Um fato curioso que pode até mesmo surpreender alguns é que o cerrado e outros tipos de vegetação “sequestram” e estocam gás carbônico. Um estudo realizado pela professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Engenharia Florestal da Universidade Federal de Lavras (PPGEF/UFLA) Marcela Terra, investigou os estoques de carbono da vegetação do cerrado encontrados acima e abaixo do solo (ou seja, nas raízes e no próprio solo). Os resultados mostram que, nas áreas estudadas, existe, em média, cinco vezes mais carbono estocado abaixo do solo do que acima, transformando o cerrado em uma “floresta invertida” (pelo menos no que diz respeito à estocagem de carbono).
Mas o que são e para que servem esses estoques? Um estoque de carbono é a quantidade de gás carbônico que foi “sequestrada” da atmosfera pelas plantas, por meio da fotossíntese, para ser mantida e reservada nas florestas. Com a fotossíntese, as plantas conseguem transformar o gás carbônico em carbono orgânico, ou seja, transformá-lo em algo que vai passar a fazer parte delas, de suas massas, que são chamadas de biomassa. O gás também pode ser mantido no solo, e, de acordo com Marcela, esses estoques são importantes para o clima. “A principal causa das mudanças climáticas globais é a emissão de gases de efeito estufa. Dentre eles, o principal é o gás carbônico. Remover o carbono da atmosfera é combater essas mudanças. E as plantas, com a fotossíntese, conseguem nos ajudar”, explica.
Por isso, o “sequestro” do carbono da atmosfera e a sua estocagem na vegetação são processos fundamentais no combate às mudanças do clima. Marcela também comenta que há uma tendência de valorização mais concentrada apenas nas florestas onde a quantidade de árvores é maior, o que torna “visível” uma maior estocagem de carbono. “Porém, o nosso estudo mostra que, em formações savânicas como o cerrado, com árvores relativamente menores e mais dispersas, também há um grande potencial para a estocagem de carbono, mesmo que ela esteja, de certa forma, invisível, já que está nos solos e nas raízes. Torço para que os resultados que encontramos contribuam para o reconhecimento do valor dos serviços ecossistêmicos prestados pelo nosso cerrado, que, por vezes, são diminuídos ou negligenciados. Afinal, a nossa pesquisa acende discussões sobre a conservação e o gerenciamento do cerrado e de outras savanas, e prova que esses ecossistemas são essenciais no combate às atuais mudanças climáticas que atingem o nosso planeta.”
Observando os estoques
Os pesquisadores realizaram a investigação utilizando dados de campo coletados em 21 localidades do cerrado do sudeste brasileiro. Esses dados, que são determinações reais dos estoques de carbono dos locais escolhidos, foram coletados em campo para o projeto já finalizado da UFLA “Inventário Florestal de Minas Gerais”, do Laboratório de Estudos e Projetos em Manejo Florestal (Lemaf/UFLA). O projeto foi iniciado em 2003 e foi coordenado pelo professor da UFLA José Roberto Soares Scolforo, que também participou da pesquisa.
No estudo, foram considerados os estoques de carbono do solo e das raízes encontrados até a um metro de profundidade. As análises revelaram que, no cerrado, diferente de outros ecossistemas, existe mais carbono abaixo do solo do que acima do solo.
Marcela afirma que os fatores ambientais que mais influenciam nos estoques abaixo do solo são os fatores climáticos ligados à temperatura (por exemplo, quanto maior a temperatura, menores os estoques abaixo do solo) e as características das texturas dos solos (por exemplo, quanto maiores os teores de argila no solo, maiores os estoques abaixo do solo). Já aspectos ligados à diversidade das árvores têm mais influência nos estoques acima do solo. Portanto, os estoques de carbono nos ecossistemas devem ser avaliados de uma maneira mais ampla, sendo que apenas um número maior de árvores não necessariamente é o único fator que pode contribuir para uma maior estocagem de carbono.
A publicação e a equipe
O artigo científico “A floresta invertida: Estoques de carbono acima do solo e elevados estoques de carbono abaixo do solo em savanas brasileiras e seus determinantes (“The inverted forest: Aboveground and notably large belowground carbon stocks and their drivers in Brazilian savannas”) estará disponível on-line gratuitamente até março e será publicado em abril na revista científica internacional “Science of The Total Environment”.
Para o estudo, Marcela convidou outros pesquisadores de seis instituições brasileiras e internacionais para colaborarem no artigo, que envolve diferentes áreas do conhecimento, como ciência do solo, ciência da vegetação, ecologia e clima. Além de Scolforo, participaram também Matheus Henrique Nunes, da University of Helsinki (Finlândia); Gabriel W. D. Ferreira, da Colorado State University (EUA); Jamir A. do Prado-Junior, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Rafaella Maciel, da Universidade de Brasília (UnB); Vinícius Augusto Morais, da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat); e Cleber R. Souza, Vanessa L. Rezende, Vanessa Mantovani, André Rodrigues e José Marcio de Mello, da UFLA.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.