Por Gilmar Tavares
Professor Titular aposentado e extensionista voluntário do Departamento de Engenharia Agrícola (DEA) da UFLA
Toda vez que os noticiários jornalísticos informativos da mídia nacional abordam o tema “queimadas”, especialmente “queimadas na Amazônia” e/ou “queimadas no Pantanal”, e também quando vejo aviões agrícolas sendo utilizados no combate a esses incêndios florestais, imediatamente recordo-me do “I Workshop de Combate a Incêndios Florestais com Aviação Especializada - DEG/UFLA/1995” (O DEG atualmente é identificado por DEA-Departamento de Engenharia Agrícola).
Tudo começou em 1980, quando fui indicado pela Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), atualmente UFLA, para participar presencialmente do “I Curso de Instrutores de Coordenação de Aviação Agrícola”, no Centro Nacional de Engenharia Agrícola (CENEA), Sorocaba – SP, promovido pela Embraer, em convênio com o MEC.
Durante o curso, um detalhe da aviação agrícola chamou-me especial atenção: a operação de “alijamento”, que consiste em uma atitude súbita e emergencial do piloto, quando, diante de um perigo iminente em voo, libera instantaneamente toda a carga do hopper do avião (tanque exclusivo de produtos químicos sólidos ou líquidos que serão aplicados via aérea), aliviando, assim, instantaneamente, o peso da aeronave, permitindo-a ganhar altura e mobilidade de ação rápida (há um dispositivo especial na aeronave agrícola para essa ação emergencial que lembra, guardadas as devidas proporções, a ejeção de segurança dos pilotos de aviação militar).
Eu, muito curioso, perguntei ao instrutor, o saudoso Cmte Ribas, se essa ação emergencial poderia ser utilizada também para apagar fogo, enchendo completamente o “hopper” com água e alijando-a instantaneamente, e em grande volume, sobre os focos de incêndios. O instrutor respondeu que sim, mas afirmou também que seria necessário um treinamento especial, porque isso seria uma “operação de guerra”, e ilustrou-a imaginando o ataque de um caça-bombardeio a um alvo em terra.
Aquilo ficou gravado em minha mente, porque sempre estive interessado e envolvido em ações de preservação do meio ambiente, e a problemática dos incêndios florestais em parques, reservas e florestas nacionais, já naquela época, incomodava-me e revoltava-me sobremaneira.
Retornando a Lavras, iniciei imediatamente o ensino de Coordenação de Aviação Agrícola no meu Departamento, treinando e capacitando várias turmas, porém sempre com uma visão e abordagem socioambiental.
Por esse motivo, durante esses treinamentos, passei a realizar, em caráter demonstrativo, aulas práticas de ataque a focos de incêndios, usando água e corante para destacar a ação, gravando-a em vídeo, para posterior divulgação dessa ousada e audaciosa possibilidade de combate a incêndios florestais com o avião agrícola. Só lamento que, naquela época, não tínhamos os acurados celulares que temos hoje em dia, para fotos de qualidade.
Mas era evidente que um protocolo especial para essa ação deveria ser desenvolvido, ou seja, uma doutrina de ação específica deveria ser utilizada, porque aproximar-se via aérea de um foco de incêndio com o hopper completamente lotado e alijar tudo instantaneamente sobre correntes de ar quentes ascendentes, com presença de fumaça e fuligem, é muito perigoso, perigosíssimo!!!!
Foi então que, em 1995, cristalizei um projeto viável para debater participativamente essas questões específicas com especialistas, simpatizantes e apoiadores, afim de construir uma doutrina ativa especial de ação, com a elaboração de um protocolo de ações adequado ao objetivo final.
Para isso, idealizei e coordenei juntamente com o prof. Wellington Pereira Alencar de Carvalho, recém egresso do CENEA/SP, apoiados pelo DCF/UFLA, o “I Workshop de Combate a Incêndios Florestais com Aviação Especializada”. Vejam fotos anexas.
O evento foi um grande sucesso e, no discurso de abertura, afirmei categoricamente que :
“O objetivo deste evento é demonstrar e defender a tese de que uma esquadrilha de aviões agrícolas com pilotos bem treinados em combate a incêndios florestais será a solução para a problemática recorrente dos incêndios em parques, reservas e florestas nacionais, que todos os anos destroem nossos biomas, enchendo nossas vidas de cinzas, trazendo vergonha e morte!!!
Uma esquadrilha de aviões agrícolas com pilotos bem treinados, preparados para a finalidade específica, será a solução para a extinção dos incêndios florestais no Brasil, pelas características da vegetação de nossos biomas e porque nosso País tem cerca de mil aeronaves agrícolas espalhadas por todo território nacional, as quais, após o treinamento específico dos pilotos, poderiam entrar em ação rapidamente, tão logo a aviação civil e/ou outros, localizassem os focos de incêndio via GPS.
Porém, penso que não é simplesmente o avião jogar água em cima do fogo, como possa simploriamente parecer, mas sim, uma operação cuidadosa, que exige treinamento, tecnologia e coordenação. Uma ação tecno-científica profissional bem preparada, em seus vários aspectos.
Espero, então, neste sonhado evento, ter a chance de edificar minha teoria, ou seja, que é possível acabar com estes incêndios florestais treinando esquadrilhas e colocando-as em ação no momento oportuno, imediato”.
Um grande público compareceu ao evento. Vários segmentos correlatos ao tema foram identificados e o evento contou com a participação de pesquisadores, professores, operadores militares, que ministraram palestras aos participantes. Enfim, foram dias de seminários e debates proveitosos, incluindo exibições práticas de combate a incêndios no aeroporto local.
O evento tornou-se, por ser pioneiro, um marco na história da aviação agrícola no Brasil. Houve um consenso geral sobre a viabilidade de continuidade da proposta, mesmo identificado-se os custos elevados de possíveis operações aéreas socorristas localizadas.
Embora, no encerramento do evento, não tivéssemos conseguido, naquele momento, redigir o pretendido protocolo de ações, e consequentemente definir uma doutrina de ações específicas padrão, que orientaria a formação, treinamento e ações de esquadrilhas de aviões agrícolas especializadas em combate a incêndios florestais, percebemos claramente que a “boa semente tinha sido lançada e caído em terra fértil” e que, num futuro próximo, essas propostas inovadoras seriam reavaliadas e implementadas de alguma forma, como realmente estão sendo atualmente.
Por tudo o que observamos hoje em dia, embora continuemos a lamentar amargamente os incêndios em nossos biomas, podemos afirmar com segurança que a ESAL/UFLA é o berço do combate a incêndios florestais com aviação especializada, que é uma importante ferramenta a ser aperfeiçoada constantemente.
Parabéns a todos participantes da construção desta história exitosa!!!
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