Uma pesquisa da Universidade Federal de Lavras (UFLA) investigou os efeitos ambientais de duas variedades de soja geneticamente modificadas sobre a comunidade de insetos nas suas áreas de cultivo. Realizado no Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Agropecuária (CDCT) da UFLA, localizado a cinco quilômetros de Lavras, o estudo comparou os impactos da cultivar Intacta IPRO, que é resistente a lagartas, a herbicidas e a certos tipos de insetos-praga, com os efeitos da variedade GTS 40-3-2 Round up Ready, resistente apenas a herbicidas. Os resultados indicaram que as variedades não foram danosas a insetos importantes para o controle biológico de pragas e à polinização da soja, como a mosca predadora (Condylostylus spp.) e o besouro angorá (Astylus variegatus).
Em novembro de 2022, foram semeadas no CDCT as duas variedades de soja transgênica em duas áreas de 2.400 m². Ao longo de todo o ciclo da cultura, não foram utilizados insumos para controle de pragas. No início do florescimento e no período em que a soja atingiu sua maturidade, as espécies de insetos presentes nessas áreas de cultivo foram capturadas por meio de 18 armadilhas distribuídas pelas duas plantações, para serem submetidas à análise de índices ecológicos.
Ao longo do experimento, foram capturados 19.324 insetos e identificados no Laboratório de Controle Biológico Conservativo (LabCon), no Departamento de Entomologia da UFLA. Destes, 575 eram insetos parasitoides (microvespas), distribuídos em 46 morfoespécies, além de 8.550 moscas predadoras (Condylostylus spp.), 8.319 tripes (Frankniella schultzei, Frankniella occidentalis e Caliothrips phaseoli) e 1.880 besouros angorás (Astylus variegatus). “Focamos nossas análises na mosca predadora, no besouro angorá e nas pragas tripes. Essa mosca é um predador natural das pragas tripes e esse besouro é um dos insetos polinizadores da soja, sendo ambos insetos benéficos às plantações de soja”, relatou o autor do estudo, o pesquisador Matheus Martins Ferreira.
O estudo identificou que, em ambas as plantações, houve ação da mosca predadora sobre os insetos-pragas tripes. Na plantação com variedade de soja resistente a insetos, essa ação foi maior, enquanto na plantação com sementes GTS 40-3-2 Roundup Ready, a correlação foi um pouco menor. “Isso demonstra que a mosca predadora cumpre a função de controlar a população desses insetos-praga, os tripes. Esse controle biológico de pragas é muito importante, especialmente por se tratar da soja, que é produzida em larga escala e com altas demandas de insumos químicos para o seu controle. As cultivares geneticamente modificadas não prejudicaram esse processo”, assegurou.
Por meio das análises de abundância, foi possível constatar que o besouro angorá mostrou-se mais presente na soja resistente a herbicidas. "Esta diferença pode ter sido influenciada pelo período de floração das cultivares, que é capaz de ter favorecido a colonização dessa soja, a primeira a florescer. Também pode ter ocorrido uma influência da proteína tóxica na alimentação desse inseto polinizador. Estudos em condições de laboratório podem ser realizados no futuro para analisar melhor o comportamento alimentar desse polinizador em cultivares transgênicas e convencionais", afirmou o pesquisador.
A pesquisa também identificou que a plantação com a semente GTS 40-3-2 Round Up Ready expressou maior abundância em relação a parasitoides, apresentando um valor de 342, enquanto a Intacta IPRO apresentou 233. No entanto, as duas culturas não evidenciaram diferenças significativas nos índices de riqueza e nem nos índices de diversidade de parasitoides, sugerindo a não interferência da proteína inseticida da soja na riqueza da biodiversidade de insetos.
Sobre o método de combate a insetos-pragas presente na semente transgênica Intacta IPRO, o pesquisador explicou: “essas ‘toxinas’, na verdade, não são toxinas propriamente ditas, mas sim um gene inserido no material genético da soja através do processo de transgenia. Esse gene vem de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis, que tem efeito inseticida quando ingerida pelos insetos. Através da engenharia genética, esse gene da bactéria é inserido à planta. Quando a folha da soja é atacada por insetos-pragas, como as lagartas desfolhadoras, a planta expressa os efeitos dessa toxina no sistema digestivo do inseto, levando-o à morte”.
Esse trabalho contribui para o levantamento de dados sobre o controle biológico de pragas em lavouras de soja geneticamente modificadas e ajuda a entender os efeitos de cultivares transgênicas em comunidades de insetos. “Os resultados demonstram que a escolha adequada da cultivar geneticamente modificada pode minimizar impactos negativos no meio ambiente e até mesmo favorecer o controle natural de pragas”, afirmou o pesquisador. Essas descobertas destacam a importância de estudos contínuos para avaliar os impactos ambientais de cultivos transgênicos e enfatizam a relevância da pesquisa científica na busca por práticas agrícolas mais sustentáveis.
A pesquisa intitulada “Cultivares de soja geneticamente modificada e seus efeitos sobre a comunidade de insetos” foi desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Entomologia pelo então mestrando Matheus Martins Ferreira, sob orientação do professor Luís Cláudio Paterno Silveira, do Departamento de Entomologia (DEN), e sob co-orientação do professor Bruno Henrique Sardinha de Souza, também do DEN, e do pesquisador Vitor Barrile Tomazella, da Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (Faesb).
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.