A fala arrastada, caracterizada pelo uso de diminutivos e expressões como “uai”, “trem” e “sô” é associada ao povo de Minas Gerais como um dos traços mais marcantes de sua identidade. Contudo, a realidade linguística do quinto maior estado brasileiro em extensão territorial, delimitado por outras cinco unidades federativas, não é tão simples. O pesquisador Valter Romano, do Departamento de Estudos da Linguagem da UFLA, identifica uma grande variação da fala mineira, sobretudo do ponto de vista lexical.

Em artigo dedicado ao estudo do campo semântico “jogos e diversões infantis”, o pesquisador exemplifica essa riqueza vocabular. À pergunta sobre como se denominam as “coisinhas redondas de vidro com que os meninos gostam de brincar”, os mineiros respondem usando termos muito diversos, como “bolinha de gude”, “bilosca”, “china” e “biroquê”.

A pesquisa baseia-se em dados de dois documentos linguísticos: o Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais (EALMG), da década de 1970, e o Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), cujos primeiros volumes foram publicados em 2014. O método adotado é comparativo e enfoca tanto o tempo aparente, para captar as mudanças linguísticas entre as gerações de uma mesma época, quanto o tempo real, para identificar as mudanças ocorridas entre momentos distintos.

As variações entre gerações são apreendidas a partir dos dados do Projeto ALiB, coletados junto a informantes de duas faixas etárias: de 18 a 30 anos e de 50 a 65 anos. Para a pergunta acima (“como se chamam as coisinhas redondas de vidro com que os meninos gostam de brincar”), são obtidos 15 itens lexicais como resposta (ver quadro abaixo).

Mapa com a variação linguística de Minas Gerais

A variante mais recorrente em ambas as faixas etárias é bola/bolinha de gude. Entretanto, observam-se diferenças entre as duas gerações no que se refere a outras palavras, como bolinha de crica/crique, biroquê e bilisco. Estas ocorrem, exclusivamente, entre informantes com faixa etária entre 50 e 65 anos, mantendo-se preservadas apenas na fala das pessoas mais velhas.

A análise das variações linguísticas entre épocas distintas, realizada a partir da comparação entre os dados do Projeto ALiB e do EALMG, reforça essa tendência. É possível observar, por exemplo, a diminuição da área de abrangência da variante “bolinha de vidro” e o concomitante aumento do uso do termo “bolinha de gude”.

O pesquisador interpreta esses resultados a partir de fenômenos sociolinguísticos, como os movimentos migratórios de entrada e saída do estado, intensificados nas últimas décadas, e a mudança geracional. “É possível, portanto, que um mapeamento futuro não encontre mais essas variantes que persistem na fala de pessoas idosas”, afirma.

Rumo a um novo mapa linguístico

O Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais (EALMIG) foi o primeiro mapeamento linguístico do estado de Minas Gerais, realizado por pesquisadores do ramo da Dialetologia na década de 1970. O documento identificou três regiões dialetais em Minas: um correspondente ao falar abaianado, situado no norte do estado e caracterizado, dentre outros aspectos, pela abertura das vogais "e" e "o" em posição pretônica - que antecede a sílaba tônica -, como nos vocábulos: "p(é)cado" e "c(ó)ração". O segundo corresponde ao falar apaulistado, está presente no Triângulo Mineiro e no sul do estado e tem como principal traço fonético o chamado “r retroflexo”. Por fim, o falar tipicamente mineiro, caracterizado pelo alongamento das vogais, pela nasalização e por uma fala mais pontuada.

Esse mapeamento fonético é considerado válido pelo Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). Entretanto, Romano afirma que nenhuma das variantes linguísticas encontradas em sua pesquisa pode ser considerada típica das três regiões dialetais. “Embora a variante ‘china’ ocorra exclusivamente no noroeste mineiro, o item não está documentado no território baiano. Também não há léxicos exclusivos do falar mineiro, pois variantes como ‘boleba’ e ‘bolinha de gude’ também estão presentes em áreas do Espírito Santo. A palavra ‘bilosca’ poderia indicar e caracterizar uma possível influência de mineiros, sobretudo, no noroeste e oeste do estado de São Paulo, mas também do sudoeste de Goiás.”

O pesquisador da UFLA, que está associado ao Projeto ALiB desde o início de sua trajetória acadêmica, em 2006, esclarece sobre a lacuna identificada: “o ALiB é um atlas nacional. Portanto, não se atém às peculiaridades estaduais. Se observarmos a rede de cidades pesquisadas em Minas Gerais, é possível identificar uma distância entre certos pontos, onde podem existir nuances ainda não mapeadas.”

Com a finalidade de documentar essa diversidade ainda desconhecida academicamente, Romano está iniciando uma pesquisa para a elaboração do Atlas Linguístico do Estado de Minas Gerais (ALEMIG). O trabalho de campo abarcará cidades geograficamente equidistantes de todas as mesorregiões do estado. Na primeira fase, serão consultados 114 informantes de 19 municípios do Sul e Sudoeste de Minas.

A pesquisa será realizada em parceria com a docente Raquel Martins, do DEL, e com o professor Clezio Gonçalves, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Também envolverá alunos de graduação e pós-graduação de ambas as instituições.

 

Gláucia Mendes, jornalista Dcom/UFLA

Edição do Vídeo: Rafael de Paiva, bolsista DCOM/Fapemig. 

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