Por Yuri Lopes Zinn

Professor do Departamento de Ciência do Solo (DCS)


Manter uma atividade contínua de publicação científica tem sido um desafio para vários pesquisadores brasileiros há anos, especialmente desde a crise financeira de 2015-16, quando os recursos aportados por fundações públicas de apoio à pesquisa e desenvolvimento diminuíram sensivelmente. Uma vez que quase todas as atividades envolvidas em pesquisa científica original envolvem custos consideráveis, essa redução do investimento público, aliada à alta competição por recursos em algumas áreas, muito dificultou o financiamento para pesquisadores iniciantes ou aqueles que já passaram do seu máximo de atividade. Como se isso não bastasse, a pandemia de 2020 lançou uma nuvem muito maior de incerteza não só sobre a disponibilidade futura de recursos financeiros, como também sobre a própria atividade de pesquisa e desenvolvimento, seja em laboratórios, seja no campo. Por exemplo, como coletar dados no campo ou instalar experimentos com poucos recursos, em distanciamento social ou lockdown? E se não há geração de dados, como manter a produção constante de publicações científicas, que é um dos principais critérios para a concessão de – é óbvio – mais recursos para pesquisa? Considero que as duas maneiras mais populares de contornar essa situação de penúria, mantendo uma linha consistente de publicação, são as análises matemáticas a partir de compilações de literatura e a cooperação, não necessariamente formal, com outros pesquisadores ou grupos de pesquisa.

Primeiramente, é preciso entender o papel da pesquisa original, com seu potencial e sua limitação. Tais iniciativas são indispensáveis para a geração de conhecimento e, no caso específico de universidades voltadas à pesquisa, ao treinamento e aperfeiçoamento de novos pesquisadores. Contudo, realizar experimentos ou amostragens convencionais, além de demandar recursos financeiros e trabalho de campo ou analítico, tem a limitação inerente de produzir resultados com interpretação restrita a condições experimentais similares, ou mesmo exclusivas, como nos estudos de caso. Assim, a pesquisa original é o tijolo da construção da ciência – fundamental, mas apenas um indivíduo em um grande edifício. Por outro lado, a literatura – nacional ou global – oferece acesso a inúmeros resultados publicados sobre um assunto específico que estão disponíveis com subscrições básicas de bibliotecas, ou em outras bases de dados. Dessa forma, pode-se obter um bom número de informações independentes, e geralmente confiáveis, sobre o efeito de um tratamento em um ou mais indicadores – e chegar a uma conclusão muito mais fundamentada, e muitas vezes inovadora, que merece publicação em separado, e também é considerada como pesquisa original. Embora muitos possam pensar que estamos tratando de revisões convencionais da literatura, que obviamente têm grande valor, na verdade, o modelo mais bem sucedido é o da meta-análise – que oferece a grande vantagem de realizar uma abordagem estatística de dados independentes e chegar a conclusões quantitativas, com margens de erros pré-estabelecidas. O uso de uma base de dados grande também tem a vantagem de permitir a estratificação por diferentes condições experimentais, o que dificilmente ocorre em pesquisas originais. As técnicas estatísticas usadas variam desde simples testes de t a outras altamente especializadas, e já existem milhares de meta-análises publicadas em todas as áreas do conhecimento. Tipicamente, meta-análises recebem maior número de citações do que artigos de pesquisa original e revisões de literatura convencionais.

Meu orientador de doutorado, Dr. Rattan Lal, sempre encarregava seus alunos de fazer uma revisão de literatura sobre seu assunto de tese que, invariavelmente, tornava-se uma publicação preliminar à parte da pesquisa original dos alunos. Eu já tinha um artigo aceito quando iniciei o doutorado e daria continuidade ao assunto, e então propus uma meta-análise sobre como a agricultura afetava os estoques de carbono dos solos do Brasil, um assunto que ganhava muita importância naquele distante ano de 2001. Além de artigos em periódicos indexados, reuni muitas teses não publicadas e resumos de eventos nacionais (sim, isso é aceitável por jornais de alto padrão), por meio de visitas às bibliotecas, uma vez que havia ainda poucas informações na internet. Fiz uma análise estatística muito simples, mas tive a sorte de ser o primeiro a fazer tal esforço sobre esse assunto no Brasil, e o artigo resultante, de 20051, é o meu segundo mais citado até hoje e, o mais importante, abriu uma nova perspectiva para o futuro. Assim, desde que comecei na UFLA em 2009, pude orientar 3 alunos de mestrado a fazer suas próprias meta-análises, todas publicadas como esforços preliminares às suas dissertações2. Acredito que há ainda muito potencial para estudos similares, que envolvem custo zero, nas diferentes áreas do conhecimento abarcadas pela UFLA. Mas isso depende da visão e senso de oportunidade de cada pesquisador em achar algo interessante e que ainda não foi compilado em sua área de atuação.

Outra forma econômica, ou gratuita mesmo, de manter o ritmo de publicação é a associação a outros grupos de pesquisa e a coedição de manuscritos envolvendo autores de duas ou mais instituições. Isso tradicionalmente envolve receber alunos de outras instituições para curtas temporadas em nosso laboratório, e frequentemente não gera custos adicionais, mas pode resultar em parcerias produtivas3. Às vezes, nem mesmo uma associação física é necessária. Ao nos tornarmos membros de uma sociedade científica, às vezes entramos em grupos de discussão e continuamos participando mesmo anos depois de não mais sermos membros daquela sociedade. Em 2013, um membro desses grupos estava solicitando amostras de solos de diferentes locais do mundo para uma pesquisa. Eu ofereci duas amostras de solos, coletadas facilmente no próprio câmpus da UFLA, eles pagaram a remessa aos EUA, e aquilo virou uma pesquisa original com autores de 3 países, publicada em um dos jornais mais influentes da Ciência do Solo, o que foi uma surpresa, pois não esperava isto à época, embora tenha auxiliado na interpretação dos dados.

Outra boa maneira é auxiliar alunos de outras instituições a interpretar seus próprios dados. Às vezes, pós-graduandos de países em desenvolvimento me enviam seus dados e textos para ouvir uma opinião. Esse contato pode durar anos, mas geralmente os ajuda e eles nos agradecem em suas teses, o que por si só já é gratificante. Certa vez, um desses contatos de 3 anos resultou em um artigo publicado sobre solos de Uganda5, algo que dificilmente iria ocorrer de outra forma, istó é, por meio de uma cooperação formal entre instituições. Acho que a regra é: sempre diga sim a alguém que pede ajuda, mesmo do outro lado do mundo, e sem esperar retorno.

Finalmente, uma vez que o pesquisador torna-se mais conhecido pelas meta-análises e parcerias, pode ocorrer a junção das duas: convites para parcerias em meta-análises globais de grande alcance. Isso ocorreu comigo em 2018, ou 13 anos após minha primeira meta-análise. Tipicamente, isso envolve o esforço considerável de compilar dados nacionais ou regionais e coeditar manuscritos com 10 ou mais autores, o que é bem delicado, e nem sempre pode envolver nossos alunos de pós-graduação, o que seria ideal. Mas pode ser a joia da coroa: no meu caso, resultou em 3 6 publicações com grupos formados pelos maiores especialistas do mundo, e esses trabalhos, não por acaso, já são amplamente citados, ou estão nos jornais de maior impacto da minha carreira - e com aquele importante detalhe do custo zero.

 

NOTAS

1 - ZINN, Y. L.; LAL, R.; RESCK, D. Changes in soil organic carbon stocks under agriculture in Brazil. Soil & Tillage Research v. 84, p. 28-40, 2005. http://dx.doi.org/10.1016/j.geoderma.2005.02.010

2 - FIALHO, R.C.; ZINN, Y.L. Changes in soil organic carbon under eucalyptus plantations in Brazil: a comparative analysis. Land Degradation & Development, v. 25, p. 428-437, 2014. http://dx.doi.org/10.1002/ldr.2158

SANTOS, L.L.; LACERDA, J.J.J.; Zinn, Y.L. Partição de substâncias húmicas em solos brasileiros. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 37, p. 955-968, 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832013000400013

ZINN, Y.L.; MARRENJO, G..J.; SILVA, C.A. Soil C:N ratios are unresponsive to land use change in Brazil: A comparative analysis. Agriculture Ecosystems & Environment, v. 255, p. 62-72, 2018. http://dx.doi.org/10.1016/j.agee.2017.12.019

3 - SILVA, L.F., FRUETT, T., ZINN, Y.L., INDA, A.V., NASCIMENTO, P.C. Genesis, morphology and mineralogy of Planosols developed from different parent materials in southern Brazil. Geoderma v. 341, p. 46-58, 2019. http://dx.doi.org/10.1016/j.geoderma.2018.12.010

4 - JAGADAMMA, S.; MAYES, M.; ZINN, Y.L.; GÍSLADÓTTIR, G.; RUSSEL, A. Sorption of organic carbon compounds to the fine fraction of surface and subsurface soils. Geoderma v. 213, p. 79-86, 2014. http://dx.doi.org/10.1016/j.geoderma.2013.07.030

5 - MUSINGUZI, P., EBANYAT, P., TENYWA, J.S., BASAMBA, T.A., TENYWA, M.M., MUBIRU, D.N., ZINN, Y.L. 2015. Soil organic fractions in cultivated and uncultivated Ferralsols in Uganda. Geoderma Regional 4:108-113. http://dx.doi.org/10.1016/j.geodrs.2015.01.003

6 - LEDO, A., SMITH, P., ZERIHUN, A., WHITAKER, J., VICENTE-VICENTE, J.L., QIN, Z., MCNAMARA, N.P., ZINN, Y.L., LLORENTE, M., LIEBIG, M., KUHNERT, M., DONDINI, M., DON, A., DIAZ-PINES, E., DATTA, A., BAKKA, H., AGUILERA, E., HILLIER, J. Changes in soil organic carbon under perennial crops. Global Change Biology v. 26, p. 4158-4168, 2020. http://dx.doi.org/10.1111/gcb.15120

LEDO, A., HILLIER, J., SMITH, P., AGUILERA, E., BLAGODATSKIY, S., BREARLEY, F.Q., DATTA, A., DIAZ-PINES, E., DON, A., DONDINI, M., DUNN, J., FELICIANO, D.M., LIEBIG, M.A., LANG, R., LLORENTE, M., ZINN, Y.L., MCNAMARA, N., OGLE, S., QIN, Z., ROVIRA, P., ROWE, R., VICENTE-VICENTE, J.L., WHITAKER, J., YUE, Q., ZERIHUN, A. A global, empirical, harmonised dataset of soil organic carbon changes under perennial crops. Scientific Data v. 6, p. 1-7, 2019. https://doi.org/10.1038/s41597-019-0062-1

LAL, R., SMITH, P., JUNGKUNST, H.F., MITSCH, W.J.; LEHMANN, J., NAIR, P.K.R., MCBRATNEY, A.B., SÁ, J.C.M., SCHNEIDER, J., ZINN, Y.L.; SKORUPA, A.L.A., ZHANG, H.-L., MINASNY, B., SRINIVASRAO, C., RAVINDRANATH, N.H. The carbon sequestration potential of terrestrial ecosystems. J. Soil & Water Conservation v. 73, p. 145A-152A, 2018. https://doi.org/10.2489/jswc.73.6.145A

 

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