Os rios e córregos que abastecem as cidades enfrentam diariamente desafios relacionados ao descarte inadequado de esgoto doméstico. Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) procuram remover as impurezas e poluentes desse esgoto antes de lançá-los novamente nos rios; entretanto, esse tratamento pode não ser eficaz. É o que demonstra um estudo recente sobre a ETE do município de Lavras, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da Universidade Federal de Lavras (UFLA), como parte de uma investigação realizada pela Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Civil a pedido do Ministério Público Federal.
A qualidade do esgoto doméstico, também conhecido como efluente, foi analisada em junho de 2023, em quatro pontos: antes de chegar à estação de tratamento, na montante ou direção contrária ao fluxo natural da água (P1) e na jusante ou sentido da correnteza (P2); na entrada da estação (P3) e na saída (P4), após o tratamento.
Foram feitas diversas análises físico-químicas para medir a presença de substâncias poluentes como surfactantes (usados em detergentes), coliformes fecais (como a bactéria Escherichia coli) e nitrogênio amoniacal, além da concentração de oxigênio dissolvido na água, importante para a presença de vida aquática. Também foram realizados testes em plantas, sementes e pequenos organismos para avaliar os impactos dessas substâncias no meio ambiente.
Os resultados revelaram problemas em praticamente todos os pontos estudados. Mesmo após o processo de tratamento, a água liberada pela estação (P4) ainda apresentava níveis elevados de componentes que podem prejudicar o ambiente, como a alta demanda de oxigênio e o excesso de matéria orgânica, que podem causar a morte de peixes e outros organismos aquáticos.
Os testes com sementes de plantas mostraram que o esgoto tratado não conseguiu eliminar completamente os poluentes. Embora alguns tipos de plantas tenham mostrado crescimento acelerado devido ao excesso de nutrientes como fósforo e nitrogênio, outras apresentaram inibição no desenvolvimento, possivelmente devido à presença de substâncias tóxicas, como detergentes e pH elevado.
Por sua vez, as amostras de esgoto bruto (P3) causaram a morte do microcrustáceo Artemia salina, indicando a presença de compostos tóxicos. O microcrustáceo é uma espécie de ambientes aquáticos salinos comumente utilizada em pesquisas laboratoriais, por permitir a identificação de alterações sutis na qualidade do ambiente. Portanto, estudos com o A. salina são capazes de revelar o impacto de substâncias tóxicas em organismos representativos de ecossistemas aquáticos.
O estudo também avaliou o efeito do esgoto no DNA das plantas, usando cebolas como modelo. Foi observado que, mesmo após o tratamento, a água da estação ainda provocava alterações genéticas nas células da cebola, o que pode ser um sinal de que esses resíduos têm potencial para causar mutações e outros problemas graves no ambiente, e possivelmente na saúde humana.
“Esses resultados reforçam a importância de aprimorar os processos de tratamento de esgoto para garantir que a água devolvida aos rios esteja realmente limpa e segura. Além disso, estudos como este são fundamentais para monitorar continuamente a eficiência das estações de tratamento e identificar falhas que possam comprometer a qualidade dos efluentes liberados no ambiente. Somente com um monitoramento rigoroso e melhorias constantes nos tratamentos será possível evitar danos ambientais e proteger tanto a biodiversidade dos corpos d'água quanto a saúde das populações que dependem desses recursos naturais”, afirma a docente do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada Larissa Vieira.
Metodologia
A metodologia aplicada envolveu a coleta de amostras do esgoto bruto, recebido pela Copasa, e do efluente tratado, além de amostras do corpo d'água a montante (antes da ETE) e a juzante (depois da ETE). A coleta ocorreu no dia 27 de junho de 2023.
A análise físico-química foi realizada segundo os requisitos estabelecidos pela ABNT e de acordo com a Deliberação Normativa Conjunta do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Cerh) para corpos de água e efluentes.
Por sua vez, os testes de germinação e desenvolvimento inicial com modelos vegetais (alface, rabanete, milheto e trigo), de alterações no ciclo celular (cebola) e com o microscrustáceo A. salina seguiram a metodologia padrão para fins de estudos ecotoxicológicos, com base em um sistema experimental que se assemelhasse o máximo possível dos efeitos reais da exposição.
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Ecogenotoxicologia do Departamento de Ecologia e Conservação, sob orientação da docente Larissa Vieira e co-orientação do doutorando do programa de Ecologia Aplicada Leonardo Mendes da Silva. O estudo teve a parceria da Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Civil e foi assunto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante do bacharelado em Ciências Biológicas Marcela Emiliano Novaes Matilde.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.