No Dia da Consciência Negra (20 de novembro), Minas Gerais volta seus olhos para um dos personagens mais emblemáticos da resistência negra no Brasil: Ambrósio, o rei quilombola que liderou, no século XVIII, uma das maiores comunidades livres do país. O Memorial do Quilombo do Ambrósio, em Cristais (MG), e o sítio arqueológico em Ibiá se tornaram símbolos dessa trajetória, ajudando a preservar e a recontar uma história que por muito tempo permaneceu invisibilizada.
A pesquisadora Daniella Santos Alves, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), revisita essa história no estudo “Gentios, calhambolas e vadios no sertão do Campo Grande - século XVIII”, publicado no livro Por uma história das Gerais. A pesquisa propõe um olhar decolonial sobre o passado mineiro, destacando como Ambrósio e seu povo construíram, em meio à violência colonial, uma sociedade livre, plural e baseada na coletividade.
De origem africana, possivelmente descendente dos povos Bantu (de regiões como Angola, Congo e Moçambique), Ambrósio foi trazido ao Brasil como prisioneiro do tráfico negreiro, junto de sua esposa, Cândida. Após conquistar a liberdade, o casal conduziu um grupo para o interior das matas mineiras, onde fundaram, por volta de 1726, o Quilombo do Ambrósio - núcleo que deu origem à Confederação do Campo Grande, uma rede de comunidades que chegou a reunir cerca de 15 mil pessoas entre as regiões que hoje correspondem a Cristais, Aguanil, Formiga, Ibiá e Campos Altos.
Mais que um refúgio, o quilombo se tornou um modelo de sociedade autônoma, onde negros libertos, indígenas e trabalhadores pobres criaram novas formas de viver, baseadas no respeito à natureza, na partilha e na liberdade.
“O projeto colonial europeu criou classificações para controlar e desumanizar as populações - o ‘índio tapuia’ era considerado selvagem, o ‘negro fujão’ perigoso, e os ‘vadios’, ociosos. Esses mesmos sujeitos, porém, transformaram a exclusão em resistência, formando alianças e construindo novos mundos possíveis”, explica a pesquisadora da UFLA, Daniella Alves. Para ela, revisitar a trajetória do Rei Ambrósio é um ato de decolonização da memória. “É reconhecer que o Brasil foi construído por muitos povos que resistiram e reinventaram a vida em meio à opressão. A história do Quilombo do Ambrósio é uma história de liberdade e de coragem coletiva”, afirma.
Atualmente, o Memorial do Quilombo do Ambrósio, em Cristais, e o sítio arqueológico em Ibiá preservam vestígios dessa história, funcionando como espaços de pesquisa, educação e valorização da cultura quilombola. Escavações e estudos arqueológicos têm reforçado a importância do local para a compreensão da formação histórica e social de Minas Gerais.