo do café podem ser beneficiados pela colheita não só dos frutos, mas também das folhas dessa valiosa espécie agronômica.”

Os trabalhos científicos desempenham um papel crucial no avanço do conhecimento, contudo, “muitas vezes requerem tempo para se traduzirem em benefícios tangíveis para a sociedade. No entanto, no contexto da nossa pesquisa, esse processo é mais acessível: em regiões onde o cultivo tradicional do café é uma prática comum, as comunidades locais têm o hábito de preparar e consumir o chá feito a partir das folhas dessa planta. Portanto, enfatizamos a recomendação do chá de folhas de café como uma fonte inestimável de nutrientes, desde que medidas fitossanitárias adequadas tenham sido tomadas para garantir que as folhas estejam livres de eventuais agrotóxicos”, ressalta Thales.

Mais sobre o estudo

A pesquisa analisou os “caminhos” metabólicos das folhas de duas espécies de café: Coffea arabica e Coffea canephora. Em ambas, foram identificadas enzimas importantes, como a Polifenoloxidase (PPO) e a DOPA descarboxilase (DDC), que produzem L-DOPA.

Para ajudar na compreensão das análises, Thales faz uma comparação. “Pense na planta de café como se ela fosse um carro. Em um carro popular, existem, aproximadamente, 28 mil peças que devem funcionar em harmonia para que o carro desempenhe a sua função. No pé de café, existem, aproximadamente, 50 mil genes, ou peças, que devem trabalhar em conjunto para que a planta sobreviva e se reproduza. Uma etapa que pode ser aplicada para decifrar o funcionamento de um carro, ou de qualquer máquina, é a engenharia reversa. Basicamente, se adquire um carro já pronto e o desmonta, componente por componente, sistema por sistema, até que todas as informações necessárias estejam organizadas. A primeira etapa da nossa metodologia foi basicamente isso”, explica.

Dessa forma, os pesquisadores, por meio de técnicas de sequenciamento genético, conseguiram desenvolver um modelo de todas as peças (genes) que são necessárias para o funcionamento adequado da folha de café. “Algumas peças são óbvias e outras são ‘secretas’. Nas folhas, a clorofila, por exemplo, pode ser comparada a rodas evidentes que fazem a folha funcionar. Entretanto, outros componentes são completamente desconhecidos. Nosso trabalho foi focar em peças que ninguém tinha suspeitado que existissem em folhas de café. Ao final, foi produzida uma lista com diversos componentes até então desconhecidos que as análises de sequenciamento genético nos indicaram. Entre eles, estava o L-DOPA, no qual focamos.”

A equipe multidisciplinar desenvolveu, ainda, técnicas para provar a existência do L-DOPA nas folhas das duas espécies. Por meio das diversas análises, foi identificada, quantificada e confirmada a presença desse componente.

A publicação e a equipe

A pesquisa resultou no artigo “Engenharia reversa de redes metabólicas indicam a presença de compostos de utilidade médica, como a L-DOPA, em café” (“Metabolic Pathway Reconstruction Indicates the Presence of Important Medicinal Compounds in Coffea Such as L-DOPA”), publicado no periódico científico International Journal of Molecular Sciences em agosto de 2023.

O trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Café (INCT do café).

Além de Thales, compõem também a autoria do artigo o pós-doutorando do PPGFV/UFLA e participante do Laboratório de Fisiologia Molecular de Plantas (LFMP/UFLA) Raphael Ricon de Oliveira; a técnica do setor de Fisiologia Vegetal da UFLA Taís Teixeira das Neves; o pesquisador do INCT do café Wilder Douglas Santiago; a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Agroquímica (PPGAQ/UFLA) e membro do Laboratório Multiusuário de Análises Instrumentais (Labmai/UFLA) Bethânia Leite Mansur; a investigadora principal do Laboratório de Analítica e Eletroanalítica (LAE/UFLA) professora Adelir Aparecida Saczk; o coordenador do INCT do café Mário Lúcio Vilela de Resende; e o investigador principal do LFMP/UFLA professor Antonio Chalfun-Júnior.

 

Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.

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