Ao conciliar arte e ciência, pesquisa realizada por uma estudante graduada no curso de Nutrição da Universidade Federal de Lavras (UFLA) trouxe resultados importantes para idosos de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) no município de Lavras (MG). O estudo avaliou a influência de interações e expressões artísticas na ingestão alimentar e qualidade de vida dos idosos.
Indica-se que houve diferença significativa entre os valores consumidos antes e após as intervenções, tanto com relação aos consumos individuais, quanto aos valores das médias. A elaboração e aplicação da poesia de forma individualizada, baseada nos relatos de vida, mostrou grande eficiência no aumento do consumo alimentar, atingindo 71,85%, na média do cálculo da pesagem direta de alimentos.
A pesquisa realizada por Lauralice Carvalho Eugênio, sob orientação do professor do Departamento de Nutriçao da Faculdade de Ciências da Saúde (DNU/FCS/UFLA) Michel Cardoso de Angelis Pereira, utilizou os relatos históricos da vida dos idosos transformados em poesias. A escrita dos poemas foi realizada por uma cooperação voluntária de dois estudantes da UFLA: Camila Gonçalves Almeida, atualmente no curso de Educação Física, e Maicon Moreira de Almeida, graduado em Agronomia.
Para aplicar o estudo, foram avaliadas as fichas de registro de todos os idosos residentes na Instituição a fim de delimitar o número de participantes pelo nível de comprometimento cognitivo. No total, 13 indivíduos estavam aptos a participar da pesquisa. “Indivíduos com graus elevados de comprometimento cognitivo, tanto no que diz respeito à memória quanto à capacidade de comunicação e entendimento, poderiam não conseguir atender aos requisitos básicos da pesquisa”, explica a estudante Lauralice.
Após a aplicação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), teste utilizado para avaliar a função cognitiva, foi avaliado o consumo de cada voluntário da pesquisa, por meio do método de pesagem direta, por um período de três dias, sendo dois dias úteis e um dia do final de semana.
Para a escrita das poesias foi realizado o registro da história de vida dos idosos com base em suas memórias pessoais. A entrevista perpassou pela infância e adolescência; inserção no mercado de trabalho; vida adulta e condições de trabalho; vínculos afetivos; a institucionalização; o sentimento de ser cuidado na instituição; envelhecimento em si; alimentação e felicidade pessoal.
“O instrumento utilizado foi um roteiro para entrevista individual enfatizando fatos marcantes da vida deles. Realizou-se um diálogo harmônico com os participantes, de modo que lhes fossem especificados os temas gerais que circundaria a conversa”, destaca Lauralice.
Os dados obtidos foram transformados em poesias a fim de aflorar as emoções dos idosos, “levando-os a um estado em que poderiam visualizar a sua importância como pessoa e a riqueza de suas histórias de vida. Foi abordado, também, nessas composições a importância da interação social dentro das instituições e o incentivo à participação em atividades desenvolvidas nesse ambiente”, complementa Lauralice.
As apresentações artísticas foram realizadas duas horas antes da refeição dos idosos. Tanto a recitação das poesias quanto a apresentação das músicas ocorreram de forma individualizada. Foram utilizadas músicas de compositores e/ou intérpretes brasileiros sugeridas pelos próprios idosos.
Após a conclusão das apresentações foi realizada uma segunda avaliação do consumo alimentar dos idosos. Atentou-se para que não houvesse alterações no cardápio. Assim sendo, as pesagens iniciais e finais dizem respeito ao mesmo tipo de alimento.
Mais resultados
A melhora nos quadros psicológicos dos idosos envolvidos foi bastante perceptível, bem como a influência do bem estar gerado pelas poesias, pelo diálogo e pelas músicas. No início da aplicação das atividades, era visível o isolamento de muitos dos idosos participantes. Ao longo da intervenção, notou-se a criação de vínculos afetivos, tanto entre os participantes da pesquisa quanto entre indivíduos que não participaram, mas que, por curiosidade, acabaram se aproximando para indagar sobre aquela atividade. “Muitos que ficavam a maior parte do tempo em seus quartos, sentados sozinhos na varanda, ou vendo TV, passaram a se reunir em grupos e dialogar”, explica Lauralice.
O orientador da pesquisa, professor Michel Cardoso de Angelis Pereira, destaca que "há um grupo que trabalha com essas temáticas de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) em concomitância com artes, em especial poesias, além de outros estudos que envolvam EAN e espiritualidade nos projetos de pesquisa e extensão".
Motivação
Desde a infância, Lauralice teve uma ligação com as artes, sempre gostou de escrever, principalmente poesias e músicas. “Por meio da música, eu acalentava minha avó, a quem tive a honra de cuidar nos anos finais de sua vida, quando ela se sentia indisposta, ansiosa ou triste. Ao longo da graduação, a arte sempre esteve presente e influente, bem como meu amor pelos idosos e o direcionamento para a Educação Alimentar e Nutricional e também o Comportamento Alimentar”, diz.
Lauralice acredita que “o idoso, estando debilitado pela idade e/ou por doenças, pode tornar-se emocionalmente instável e apresentar quadros de tristeza, insatisfação, frustração, solidão, dentre outros. As artes podem agir como acalentadoras para situações desagradáveis do cotidiano e podem ser aplicadas para amenizar sentimentos de tristeza e até reduzir os sintomas da depressão. Por agirem de maneira estimulante, encontrei nelas o instrumento para aplicar o que aprendi na ciência”.
Toda a pesquisa foi realizada de forma voluntária. “A ausência de qualquer fomento para o desenvolvimento desse tipo de projeto também afeta as possibilidades de maior abrangência, o que demonstra a necessidade de maior investimento em projetos de pesquisa e extensão nesta área'', destaca a pesquisadora.
Leia alguns dos poemas escritos no decorrer do estudo. Os nomes dos participantes foram preservados por questão de ética e respeito à privacidade dos mesmos.
O acalento é um toque que agracia
assim como o vento agracia a copa das árvores
e mesmo que o sol
se coloque entre as nuvens nas tardes,
a vida não faz outra coisa se não amar-te.
No cosmos
não se fala de outra coisa
senão abraçar-te.
A novena dos anjos,
o canto dos arcanjos
embelezam as horas do tempo
e mesmo Deus não é isento
da construção bela que a tua aquarela
fez a você.
O mundo é o que você crê,
o mundo é o que você vê,
o mundo é você.
Tudo é o que,
assim como as flores,
o que, assim como as árvores,
faz crescer.
A evolução maior é o teu sorriso.
É a quentura de seu coração.
É a voz que tua religião
faz cantar em você.
xxxx
A fantasia é um cinema
onde a película é exibida em cores.
O preto e o branco não cabem
no teu grande leque de louvores.
As cenas passam e o tempo não conta.
Apenas os segundos,
daqui pra frente,
são o berço de tua honra.
De que vale a vida senão não ser contada,
nesses versos, a tua glória é entoada.
Não existe escória que tua áurea não ilumine.
Os cordões da viola, que a tua luz afine!
A história é um encanto
onde a voz do teu canto faz a memória
e no roteiro sublime
a tua força é o herdeiro do castelo.
Os acordes do esmero
que tua face aflore.
xxxx
O arco-íris é uma sincronia.
Uma bela fotografia
que deslumbra o peito e nos enche.
E a mesma coisa
é o retrato da vida
sendo os nossos olhos detentores,
da visão, da humanização.
O perdão é a necessidade básica.
É o pão na mesa farta.
É a mistura do arroz e do feijão.
O perdão nada mais é
do que o ponto d'origem
que dá passagem ao amor.
Olha o outro como a você.
Olhe no outro o você.
Se enxergue no outro
enxergue a você.
Não deixe-o vencer
na dor que move o mundo.
Seja profundo em livrar-se do rancor.
Não acredite nas flechas
que tiram sangue da pele do amor.
O amor não tem corpo.
O amor tem sabor.
Onde quer que teu espírito for
saiba sintetizar a dor,
transmutá-la em flor
daquela que paira
sobre os ares do esplendor.