Já parou para pensar numa situação em que a água em nosso país estivesse acabando, ou em que a quantidade de alimentos disponíveis não atendesse a toda a população e os meios de produção de energia se esgotassem? Como sobreviveríamos? Será que sobreviveríamos?
Água, energia e alimento são gerenciados hoje no Brasil de forma separada, mas eles estão mais conectados do que nós imaginamos. Pesquisadores da UFLA, em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), de Nazaré Paulista - SP, estudam os efeitos que os recursos água, energia e alimento geridos em conjunto podem trazer à sociedade. Para a pesquisa, eles utilizam uma abordagem denominada Nexus, já utilizada em alguns países; porém, no Brasil, é uma ação pioneira e inovadora.
O que é o Nexus?
O Nexus é uma abordagem que considera esses recursos por meio de suas inter-relações, avaliando as suas trocas positivas e negativas. Ela busca entender as dimensões de importância que relacionam a produção de alimento, energia e água. Os pesquisadores do Departamento de Ciência do Solo (DCS) e do Departamento de Administração e Economia (DAE) da UFLA explicam que é preciso entender as dimensões institucionais que influenciam a gestão desses recursos - como, por exemplo, as leis ambientais, as leis de uso do solo e outras normas que os afetam -, além de compreender o papel do Estado, da sociedade civil e de empresas que atuam na gestão desses recursos estratégicos.
“A setorização da gestão de água, produção de alimento e energia vem sendo apontada como não eficiente, por não obter os melhores resultados no uso integrado desses recursos. Ao usar um recurso, podem-se produzir resultados não necessariamente benéficos aos outros. Por exemplo, se há uma grande represa para o abastecimento público e é estabelecida uma política de incentivo à agricultura irrigada para usar aquela água, cria-se um conflito. Setores decidem sobre suas políticas de forma isolada, mas quando elas são implementadas, não necessariamente produzem efeitos positivos para a sociedade”, explica o professor do DAE Rafael E. Chiodi.
O projeto que envolve pesquisadores da UFLA e do IPÊ aplica a abordagem Nexus Água-Energia-Alimento de modo pioneiro, para aprofundar a compreensão de aspectos inter-relacionados à sustentabilidade dos usos dos recursos naturais na área de contribuição dos mananciais do Sistema Cantareira, em Minas Gerais e São Paulo.
Por que o Sistema Cantareira?
O Sistema Cantareira é um dos maiores sistemas de abastecimento do planeta. Por tal importância, sua área de contribuição é prioritária para a conservação do solo e da água, o que induz ações no sentido da promoção do uso sustentável desses recursos naturais. Em 2013/2014, houve uma crise de desabastecimento e a explicação para a situação foi a estiagem. Porém, há muitas questões relacionadas ao ambiente local que afetam a disponibilidade hídrica, como, por exemplo, o uso e a ocupação do solo.
Os pesquisadores apontam que os efeitos climáticos influenciam tal disponibilidade; entretanto, a maneira como o solo é manejado também a afeta diretamente. Com o uso sustentável, a crise poderia ter sido menos severa, pois, com uma melhor recarga de água, não haveria limites tão críticos, apresentando reserva de água no solo e no lençol freático.
“Dentro de uma bacia hidrográfica, a maior parte de sua área, geralmente, vem sendo utilizada com cultivos. A infiltração da água no solo e a recarga do lençol freático podem mudar em função do uso agrícola e do manejo adotado; se há um manejo conservacionista, isso influencia positivamente na recarga. Por outro lado, a ausência de conservação do solo poderá desencadear um processo erosivo na área”, comenta o professor do DCS Junior Cesar Avanzi.
Em 2011, a área de contribuição dos reservatórios estava ocupada predominantemente por atividades resultantes da ação humana, especialmente pastagens e eucaliptos. Esses usos do solo refletem as principais atividades econômicas em pequenas e médias propriedades rurais: a produção de alimento (leite e carne) e de bioenergia (carvão e lenha). Ao mesmo tempo, essas atividades se apresentam críticas para a conservação dos recursos hídricos do sistema, devido ao modo como são manejadas.
“A atividade agrícola pode impactar a produção de água e a própria manutenção desses reservatórios. Se o uso e manejo dos solos no entorno não for conservacionista, poderá haver um prejuízo para o produtor ao afetar o sucesso dos cultivos, pela compactação, intensificação do déficit hídrico e aumento nos sedimentos oriundos de processos erosivos que podem assorear esses reservatórios, diminuindo, assim, a sua vida útil.”, ressalta o professor do DCS Bruno Montoani Silva.
Gestão Sustentável de Recursos Naturais
O projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) terá duração aproximada de três anos e inclui a realização de análises ambientais em campo e laboratório das principais classes de solos ocupadas por pastagens, reflorestamentos com eucalipto e vegetação nativa. Com essas análises, espera-se conhecer como o uso do solo impacta a entrada da água no solo, suas perdas por erosão e o quanto de água fica armazenada no solo e irá contribuir para a recarga do reservatório. A pesquisa inclui, ainda, a análise de documentos legais, a participação em reuniões de conselhos e a realização de entrevistas com gestores públicos, que permitirão compreender como as instituições e os atores sociais influenciam esses diferentes usos do solo regional.
Essa abordagem teórica-metodológica inovadora também coloca em evidência os produtores de bioenergia e de alimento e demonstra que eles são importantes para a
gestão sustentável dos recursos hídricos. É proposta a valorização desses produtores e a construção da governança Nexus água-energia-alimento por meio de um amplo processo participativo, que vai ao encontro do compromisso da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) de reforçar a agricultura e o desenvolvimento sustentável como estratégia a longo prazo, para aumentar a produção e o acesso de todos aos alimentos, ao mesmo tempo em que preserva os recursos naturais.
O IPÊ já trabalha com proprietários rurais da área do Sistema Cantareira, fomentando mudanças de sistemas produtivos, no sentido da maior sustentabilidade alimentar, energética e hídrica. A atuação regional do IPÊ permitirá que os resultados do projeto possam ser aplicados de forma prática.
O objetivo é fazer com que as dimensões ambiental e socioeconômica sejam valorizadas, trazendo equilíbrio de importância entre os setores. Muitas vezes, as questões ambientais acabam se tornando secundárias na perspectiva econômica. O intuito é harmonizar a gestão e, para isso, é preciso refletir de que maneira ocorrerá essa integralização.
Reportagem: Greicielle dos Santos - bolsista Dcom/Fapemig
Edição do vídeo: Rafael de Paiva - estagiário Dcom/UFLA