Ocupação desordenada e mau uso do solo, uso indiscriminado dos recursos naturais, poluição dos recursos hídricos, cortes indevidos de vegetação nativa, queimadas. Os noticiários quase sempre são pautados por violações ambientais e, muitas vezes, coloca a agricultura – responsável pela produção de alimentos – em situação polarizada à sustentabilidade no campo. Todavia, há que se ressaltar o trabalho silencioso nas universidades e centros de pesquisa, cujos resultados amparam a formalização e manutenção de espaços de conservação e contribuem para a divulgação de que é possível e rentável aliar agricultura e sustentabilidade.
Afinal, bons exemplos são reais e, com o apoio da ciência, têm deixado de ser vistos como uma condição atípica ou utópica. Foi amparado justamente no desafio de aliar a crescente demanda por alimentos com a necessidade premente de conservação dos recursos naturais que a professora Rosângela Tristão Borém iniciou, há cerca de oito anos, um trabalho sistemático de apoio às unidades de uso sustentável, entre elas, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
Esse é o tipo de reserva em área privada, gravada em caráter de perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. Trata-se de um ato voluntário do proprietário, que decide constituir sua propriedade, ou parte dela, em uma RPPN, sem que isto ocasione perda do direito de propriedade.
No Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, órgão responsável por executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, estão registradas 320 Unidades de Conservação federal, que atualmente cobrem cerca de 17% do território nacional. Parte dessas unidades está em áreas privadas, garantindo a conservação de um dado espaço territorial e seus recursos ambientais para as gerações futuras. Apenas na UFLA, os estudos já contribuíram para a criação de uma RPPN (Serra dos Criminosos) e outra está em fase de execução (Mata das Araucárias), além de uma demanda que não para de crescer.
Do ponto de vista acadêmico, as Unidades de Conservação fazem parte de um conteúdo extenso e multidisciplinar que compõe as disciplinas ministradas pela professora Rosângela Borém. Era para se esperar de um currículo que agrega experiências em diferentes áreas do conhecimento: Ecologia de florestas tropicais, planejamento ambiental, avaliação de impactos ambientais, ciência florestal, produção vegetal e educação ambiental. Além do conhecimento técnico, frequentemente apresentado em suas disciplinas para a graduação e pós-graduação, cursos, palestras e treinamentos, também é possível perceber um idealismo ambiental genuíno nas linhas de pesquisa desenvolvidas pela professora.
“ESTAMOS DIANTE DO GIGANTESCO DESAFIO DE CONCILIAR O CRESCIMENTO ECONÔMICO COM UMA NOVA MENTALIDADE ECOLÓGICA”, reconhece.
Conhecer para preservar
Diante da nobre demanda de encontrar soluções tecnológicas para alimentar o mundo ao mesmo tempo em que são conservados seus recursos naturais, uma linha de pesquisa desenvolvida pela equipe da professora Rosângela Borém busca amparar, de forma técnica e holística, a manutenção de espaços de conservação. Afinal, o desejo de ter uma propriedade equilibrada deve ser amparado por um plano de manejo que vislumbre diferentes aspectos: econômico, social, ambiental e cultural. “É preciso conhecer para preservar”, enfatiza.
Um desses exemplos é a Fazenda Itaoca, em Conceição do Rio Verde, Minas Gerais. A pesquisa desenvolvida na UFLA auxiliou na proteção de 30% da área total da propriedade, que se destaca pela produção de café com diferentes tipos de certificação. A área protegida inclui a RPPN Serra dos Criminosos, em Mata Atlântica preservada, cujo processo de averbação, finalizado em 2012, será tema de livro em fase de elaboração.
Durante o processo de criação da RPPN na Fazenda Itaoca, além da averbação da Reserva Legal as Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram identificadas e georreferenciadas; havendo preocupação singular com relação à proteção da fauna, flora e nascentes. Foram realizados os levantamentos da fauna e flora, além de coletas de água e solo. Na análise da vegetação foram identificadas 723 espécimes de 91 espécies; 73 gêneros e 39 famílias, adicionalmente, foram plantadas 9,6 mil mudas de árvores em parceria com a organização SOS Mata Atlântica.
Mesmo com o arrendamento da fazenda para a uma multinacional gerir a produção cafeeira – a Ipanema Coffee, os ideais de preservação foram mantidos e serão sempre respeitados. As certificações internacionais, cujos selos estão estampados no café produzido na fazenda, valorizam os diferenciais ambientais que fizeram da Itaoca um exemplo nacional de boas práticas sustentáveis.
A equipe da UFLA prepara agora o plano de manejo, que vai incluir um projeto de educação ambiental e um projeto de pesquisa para a Unidade de Conservação. Anualmente, a fazenda já é utilizada para aulas práticas dos estudantes de graduação e pós-graduação da UFLA, que participam efetivamente das atividades, identificando prioridades, novas linhas de pesquisa e propostas de manejo.
E qual o valor de um projeto científico cujo resultado é uma RPPN, incluindo a proteção da fauna, flora, nascentes e toda a diversidade nela habitada? Certamente, a avaliação desse benefício extrapola os artigos indexados em periódicos ou eventos para se debater a temática. Para a professora Rosângela Borém, o resultado pode ser sintetizado na relação Benefício X Benefício, pois a conservação tem sido positiva tanto para os proprietários, quanto para os trabalhadores, que sentem os reflexos de um manejo sustentável em todos os sentidos: econômico, social e ambiental.
Para a proprietária, Glória Polares, permanece arraigada no cerne da Fazenda Itaoca a ideia de que a sustentabilidade pode mudar o mundo. Ainda em luto pelo falecimento do senhor Aloysio Gomes Carneiro, idealizador do projeto ambiental na propriedade cafeeira, a família reitera a convicção de a RPPN ter sido uma ótima escolha. Eles continuam acreditando que a conscientização ambiental é o motor de mudanças e deve ser o legado para as futuras gerações.
No próximo sábado (26/3), o desejo do senhor Aloysio Carneiro será atendido – suas cinzas serão lançadas de um mirante recém-construído na Fazenda Itaoca, nas montanhas da Mantiqueira, de onde gostava de apreciar a diversidade ecológica e a plantação de café bem cuidada. Depois disso, o mirante será aberto para visitação, incentivando um novo olhar sobre a preservação de nosso meio.