O uso de bactérias e fungos no manejo da lavoura é uma prática sustentável que tem se desenvolvido no mundo. Esses microrganismos são pequenos seres vivos que só podemos ver com a ajuda de microscópio. Presentes em uma diversidade de ecossistemas, eles se multiplicam ao encontrarem um meio favorável. O solo é o habitat que contém a maior quantidade e biodiversidade desses microrganismos, que participam de diversos processos, como a decomposição da matéria orgânica, ciclagem de nutrientes e controle biológico. Estima-se que um grama de solo contenha mais de dez mil espécies diferentes de microrganismos.
A ciência que estuda os microrganismos que vivem no solo é a microbiologia do solo. Na UFLA, diversas pesquisas têm sido realizadas abrangendo desde a identificação, descrição, taxonomia, até a aplicação desses microrganismos no campo para aumento da produção de forma sustentável, uma vez que não geram nenhum tipo de poluição. “Atualmente, os trabalhos se concentram em estirpes que são variações de uma mesma espécie bacteriana com genomas (em bactérias, o genoma é composto de um único cromossomo) que poderão ser usados na promoção de crescimento vegetal em culturas de importância econômica, como o feijão-caupi, a soja, o amendoim forrageiro e até mesmo espécies florestais, entre outros. Dessa forma, promovemos a difusão do seu uso na sociedade”, explica a professora Fatima Maria de Souza Moreira, que foi coordenadora do curso de Pós-Graduação em Ciência do Solo de 2011 a 2021.
Uma dessas pesquisas identificou e sequenciou recentemente uma espécie bacteriana do solo batizada de Bradyrhizobium uaiense, em homenagem ao estado de Minas Gerais. “Desde o isolamento dessas estirpes no ano 2000, analisamos aspectos simbióticos, genéticos e fisiológicos delas, por meio de pesquisas que resultaram em teses e dissertações publicadas, e descobrimos, ao sequenciarmos os respectivos genomas em 2016, que se tratava de uma espécie nova, cuja descrição foi publicada na revista Archives of Microbiology (2020), explica a professora.
Em experimentos de campo, publicados em vários artigos, sendo o mais recente (2020) no Soil Science Society of America Journal, a Bradyrhizobium uaiense mostrou-se muito eficiente para promover o crescimento e produção do feijão-caupi, também chamado de feijão-de-corda, uma cultura importante do Nordeste e Norte brasileiro e que está se expandindo para outras regiões brasileiras, incluindo o Centro-Oeste.
Avanços e desafios na Microbiologia
Há pouco mais de 60 anos, a estrutura tridimensional da molécula de DNA foi descoberta por pesquisadores do Reino Unido. Desde então, os avanços possibilitaram o desenvolvimento de pesquisas nas mais diversas áreas, incluindo a de microbiologia. “Hoje já sequenciamos genomas, mas ainda conhecemos muito pouco sobre esses microrganismos, especialmente porque a maioria deles não é cultivável em laboratório”, esclarece a professora Fatima.
A dificuldade de reprodução de algumas espécies de microrganismos do solo para estudo deve-se, segundo a professora, a muitos fatores, entre eles ao fato de essas bactérias crescerem lentamente ou de precisarem da interação com outros organismos. O meio de cultura em placas, no laboratório, é muito simples, se comparado ao solo. “O solo é um meio complexo, heterogêneo e dinâmico, que é difícil de reproduzir em um meio de cultura”, diz a pesquisadora. Felizmente a Bradyrhizobium uaiense é uma espécie fácil de ser cultivada em meios de cultura o que facilita seu uso para inoculação no campo.
Novas pesquisas
A grande biodiversidade do Brasil, principalmente em relação aos microrganismos, ainda será tema de inúmeros trabalhos científicos, uma vez que as pesquisas realizadas proporcionam a criação de coleções de material biológico. No setor de Microbiologia e Processos Biológicos da UFLA, há mais de quatro mil estirpes de bactérias de diferentes gêneros, solos e biomas brasileiros, como da Amazônia e do Cerrado. Esses microrganismos são mantidos em quatro meios. “Todas as nossas estirpes são conservadas liofilizadas no vácuo (desidratadas e sem oxigênio, onde permanecem em hibernação), a -80°C, em água e em meio agarizado (o ágar é uma substância gelatinosa onde são adicionados nutrientes). Isso porque esse material é muito importante para a sociedade. É um alto investimento financeiro e de tempo; essas estirpes permitem uma continuação nos nossos trabalhos, gerando monografias, dissertações e teses”, diz Fatima. As amostras são identificadas por nome e localização geográfica.
Muitas estirpes da coleção da UFLA são consideradas, de acordo com a pesquisadora, como multifuncionais, uma vez que podem realizar vários processos promotores de crescimento vegetal. “A gente trabalha com os microrganismos que podemos cultivar e manipular para fins de promoção de crescimento em vegetais, principalmente leguminosas”, comenta Fatima. No campo da Biologia, uma cepa ou estirpe refere-se à linhagem de uma espécie cujos descendentes possuem semelhanças morfológicas ou fisiológicas.
Para trabalhar com esses microrganismos, é necessária uma autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), comprovando que aquele gênero que será utilizado em vegetais não é um patógeno (ou seja, não oferece riscos à saúde humana e animal) e é necessário provar que foram feitos testes in vitro, em casa de vegetação e no campo, sendo, portanto, um processo longo e muito cuidadoso.
Em alguns países, é possível a comercialização de microrganismos. Já no Brasil, não há uma legislação específica para isso, e muitos desses microrganismos ainda são de uso desconhecido, conforme alerta a docente. “Às vezes, temos um patógeno terrível para os humanos, mas que é um excelente promotor de crescimento vegetal; porém, não podemos inoculá-lo em plantas. Precisamos saber com o que estamos lidando e isso é uma grande responsabilidade”. Fatima explica também que uma mesma espécie de microrganismo pode ser promotora de crescimento para uma cultura, mas não para outra.
As pesquisas com microrganismos do solo fazem parte do projeto “do DNA ao Campo”, que recebe apoio de agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de empresas privadas, por meio de financiamento e concessão de bolsas.