Pesquisas realizadas pelo Núcleo de Pesquisa Biomédica (Nupeb-UFLA) já identificaram sete tipos de variantes em Lavras e cidades vizinhas.
Variantes, DNA, RNA, vacinas, surtos, essas são algumas das palavras que mais ouvidas nos últimos dois anos. Após a descoberta da Covid-19, em dezembro de 2019, identificar e estudar mutações do vírus SARS-CoV-2 tem sido um trabalho realizado por cientistas do mundo todo. Na Universidade Federal de Lavras (UFLA), o Núcleo de Pesquisa Biomédica (Nupeb/UFLA), entre outras pesquisas relacionadas à Covid-19, tem se dedicado à vigilância genômica desde 2021, para identificação de novas variantes circulantes ou daquelas responsáveis por surtos em Lavras e cidades da região .
De acordo com a professora do Departamento de Medicina Joziana Muniz de Paiva Barçante, uma das coordenadoras do Núcleo, saber qual variante está circulando durante um surto, por meio da vigilância genômica, é atualmente a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a tomada de medidas assertivas durante o enfrentamento da Covid-19. “A pandemia da Covid-19 exige monitoramento e acompanhamento dos surtos para evitar o espalhamento do vírus. O sequenciamento viral permite identificar uma variante que ainda circula com potencial de causar surtos, demonstrando que a vigilância genômica é uma ferramenta importantíssima para melhor compreensão da epidemiologia da Covid-19”, explica Joziana.
Em fevereiro e março de 2021, o Nupeb iniciou os trabalhos com as amostras do surto em uma comunidade escolar de Lavras. As análises e os primeiros resultados saíram em maio do mesmo ano, demonstrando que a variante circulante era a P.2, também conhecida como Zeta (do Rio de Janeiro). "Analisamos também os dados de monitoramento de um surto ocorrido em uma Instituição de Longa Permanência para Pessoa Idosa (ILPI) em maio de 2021, onde verificamos que a variante circulante era a B.1.1, uma das primeiras a circular na Europa, logo no início da pandemia", acrescenta o médico José Cherem, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGSA) da UFLA, também integrante da coordenação do Nupeb.
Além da P.2 e da B.1.1 outras cinco variantes do SARS-CoV-2 já foram identificadas pelo Nupeb na microrregião de Lavras: a Gamma (P.1 - de Manaus), a Alpha (B.1.1.7 - do Reino Unido), a B.1.1.28 (identificada no Amazonas) e, mais recentemente, a Delta (B.1.617.2 - da Índia) e a Ômicron (B.1.1.529 - registrada inicialmente na África do Sul). O sequenciamento genético foi realizado a partir de amostras coletadas pela equipe do Nupeb. Segundo os pesquisadores, o projeto de pesquisa, que inclui o sequenciamento genômico, foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade e permite, inclusive, que os pesquisadores façam o sequenciamento de amostras de qualquer lugar do Brasil, desde que haja insumos disponíveis, além da possibilidade de coletas em domicílio. Entre as parcerias firmadas pela equipe do núcleo estão a Fiocruz, Fundação Ezequiel Dias e, atualmente, a Secretaria de Estado de Saúde (SES), que se mostram fundamentais para o sequenciamento de amostras e vigilância genômica.
Os pesquisadores recorrem a diferentes estruturas da UFLA para dar andamento às pesquisas genômicas. “Com os equipamentos que temos instalados nos laboratórios vinculados ao Nupeb, o sequenciamento genômico demora no máximo 48 horas para ser realizado. O professor Victor Pylro, coordenador do Laboratório de Ecologia Microbiana e Bioinformática do Setor de Microbiologia (DBI/ICN) da UFLA, é responsável pela análise genética (sequenciamento propriamente dito) e pelas análises de bioinformática posteriores, necessárias para a identificação das variantes. "Essa análise completa, que envolve desde a obtenção da amostra até a análise de bioinformática, é feita em poucos locais do mundo", destaca Joziana. O Nupeb conta também com o apoio do Laboratório Central de Sementes da UFLA, para realizar um dos passos para o sequenciamento, que envolve a quantificação das amostras por PCR quantitativo (qPCR).
Para selecionar as amostras, os pesquisadores consideram alguns critérios relacionados à pesquisa, como suspeita de alguma variante de interesse ou de preocupação, de acordo com os critérios da OMS; investigação epidemiológica de algum surto ocorrendo e demanda da SES. Outro critério diz respeito à disponibilidade de materiais e insumos para os testes. De acordo com a pesquisadora, não existe uma rotina de testagem, os trabalhos são feitos de acordo com a demanda e a oportunidade. “Temos a capacidade operacional e técnica de processar, sequenciar e fazer a análise genômica e de bioinformática em 48h. Já foram processados 38 genomas e estamos com 65 em andamento”, explica.
A variante Delta, que foi caracterizada no final de 2020 e tornou-se dominante em muitos países em decorrência da sua alta taxa de transmissão, foi identificada em Lavras pelos pesquisadores do Nupeb no dia 6 de setembro de 2021. Em 24 de dezembro, pouco mais de um mês após ter sido identificada na África do Sul, a variante Ômicron, uma nova linhagem do SARS-CoV-2, foi também confirmada em Lavras pelo Nupeb, acendendo o alerta para novos surtos, como o que se registra nesse momento. "A capacidade técnica de identificação precoce da Ômicron localmente foi importante para fornecer ao município e à UFLA um dado essencial para o direcionamento das medidas de vigilância epidemiológica. Já sabíamos, pelo cenário mundial, da maior capacidade de transmissão dessa variante, o que nos permitiu antever o aumento do número de casos que aconteceria na sequência".
Os pesquisadores relatam que o Nupeb tem sido referência para a SES na identificação de variantes por meio da avaliação genômica na região de Lavras. Além disso, os genomas obtidos são publicados em bancos de dados genômicos internacionais, com acesso público, a exemplo do NCBI e do Gisaid, para que sirvam de referência para outros pesquisadores do Brasil e do exterior.
Atualmente, o Nupeb possui pelo menos três projetos de pesquisa em andamento, com foco na Covid-19. O professor Victor Pylro coordena o projeto intitulado "Influência do microbioma nasofaríngeo e da variante viral no processo saúde-doença em indivíduos SARS-CoV-2 positivo", que tem apoio da empresa de biotecnologia ThermoFisher e está vinculado à sua bolsa de Produtividade em Pesquisa recentemente aprovada pelo CNPq. A professora Joziana e o mestrando José Cherem integram a coordenação dos projetos que envolvem a investigação de surtos e a análise dos metadados gerados a partir das pesquisas em campo. O grupo conta ainda com três estagiários de pós-doutoramento com projetos relacionados à Covid-19, quatro dissertações de mestrado em desenvolvimento, uma defendida, além de pelo menos vinte estudantes de graduação envolvidos nas pesquisas. Já foram produzidas ao menos 12 apresentações internacionais, além de apresentações nacionais e duas publicações de artigos na área: "Telemedicina e detecção precoce molecular de Sars-CoV-2 para enfrentar a pandemia de COVID-19" e "Parceria universidade e governo municipal: um modelo de gestão multidisciplinar para o enfrentamento da pandemia de COVID-19".