Dalva de Souza Lobo

Professora da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Educação e Letras da (Faelch) 

Departamento de Gestão Educacional, Teorias e Práticas de Ensino

 

No dia 7 de março deste ano, a Excelentíssima ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, proferiu as seguintes palavras “Dizem que nós fomos silenciosas, historicamente. Mentira. Nós fomos silenciadas, mas sempre continuamos falando, embora muitas vezes não sendo ouvida”.  Nesse mesmo dia, a historiadora e antropóloga Lilia Katri Moritz Schwarcz foi eleita imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL).

Os dizeres da ministra expressam a diferença entre silêncio por opção e aquele que, historicamente, por relações de poder constituídas historicamente, calou nossa voz. Na Antiguidade, por exemplo, a estrutura social era patriarcal; na Idade Média as canções medievais proibiam a mulher de manifestar seus sentimentos e, além disso, quando consideradas bruxas por atentarem contra a ordem vigente, eram execradas, e como párias queimadas pela Santa Inquisição. Execradas por quem? Por homens, na grande maioria das vezes.

Saltando para o século XX, especificamente no dia de 8 março de 1917, em meio ao cenário dantesco da Primeira Guerra Mundial, operárias entraram em greve pedindo melhores condições de trabalho e de vida, dizendo não à fome e à guerra na qual seus maridos lutavam enquanto elas trabalhavam para manter o sustento dos filhos e da casa. Esse dia ficou conhecido como o dia do protesto pelo “Pão e Paz”. 

Nesse nosso século XXI, no último dia 7 de março, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz foi eleita a 5ª mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL) e a 11ª a ocupar uma cadeira como imortal desde a fundação desta Academia. Sem dúvida, isso é motivo de orgulho para o país e para as mulheres principalmente, pois elas vêm conquistando espaços no cenário econômico, social, cultural e artístico do país. No entanto, é preciso ressaltar que a historiadora ainda representa uma porcentagem ínfima de mulheres a integrar a ABL, menos de 1%, assim como é irrisório o número de mulheres ocupando cargos políticos e cargos de liderança em outros espaços. 

Esses fatos retratam um país patriarcal, no qual os direitos da mulher ainda não são reconhecidos com a justeza que lhes cabe, e isso leva a uma questão muito mais profunda sobre o histórico silenciamento e a violência a que fomos submetidas física, emocional e psicologicamente.  

Porém, retomando os dizeres de nossa ministra, Carmen Lúcia, apesar desse silenciamento continuamos a falar e é por isso que hoje podemos tocar nessa ferida e voltar nosso olhar para nossas Pagus (Pagu), apelido de Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), jornalista, poeta, ativista política, integrante do Partido Comunista Brasileiro, em 1931, e uma das pioneiras na luta pelos direitos da mulher na sociedade e na política.  É momento de voltamos nosso olhar também para nossas ancestrais, para as bruxas do passado, para nossas Pagus e para as que vivem em nossa sociedade atual. 

Reverenciemos Marielle e tantas outras antes e depois dela; esse encontro com o passado é fundamental para compreendermos o presente e reconhecer nossa trajetória e conquistas ao longo da história. São a Cecilia, a Raquel, a Clarice, a Conceição, a Lygia, e as muitas Marias nos dando exemplos do quanto podemos alcançar, do nosso poder para debelar as injustiças que nos silenciaram, as quais ainda persistem, pois, embora trabalhemos tanto ou mais do que os homens, nossos direitos, assegurados na Constituição, na prática, não se concretizam devido ao preconceito de que somos mais frágeis, ou seja, menos capazes de exercer determinadas funções. Isso não é real, temos mulheres dirigindo caminhões, retroescavadeiras, nos tornamos engenheiras, advogadas, juristas, ministras, etc. 

Não somos vítimas, mesmo caladas demos e damos voz à nossa essência, e do ponto de vista da educação, como docente vejo claramente o quanto muitas alunas, tanto as mais jovens quanto as mais maduras, procuram posicionar-se diante das questões que nos afetam, buscando compreender e transformar esse legado de silenciamento. É a mulher, a mãe, a trabalhadora que se questiona e se permite Ser, Estar e Ocupar diferentes espaços, e isso é muito gratificante, pois denota um caminho em direção à igualdade de direito.

É inquestionável que devemos lutar inexoravelmente contra toda forma de opressão, de sexismo e de segregação, buscando a igualdade de direitos, e isso não significa uma guerra dos sexos. Essa, aliás, é questão muito complexa a meu ver porque pode levar a extremos, reforçando um nicho de mercado que se beneficia promovendo a polarização e a dicotomia, bases sob as quais se assenta para, em última instância, reiterar o esvaziamento cultural e o entendimento raso sobre a legitimidade de nosso posicionamento, de nossa luta e de nossas conquistas.

O exercício da democracia, da cidadania implica compreender nosso papel como agentes transformadoras nos diferentes âmbitos da sociedade, portanto, é fundamental trazer à tona questões como o significado de ser mulher; - seja branca, seja negra, pobre ou rica,  indígena, mãe solo ou não; e ouso trazer também a questão da idosa, do envelhecimento feminino, ainda pouco discutido em nossa sociedade e tão imprescindível e premente quanto as discussões aqui suscitadas.  

Então, o diálogo constante, pautado por políticas públicas que assegurem a igualdade de direitos é questão sine qua non se buscamos uma sociedade equânime e plural. Entendo, também, que se orientarmos bem os nossos filhos e as nossas filhas, nossas mulheres não se sentirão mais vilipendiadas, violentadas e excluídas.

Para encerrar, cito um poema que publiquei em meu livro "Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano", no qual expresso a maturidade feminina:

Rejuvelhecendo

Os traços da vida enfeitam no novo rosto da velha senhora.

(Dalva Lobo)

 

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