Gilberto Coelho
Carlos Rogério de Mello
Professores do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) - Escola de Engenharia da UFLA 

 

Nos últimos meses, o assunto “Crise Hídrica” tomou conta dos principais veículos de comunicação. O medo do racionamento de energia elétrica e de água para abastecimento público colocou a população em alerta, medo esse que é real e plausível. Contudo, uma pergunta ainda carece de respostas mais precisas: quais são os fatores geradores da crise hídrica e, consequentemente, da possibilidade de problemas com o fornecimento de energia elétrica e água potável? A seguir serão apresentados alguns fatores que ajudarão explicar a “Crise Hídrica” do ano de 2021.

Primeiramente, é importante contextualizar que “Crises Hídricas” são geradas por precipitações anuais inferiores às médias (anomalia negativa do clima), situações que geram períodos de seca. Dessa forma, salienta-se que eventos de seca no Brasil são registrados desde o século 18. Especificamente, na terceira década do século 18, ocorreu uma grande seca na região nordeste do Brasil e esse evento vitimou muitas pessoas. Outras secas emblemáticas registradas no Brasil foram as de 1934 a 1936, 1964/1965 e 2013/2014. As secas recentes, como as de 2013/2014 e 2020/2021, foram - e, no caso da última, está sendo - muito impactantes em função do grande crescimento demográfico brasileiro, bem como das atividades produtivas, que aumentam a demanda por água e energia.

Anos com precipitação abaixo da média e/ou com concentração de chuvas em um curto período do ano não promovem boas condições para alimentação dos aquíferos, especialmente os freáticos, e são esses que mantêm a vazão dos corpos hídricos no período de estiagem. Logo, anos consecutivos de precipitação abaixo da média levam os aquíferos a ficarem exauridos e, consequentemente, as vazões dos corpos hídricos reduzem-se demasiadamente, podendo, em casos extremos, fazer com que cursos d’água perenes tornem-se intermitentes e estabelecendo um cenário de “Crise Hídrica”. É importante ressaltar, ainda, que o aumento da temperatura do ar é outra causa meteorológica das secas, uma vez que há aumento da evaporação e da transpiração das plantas, reduzindo ainda mais a água armazenada nos reservatórios ou no solo e nos aquíferos mais superficiais. Na década de 2010, vários eventos consecutivos de seca têm sido observados no sudeste do Brasil (Figura 1), especialmente concentrados entre os anos hidrológicos de 2013/2014 a 2020/2021, cujas causas têm sido os fatores meteorológicos mencionados.

Uma imagem contendo lápis

Descrição gerada automaticamente  

Figura 1. Índice Padronizado de Precipitação, gráficos do lado esquerdo representam os 6 meses mais chuvosos (outubro a março) e os do lado direto, os 4 meses mais chuvosos (novembro a fevereiro). 

 

Os cenários futuros não são muito animadores, pois os relatórios do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) demonstram um aumento da ocorrência de chuvas extremas (alta intensidade e curta duração) e aumento da concentração de chuvas no período de novembro a fevereiro, além de aumentos de temperatura que podem superar facilmente os 2oC em termos de média anual, e  das ondas de calor que estamos presenciando. 

A crise hídrica se agrava, principalmente, quando abordamos a questão da produção de energia elétrica, uma vez que nossa matriz é prioritariamente hidroelétrica e muitas dessas hidrelétricas estão em operação há mais de 50 anos, portanto, necessitando de investimentos que visam sua maior eficiência, tais como substituição de turbinas de baixa eficiência por outras mais modernas e de alta eficiência. Além disso, formas alternativas de produção de energia de baixo impacto ambiental devem ser priorizadas pelos governantes. 

Outros pontos importantes são o desmatamento das cabeceiras das bacias hidrográficas e o cultivo sem técnicas de conservação do solo. As cabeceiras são as áreas de recarga dos lençóis freáticos que, consequentemente, alimentam as nascentes. O desmatamento desses locais e o cultivo sem práticas de conservação do solo reduzem a infiltração de água no solo, afetando, portanto, a vazão das nascentes, reduzindo-as drasticamente nos períodos de estiagem. Isso desencadeia a seca hidrológica na bacia hidrográfica como um todo.

Como contraponto aos cenários de precipitações abaixo da média, o aumento da frequência de eventos extremos afeta a distribuição temporal das chuvas - trata-se de um aspecto negativo do clima que, inclusive, já está sendo observado. Essa situação, combinada com o uso inadequado do solo, leva a um processo de redução de infiltração de água no solo e ao aumento do escoamento (enxurradas), ou seja, temos aqui dois impactos, um sobre a quantidade de água disponível e outro sobre a qualidade da água, uma vez que a erosão e o transporte de sedimentos e agroquímicos potencializa ainda mais o problema. 

Assim, recomenda-se tratar e pensar o solo como o principal reservatório de água, aumentando o tempo de permanência da água na superfície do solo, o que aumentaria a infiltração e, consequentemente, a recarga dos aquíferos. Porém, para que ocorra uma melhor infiltração da água no solo, é preciso investir em técnicas de manejo adequado do solo e reflorestamento das áreas de recarga das nascentes. Assim, em um contexto mais abrangente de manejo de bacias hidrográficas e do uso do solo, precisamos de planos eficazes que objetivam aumentar a proteção do solo e, como consequência, a capacidade de produção de água nas vertentes. Além disso, torna-se altamente relevante que os planos e projetos de irrigação sejam os mais eficientes possíveis, com o mínimo de perdas por escoamento, e que nossos recursos hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, possam ser usados de forma mais eficiente pelo sistema produtivo, via gestão mais eficiente e fiscalização do uso da água.

 

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