Acreditava-se que áreas tropicais com grandes florestas continham comida suficiente para a pequena população rural. No entanto, os ribeirinhos que vivem ao longo de alguns rios na Amazônia passam fome, apesar de morarem em uma das áreas mais biodiversas do planeta- é o que revela uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Lancaster University (UK).
Os ribeirinhos vivem em pequenas comunidades espalhadas por milhares de quilômetros ao longo dos sistemas fluviais da Amazônia. Costumam morar longe de centros comerciais, carecem de eletricidade, refrigeração ou capacidade de manter criações domésticas. Portanto, grande parte das calorias, macronutrientes e micronutrientes provem de uma alimentação baseada na pesca.
Daniel Tregidgo (doutor pela UFLA e Lancaster) é o autor principal da pesquisa. Segundo ele “o estudo destaca como a segurança alimentar de comunidades rurais marginalizadas, que vivem em uma área biologicamente rica, depende muito do suprimento estável de vida selvagem. As inundações sazonais trazem uma grave insegurança alimentar entre pessoas dependentes da vida selvagem, interrompendo o fornecimento, apesar de estarem em uma área de grande riqueza natural”.
Os pesquisadores explicam que o rio Purus, afluente do Amazonas que flui em direção a Manaus, sofre uma das maiores variações anuais nos níveis de água do planeta. Quando inunda, grandes áreas de floresta ficam submersas. As populações de peixes se dispersam, tornando-se muito mais difíceis de capturá-las. Nesse período, a população local gasta cerca de três vezes mais tempo na pesca e, mesmo usando diferentes técnicas, incluindo mais anzóis e pescando em habitats diferentes, como florestas rasas inundadas, as capturas de peixes caem bastante, reduzindo em até 73%.
Menor segurança alimentar durante as inundações significa que as famílias são forçadas a ficar sem comida por dias inteiros, pular refeições ou comer porções menores. De acordo com o estudo, a dificuldade de pescar durante as cheias pode explicar parcialmente a desnutrição generalizada entre essas populações, com sérias consequências para a saúde, especialmente quando afeta mulheres grávidas e crianças.
Assim, os ribeirinhos tentam compensar a redução na captura de peixes aumentando o esforço de caça de animais das florestas. O professor da UFLA Paulo Pompeu, também autor do artigo, explica ainda outras implicações potenciais: “Como a bacia amazônica está passando por um boom na construção de hidrelétricas, uma eventual redução dos estoques de peixes, em função do impacto de barramentos, pode levar a um aumento da pressão de caça sobre os animais terrestres”.
Os autores salientam a importância da gestão eficaz dos recursos naturais para garantir que comunidades rurais remotas possam se alimentar na estação chuvosa. O gerenciamento da pesca comercial é particularmente importante. Pesquisa anterior dos autores mostrou que os estoques de peixes podem ser afetados pela demanda das grandes cidades da Amazônia, a até 1.000 km de distância.
O artigo, intitulado “Tough fishing and severe seasonal food insecurity in Amazonian flooded forests” conta ainda com a participação dos professores Jos Barlow, da Lancaster University e UFLA, e Luke Parry, da Lancaster University e Universidade Federal do Pará.