O Brasil possui mais de 16 mil cavernas catalogadas pelo Centro de Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav). Na escuridão dessas formações país afora, há milhares de espécies ainda para serem descobertas.
O Centro de Estudos em Biologia Subterrânea (Cebs) da UFLA busca, por meio de parcerias, conhecer, pesquisar e ajudar a conservar o habitat de organismos muitas vezes raros, endêmicos e diferenciados, e que têm nesses ecossistemas, seus únicos refúgios. A Universidade é uma das poucas a ter um setor exclusivo para pesquisas científicas focadas na espeleologia, ciência voltada para o estudo de cavernas. Há quase 30 anos, o professor Rodrigo Lopes Ferreira, do Departamento de Biologia da UFLA (DBI), trabalha com cavernas em diversas regiões do País. “É um mundo ainda completamente inexplorado e desconhecido. Encontramos espécies, gêneros, famílias e até uma subordem nova. ”Minas Gerais é o estado brasileiro com o maior número de cavernas conhecidas: são 6,4 mil. Na região de Arcos, Pains e Doresópolis, onde os pesquisadores da UFLA realizam diversos projetos, há pelo menos 2.500 cavernas catalogadas e outras tantas que ainda não foram descobertas, o que mostra o grande potencial de estudos. “O que se conhece hoje não deve representar nem 10% do número de cavernas existentes no País”, explica Rodrigo. abertura 2 Apesar do avanço em pesquisas, que vêm demonstrando a importância dos ambientes subterrâneos em diversos ecossistemas, ainda é necessário investimento: “Já melhorou muito, mas é preciso continuar melhorando”, avalia o professor. Por isso, o Cebs realiza parcerias com entidades públicas e empresas privadas que proporcionam subsídios para as pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Um desses apoios vem do próprio Cecav. Diego de Medeiros Bento, que coordena a base do Rio Grande do Norte e atualmente desenvolve seu doutorado com coorientação do professor Rodrigo, explica como é feito o trabalho do órgão e a importância dessas parcerias com as universidades: “Fazemos o mapeamento das cavernas, e estudamos diversos aspectos da biologia e geologia para gerar conhecimento e, assim, conservar esses ambientes e manejar seu eventual uso. Hoje temos várias unidades de conservação criadas com foco na proteção do patrimônio espeleológico”, acrescenta. As pesquisas ajudam a criar políticas públicas e proteger espécies brasileiras ameaçadas de extinção. De acordo com a Constituição Federal, as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos são considerados patrimônio cultural; porém, sua exploração e até supressão pode ser autorizada por órgãos competentes, dependendo do tipo de atividade econômica que será estabelecida. O professor Rodrigo faz o alerta: “Dependendo do caso, uma caverna pode sofrer impactos irreversíveis ou até mesmo ser destruída. Porém, nesses casos, essa perda deve ser compensada. No entanto, atualmente, os estudos que determinam se uma caverna poderá ou não ser alvo de algum impacto ainda são insuficientes (ou no mínimo superficiais) e, com isso, espécies podem estar sendo parcial ou mesmo totalmente extintas.” A preservação e conservação dessas espécies também depende da comunidade ali existente. O professor Marconi Souza Silva, também do Cebs, ressalta que regiões como a de Pains possuem um grande potencial para o turismo, que ainda precisa ser desenvolvido na área. Pensando nisso, os pesquisadores e estudantes da UFLA realizam naquele município um trabalho de conscientização ambiental da comunidade: “Fazemos a divulgação do conhecimento que adquirimos ao longo das pesquisas principalmente nas escolas, mas também realizamos exposições na praça central da cidade, para que todos tenham acesso a esse patrimônio.” O objetivo, conforme diz Marconi, é levar informações sobre esses ambientes, para que as pessoas possam entender que esses locais podem ser usados de outras formas, e não somente como exploração minerária. Universidades parceiras Outras universidades também são parceiras da UFLA, e o conhecimento pode, assim, ser expandido para outras regiões do País, como é o caso da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), que fica no Rio Grande do Sul. A doutoranda Lindsey Hellmann explica sobre a cooperação científica entre as duas universidades: “Há cinco anos, o Cebs e a Unisinos começaram uma parceria que possibilitou a descrição de várias espécies, inclusive de planárias encontradas em cavernas, muitas delas troglóbias, isto é, exclusivamente cavernícolas.” Esses animais adaptaram sua existência à vida no meio subterrâneo, e estão sendo estudados pelas pesquisadoras gaúchas, como relata a pós-doutoranda Silvana Vargas do Amaral. “As planárias são organismos carnívoros predadores que contribuem para o equilíbrio do ecossistema. Elas podem ser encontradas em ambientes aquáticos ou terrestres. Nos últimos anos, inúmeros animais têm sido encontrados em cavidades presentes em diversas regiões do Brasil, muitos dos quais são potencialmente espécies novas, gêneros novos e grupos desconhecidos para a ciência.” O Cebs possui, ainda, diversas parcerias internacionais com pesquisadores da Alemanha, Espanha, EUA, Guatemala, Bolívia, Romênia, Namíbia, Nova Zelândia, Japão, Suíça, Eslovênia, Itália, entre outros, o que possibilita a ampliação do conhecimento sobre esses ambientes em escala mundial. Coleção Ao longo de suas pesquisas, os professores e estudantes do Cebs descobriram e descreveram diversos animais encontrados em cavernas. Somados aos organismos coletados ao longo das pesquisas desenvolvidas no Cebs, existem outros que vêm sendo enviados por consultores. Assim, atualmente, o prédio do Centro abriga uma coleção considerada uma das maiores da América Latina em fauna subterrânea, tornando-se um centro de referência para pesquisadores de todo o País. “Estimo que somente de 10% a 20% do material presente na coleção esteja tombado. Isso representa atualmente cerca de 70 mil espécimes, e novos exemplares continuam chegando”, relata o professor Rodrigo. “O processo de tombamento é lento e consome um tempo considerável. Nossa maior preocupação atual vem com a nova lei da Biodiversidade, que preconiza que para cada espécime, um longo formulário (de diversas páginas) deve ser preenchido. Nesse caso, todo o funcionamento da coleção pode ser inviabilizado, o que pode comprometer não somente as pesquisas científicas, como também diversos processos de licenciamento ambiental que dependem das coleções para depósito de material biológico”, explica o professor. Abaixo listamos alguns animais descobertos pelo Cebs e que estão presentes na coleção. A descrição dessas espécies aumenta o conhecimento biológico e é importante para a preservação das cavernas onde elas habitam e também do seu entorno, já que esses animais são troglóbios, estritamente cavernícolas e muitas vezes endêmicos que elevam a relevância das cavernas, protegendo não somente esses locais como todos os outros organismos que vivem naquele ecossistema a sua volta.
Essa e outras reportagens científicas desenvolvidas com estudos da UFLA você confere na revista Ciência em Prosa. Boa leitura!