Parece até algo futurístico e distante, mas a nanotecnologia já deixou de ser restrita aos laboratórios para ganhar aplicações práticas em nosso dia a dia. Hoje, tem sido bastante usada em diversos setores da indústria e da tecnologia, além de estudos da física, química, biologia e medicina.
Esse segmento da ciência está ligado à manipulação de elementos já conhecidos da tradicional tabela periódica – como o carbono, o silício, o fósforo, a prata e o ouro – em uma dimensão minúscula, cerca de 1 bilhão de vezes menor que o metro. Nessa escala de tamanho, chamada de escala nanométrica, os átomos se comportam de maneira diferente, podendo apresentar novas propriedades: podem se tornar mais resistentes ou mais maleáveis, passar a conduzir calor e eletricidade, ficar mais reativos, mudar de cor e outros diversos fenômenos.
De acordo com a coordenadora do curso de Engenharia de Materiais e professora do Departamento de Engenharia da UFLA Lívia Elisabeth Vasconcellos de Siqueira Brandão Vaz, quando se reduz o tamanho de um material em uma escala nano, também se reduz o número de átomos presentes nele. “Em um material nanoestruturado, sua superfície de reação torna-se muito maior que seu volume. Assim, as interações átomo a átomo evidenciam-se, tanto entre si quanto com o resto do sistema. Isso é o que possibilita a modificação de suas propriedades”, explica a pesquisadora.
A partir dessa possibilidade, a ciência passou a desenvolver novos produtos, que têm impactado de forma significante na nossa rotina. Desde a fabricação de eletrônicos, como nanodispositivos para celulares, até o desenvolvimento de nanocosméticos e nanomedicamentos. Na indústria alimentícia, por exemplo, a nanotecnologia tem possibilitado o aumento da durabilidade de frutas e verduras na prateleira por meio de películas compostas por nanopartículas, os chamados revestimentos inteligentes. Um exemplo na construção civil seria o estudo e uso de nanofibras para substituição do amianto, antes usado na fabricação de telhas e caixas d'água e que teve sua comercialização proibida em 2017 devido à sua propriedade cancerígena.
Um novo olhar sobre antigos elementos
O primeiro cientista a falar em nanotecnologia foi o físico Richard Feynman, que durante uma palestra em 1959, sugeriu a manipulação de átomos e moléculas como uma maneira de construir novos materiais. Mas, segundo Lívia, a tecnologia tem sido aplicada instintivamente desde os tempos remotos. “Costumo brincar que os vidraceiros da idade média foram os primeiros cientistas de materiais a trabalhar com a nanotecnologia. Se você observar os vitrais coloridos das igrejas europeias medievais, vai perceber uma vivacidade incomum nas cores. Aquilo não é um pigmento ou tinta, mas sim nanopartículas de ouro que ali estavam misturadas. É esse mesmo ouro que conhecemos, da fabricação de joias, mas que em uma escala nanométrica interage com a luz de forma a gerar cores diversas, de acordo com seu tamanho na nanoescala", explica. O que evoluiu, segundo a pesquisadora, foram os instrumentos tecnológicos capazes de enxergar o mundo nano e que possibilitaram a manipulação e o entendimento dos materiais em uma escala tão pequena. Isso possibilitou o entendimento de diversos fenômenos e possibilitou uma diversidade de aplicações tecnológicas.
Inspiração na natureza
Observar a natureza é fundamental quando se quer criar um novo dispositivo, e nela a nanotecnologia tem se inspirado para produzir uma série de produtos. As lagartixas, por exemplo, contam com pelos finíssimos em suas patas que permitem aproximação nanométrica da superfície, o que acarreta em uma grande aderência. Baseada nessa propriedade, já foram desenvolvidas supercolas e adesivos com a nanotecnologia.
Materiais e tecidos impermeáveis funcionam de forma similar às folhas de algumas plantas, como a folha de lótus, que é hidrofóbica - repele a água - devido à sua superfície totalmente nanometrizada. "A nanotecnologia já é encontrada na natureza, não é nada de outro mundo. Só nos faltava descobrir essa dimensão", ressalta Lívia.
Nanotecnologia em favor da saúde
A saúde é uma das áreas em que a nanotecnologia promete maior inovação. Na UFLA, dois projetos no Departamento de Engenharia (DEG) estão sendo desenvolvidos com objetivo de minimizar a proliferação de bactérias no ambiente hospitalar. Além da pesquisadora Lívia, as pesquisas são conduzidas também pelos professores do DEG Daniela Rodrigues Borba Valadão e Rafael Farinassi, e com a participação da mestranda Fernanda Carolina Resende e os graduandos Helena Mara Alves Borges, Matheus Alves Rodrigues e Luiza Freire Oliveira.
As pesquisas envolvem a utilização de nanopartículas de prata, que contém atividade bactericida, para o preparo de um material capaz de revestir madeira e painéis de madeira para serem utilizados na confecção de móveis hospitalares. Os projetos, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), são divididos para o estudo em dois produtos: o primeiro em painéis de madeira como o MDF (Medium Density Fiberboard) - mais comumente utilizado para a fabricação de móveis - e o segundo na madeira bruta, passando por três linhas de teste para verificar tanto a ação antibacteriana das nanopartículas de prata, quando a aderência do revestimento preparado à superfície em madeira. “As nanopartículas de prata já foram trabalhadas, por exemplo, para o desenvolvimento de escovas de dente antibacterianas. Em nossos projetos, o desafio é descobrir de que maneira sintetizar a prata em escala nano para criar um revestimento que funcione como uma barreira contra as bactérias e que tenha adesão suficiente aos painéis de madeira’, explica Lívia.
A pesquisadora conta que a saúde preventiva foi o que motivou os estudos. “Quando uma pessoa está hospitalizada, são tomados uma série de cuidados no ambiente hospitalar para que se reduza o risco de infecção, como o uso de luvas e instrumentos esterilizados. Precisamos pensar de que forma também minimizar a contaminação do ambiente hospitalar propriamente dito, como em mesas e demais móveis que estão naquele ambiente. Queremos saber se as nanopartículas de prata serão capazes de deixar esses móveis livres do risco de potencial contaminação ou se terão capacidade de minimizá-lo.”
As pesquisas estão na fase de síntese das nanopartículas de prata para dar início à manipulação dos revestimentos no segundo semestre de 2018.
Quer saber mais sobre nanotecnologia e outras pesquisas desenvolvidas na UFLA? Acesse aqui a nova revista de jornalismo científico da unidade, a Ciência em Prosa.
Boa leitura!
Reportagem: Samara Avelar, jornalista
Roteiro e edição do vídeo: Ana Carolina Rocha e Rafael de Paiva, estagiários Dcom/UFLA