Com o uso disseminado de smartphones no dia a dia, parece clichê adotar a prática de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Mas nos anos 1960, quando produzir audiovisual custava muito caro no Brasil e predominava o cinema hollywoodiano, o cineasta baiano Glauber Rocha surgiu como um furacão criativo, propondo uma nova linguagem e estética cinematográfica, politizada e reflexiva. Eclodia o Cinema Novo, movimento com a pretensão de se contrapor à existência de “pouco espaço para a reflexão, para pensar o sentido real da vida e o sentido real de se fazer arte”, segundo dizia Rocha. Meio século depois, o Cinema Novo ainda abre perspectivas de construção do pensamento crítico até na formação cultural dos professores, como propõe uma pesquisa do Departamento de Educação (DED) da Universidade Federal de Lavras (UFLA).
O estudo nasceu dos debates de professores e alunos de licenciatura da UFLA durante as mostras cinematográficas semanais do projeto de extensão “Cinema com Vida”, que ocorre desde 2008 na Universidade. “Com alunos das Letras, Educação Física e Pedagogia, fomos descobrindo as potencialidades desse movimento cinematográfico para a formação docente como meio de expressão de comportamento, sentimento e afetos que muitas vezes são reprimidos, na forma como desenvolvemos o trabalho, na relação com os outros e com nós mesmos. Entendemos um novo modo de ver o mundo", conta a professora do DED, Luciana Azevedo Rodrigues.
A pesquisa recupera o pensamento da escola filosófica de Frankfurt. Nela, a modernidade é marcada pela produção do desenraizamento contínuo, ou seja, das mudanças contínuas pelas quais a sociedade passa. "No século XXI, essas mudanças têm sido tão rápidas! Quando algo começa a se construir, logo é demolido por outro em um ciclo interminável. Não conseguimos refletir sobre as transformações de direção, velocidade, pessoas, objetos e sentimentos que vivemos. Essa alienação faz o indivíduo não tomar consciência das experiências de rupturas pelas quais vivem", explica.
Segundo a professora do DED, a descontinuidade também é cada vez mais intensa no trabalho do professor. "Ele começa projetos e não é possível finalizá-los com os mesmos alunos e colegas. Troca de escolas com frequência. Essas mudanças causam angústias. Por isso, o Cinema Novo abre novos caminhos à medida que nos ajuda a refletir sobre essas rupturas e propor novos olhares no trabalho docente", frisa.
Contra a corrente
Do neorrealismo do cinema italiano e da Nouvelle Vague francesa, o Cinema Novo encontrou uma nova linguagem e diversificou o seu estilo baseado na visão crítica e uma estética diferenciada do cinema comercial internacional. Uma das características do cinema são os cortes de imagens. A decoupagem clássica do cinema naturalista dissimula os cortes. "É como se nós precisássemos olhar para a tela e identificá-la como uma janela para o mundo. A ideia é fazer com que não percebamos que se trata de uma produção e tenhamos determinadas emoções impostas. O caráter ideológico faz as pessoas desconhecerem as rupturas vivenciadas e, portanto, o sofrimento que advém dessas rupturas", informa.
Já o Cinema Novo traz à tona a crítica social, a produção autoral e uma perspectiva estética distinta. No Brasil, os cineastas colocaram na tela camponeses, pescadores, moradores de favelas, retirantes nordestinos, malandros, cangaceiros, denunciando a injustiça social e conscientizando o povo para a luta política. "O movimento faz com que a gente passe a pensar imagens de forma reflexiva por meio de técnicas que levam a gente a perceber que se trata de uma leitura da realidade, uma produção e permite que a gente desenvolva releituras", diferencia Luciana Azevedo Rodrigues.
Segundo a orientadora, o estudo é fundamental para o desenvolvimento crítico dos professores e estudantes nas escolas. "No momento politico, social e econômico muito intenso em que vivemos, a ameaça de restrição do debate público imposta na sociedade nos preocupa muito e compremete a formação das pessoas", frisa.
Reportagem: Pollyanna Dias, jornalista- bolsista Dcom/Fapemig
Edição dos Vídeos: Rafael de Paiva - estagiário Dcom/UFLA