Cada vez mais, as tecnologias digitais estão precocemente presentes no cotidiano das crianças. Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Lavras (PPGE/UFLA) revelou que o uso excessivo de telas, como celulares, tablets e notebooks, pode afetar negativamente o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem, a memória e a atenção das crianças, além de influenciar suas habilidades motoras e sociais no ambiente escolar. O estudo também aponta caminhos para que o uso das telas seja feito de forma equilibrada.
Na literatura especializada, especialmente em estudos neurocientíficos, o excesso de uso de telas já tem sido apontado como algo prejudicial ao desenvolvimento integral da criança, sendo tratado como um problema de saúde pública. Com o objetivo de entender as influências do uso precoce de tecnologias digitais no desenvolvimento e na adaptação inicial de crianças na Educação Infantil, os pesquisadores coletaram os dados por meio de observações em salas de aula e entrevistas semiestruturadas.
De acordo com as informações levantadas, as crianças expostas precocemente aos meios digitais apresentaram comprometimentos de saúde (como obesidade, pressão alta e problemas de visão e de saúde mental), falta de atenção para realizar tarefas, maior dificuldade em seguir instruções, prejuízos à memória, dificuldades na coordenação motora fina, equilíbrio e controle motor, resistência a atividades estruturadas, impaciência, problemas de socialização, entre outros comportamentos. Observou-se, por exemplo, que as crianças que passavam mais tempo em frente às telas tendiam a preferir atividades individuais e demonstravam menor interesse em interagir com outras crianças durante atividades em grupo.
“A redução do tempo social e familiar, aliada ao aumento da exposição a conteúdos inadequados durante a interação excessiva com aparelhos eletrônicos, permite que questões emocionais sejam observadas. O maior tempo de tela, além de causar dependência e deixar a criança desinteressada no ambiente ao seu redor, também se associa a atrasos na linguagem e limitações no desenvolvimento motor, produzindo modos mais individualistas de lazer e, consequentemente, impactando o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social das crianças”, explica o orientador do estudo e professor do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Educação e Letras (DED/Faelch/UFLA) Cláudio Lúcio Mendes.
A egressa do PPGE/UFLA responsável pela pesquisa, Aline Patrícia Gomes, ainda ressalta que o equilíbrio entre o uso das tecnologias e as atividades físicas e sociais é essencial para um desenvolvimento saudável e holístico na infância. “O uso precoce de telas deve ser mediado para evitar impactos negativos no desenvolvimento infantil. A literatura especializada, somada às nossas descobertas, forçam reflexões sobre políticas educacionais, práticas pedagógicas e estratégias de mediação parental. Igualmente, levam a comunidade educacional e as famílias envolvidas no cuidado de crianças e adolescentes a estarem mais atentas aos impactos negativos do uso excessivo de telas”.
No estudo, verificou-se que 56% das crianças participantes utilizam telas por mais de uma hora por dia. De acordo com os pesquisadores, com base em diferentes fontes, são sugestões do uso desses aparelhos, dentro de limites seguros: primeira infância (0-3 anos) sem contato com telas, e com pais e cuidadores evitando utilizá-las na presença da criança; idade pré-escolar (4-6 anos) com utilização de 10 a 20 minutos, não todos os dias, e 30 minutos uma vez por semana; primeiros anos do ensino fundamental (6-9 anos), entre 30 a 45 minutos, mas não todos os dias e, em hipótese alguma, com uso de telas em quarto de dormir; transição da infância para a adolescência (10-16 anos), no máximo 90 minutos por dia e evitando contas pessoais em redes sociais.
Aline ainda espera que a pesquisa permita que pais, professores e responsáveis desenvolvam estratégias mais eficazes de mediação e regulação do uso de telas, promovendo, de fato, uma educação que integre o uso consciente das tecnologias com práticas pedagógicas que estimulem a interação social, a criatividade e a atividade física. A autora adverte, no entanto, que o estudo não estabelece uma relação direta entre o uso de telas e os comprometimentos observados, já que outros fatores podem estar relacionados a essas dificuldades, e destaca a necessidade de mais pesquisas para aprofundar a compreensão da influência do uso de telas no desenvolvimento infantil. A pesquisa, porém, contribui para a discussão sobre a necessidade de um uso equilibrado e consciente das tecnologias digitais na primeira infância.
A metodologia
As observações foram realizadas em dois momentos, em uma escola localizada no interior de Minas Gerais: no início do ano letivo de 2023 e após o recesso escolar, no segundo semestre desse mesmo ano. Foram utilizadas técnicas etnográficas de observação de duas turmas do primeiro período da Educação Infantil, além da realização de entrevistas com as famílias para investigar como se dá o uso das tecnologias no ambiente familiar e identificar quem participa da interação criança-tela. As professoras também foram entrevistadas para verificar como compreendem e percebem as influências do uso de tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem das crianças.
A análise foi sustentada pelos estudos de neurociências, que ajudaram a compreender o impacto das tecnologias digitais no cérebro infantil e nos processos de aprendizagem, dialogando também com alguns princípios dos Estudos Culturais, um campo de investigação que explora formas de produção e difusão de significados midiáticos e de telas nas sociedades atuais. Toda a pesquisa de campo foi realizada após uma revisão bibliográfica feita para entender, com base na neurociência, como o cérebro aprende e quais as suas possíveis modificações com o uso das tecnologias digitais.
A dissertação de mestrado “‘Eu quero meu celular’: As tecnologias digitais, a criança e a educação Infantil” foi defendida em 2024. O estudo também proporcionou a elaboração de um guia de orientação para pais e professores em formato de e-book, denominado “Tela consciente: um guia para o uso responsável de dispositivos digitais na primeira infância”. O material está disponível como conteúdo anexo na própria dissertação.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.