Por Marcelo Sevaybricker Moreira

Professor da Faculdade de Filosofia, Educação, Ciências Humanas e Letras (Faelch/UFLA)

 

O professor de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Marques lançou, em 2023, uma nova obra: "O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência", na qual argumenta que, se as condições atuais de vida das sociedades capitalistas forem mantidas nos próximos anos, a humanidade enfrentará condições climáticas absolutamente inéditas e extremamente adversas.

O livro parte de um consenso já estabelecido entre especialistas, qual seja, o de que já não vivemos no holoceno (época posterior à última Era Glacial, marcada por temperaturas mais amenas e que teriam viabilizado o florescimento das civilizações), mas em uma nova era geológica: o antropoceno (ou capitaloceno, para alguns), visto que as sociedades industriais afetaram estruturalmente as condições do sistema Terra. O aquecimento global é, talvez, o efeito mais conhecido dessa nova era, que também é marcada por ondas de calor e incêndios mais violentos (que destroem biomas nem totalmente conhecidos e tornam o ar irrespirável), por savanização, desertificação e secas mais intensas em algumas regiões (ao passo que, em outras, ocorrem tempestades e enchentes cada vez maiores), pela acidificação e poluição dos oceanos, por solos menos férteis e quebras de colheitas cada vez mais recorrentes, entre outras consequências do colapso ambiental em curso.

Baseado em um conjunto robusto de dados, Luiz Marques defende que falar em colapso ambiental não é alarmismo ou uma questão de ponto de vista, nem tampouco falar de um futuro distante. Antes fosse! Seu argumento é que vivemos, agora, um decênio decisivo. Ou mudamos estruturalmente nosso padrão de produção, ou teremos que lidar com um cenário tão negativo que parecerá obra de ficção científica. Trata-se de escolher entre um futuro ruim (dado que os sintomas do antropoceno iriam se prorrogar por muitos anos, mesmo que suas causas fossem imediatamente eliminadas), ou um futuro terminal, pois é com a sobrevivência da humanidade que estamos lidando. E, conclui o pesquisador, a contenção, mitigação e reversão dos efeitos da crise ambiental não podem depender apenas das autoridades governamentais, que só irão tomar algum tipo de medida contundente se forem realmente pressionadas pela sociedade civil.

O Brasil pode ter um papel crucial nesse contexto, contribuindo para acelerar e agravar a crise ambiental em curso, ou se tornando uma referência global de preservação ambiental. E a centralidade do País nesse cenário está diretamente relacionada ao fato de termos em nosso território a maior parte da floresta amazônica, elemento-chave para garantir condições climáticas minimamente adequadas à vida na Terra. Estamos, em resumo, em um momento no qual essa escolha precisa ser feita. Daqui a alguns anos, não teremos mais essa oportunidade.

Um parênteses: a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-75) sustenta, em seu livro A condição humana (1958), que nas sociedades de massa parte dos indivíduos parece ter se esquecido de que, além de sobreviver e trabalhar, todos são capazes de agir. Recorrendo à etimologia da palavra, Arendt relembra que a ação é uma atividade humana universal e essencial, que diz respeito à nossa capacidade de criar um “novo início" no mundo, de estabelecer, por meio de atos e discursos, uma nova forma de vida coletiva, em colaboração com os demais cidadãos. Vítima da perseguição nazista, parecia-lhe fundamental recordar aos seus leitores que a história depende sempre da capacidade humana de se organizar politicamente para definir como nós queremos viver.

Está em curso no País uma ação coletiva que pode ser fundamental para atenuar o futuro distópico que o colapso ambiental anuncia. O movimento “Amazônia de pé” é uma iniciativa suprapartidária que reúne inúmeros coletivos e indivíduos, e sua principal missão é coletar 1,5 milhão de assinaturas de eleitores e eleitoras brasileiras para garantir a preservação de terras da União, sem uso definido e situadas no bioma amazônico. Explico: há, na Constituição Brasileira de 1988, um instrumento de democracia direta chamado Iniciativa Popular. Segundo ele, se 1% dos eleitores apresentarem um projeto à Câmara dos Deputados, esse projeto pode se tornar lei. As chamadas Lei Daniella Perez e Lei da Ficha Limpa são dois exemplos exitosos de propostas de Iniciativa Popular. A intenção do “Amazônia de Pé” é enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para garantir que mais de 57 milhões de hectares de terras públicas do bioma amazônico sejam destinadas para a criação de unidades de conservação e demarcação de terras para comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais - comprovadamente as formas mais eficazes de combater o desmatamento.

E o que nós, cidadãos comuns, podemos fazer em relação a isso? Primeiro, encontrar um ponto de coleta de assinaturas - que precisam ser físicas - e apoiar esse projeto. Depois, será preciso que todos estejamos atentos e mobilizados para pressionar os parlamentares brasileiros a aprová-lo quando ele for, enfim, enviado ao Congresso. Na UFLA, já existem organizações e pessoas se mobilizando para levar adiante esse projeto. A sede do sindicato dos professores (ADUFLA) é um ponto de coleta de assinaturas. Basta passar por lá e assinar!

Se a ciência é capaz de prever, com razoável exatidão, as consequências do desastre socioambiental em curso, produzido no antropoceno, ela não pode, contudo, prever como vamos reagir diante disso, pois o futuro depende também da nossa capacidade de ação diante desse enorme desafio ambiental. Ainda há tempo de garantir que a Terra continue a ser um lugar bom para se viver.


Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. 13a edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.

MARQUES, Luiz. Decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência. Rio de Janeiro: Elefante, 2023.

 


Os conteúdos e opiniões apresentados nos artigos desta seção são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não correspondem à posição institucional da UFLA. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.



Plataforma de busca disponibilizada pela PRP para localizar grupos de pesquisa, pesquisadores, projetos e linhas de pesquisa da UFLA