Por Rodrigo Lopes Ferreira
Professor do Instituto de Ciências Naturais da UFLA (ICN/UFLA)
* Texto publicado como carta na revista científica Science e assinado por 95 pesquisadores de 33 países, que representam 95 instituições (57 universidades, 27 institutos de pesquisas e 11 museus). Assinam a carta os mais importantes pesquisadores mundiais das áreas de biologia e geologia subterrânea, além de ecólogos, zoólogos e espeleólogos.
Sob a presidência de Jair Bolsonaro, o Brasil tem negligenciado a proteção ambiental (1). Até recentemente, os ambientes subterrâneos eram amplamente protegidos; embora algumas cavernas pudessem ser destruídas para fins de exploração de recursos minerais ou desenvolvimento urbano, aquelas classificadas como de máximo valor cultural, geológico e/ou biológico deveriam ser preservadas (2). No entanto, um decreto presidencial de janeiro (3) permite a destruição mesmo daquelas cavernas de máxima relevância, representando um retrocesso substancial para a conservação de habitats subterrâneos.
O novo decreto ignora o insubstituível valor científico das cavernas brasileiras. Pesquisadores documentaram centenas de espécies endêmicas de cavernas, incluindo animais com adaptações únicas (4). Milhares de espécies ainda carecem de descrições formais, e muitas outras aguardam serem descobertas. Pelo menos 72 espécies de morcegos abrigam-se em cavernas brasileiras e fornecem serviços ecossistêmicos críticos, como controle de pragas (5). A geodiversidade dessas cavernas também é excepcional, com muitos locais abrigando minerais raros e formações geológicas não encontradas em nenhum outro lugar (6). Finalmente, a infinidade de sítios arqueológicos e paleontológicos em todo o país fornecem um registro único do passado do Brasil.
O decreto de Bolsonaro aumenta o risco de extinção de espécies únicas. Ao ignorar os valores intrínsecos e utilitários das cavernas brasileiras, a política negligencia estratégias globais de conservação para salvaguardar o bioma subterrâneo (7, 8), viola os princípios tanto da Política Federal de Biodiversidade (9) quanto da Convenção sobre Diversidade Biológica (10), e não se alinha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. As perdas potenciais de espécies únicas, serviços ecossistêmicos e novos produtos químicos industriais (que podem ser derivados dos micróbios encontrados nas cavernas) (11) são imprevisíveis. Além disso, assim como causar a extinção de espécies pode prejudicar a reputação de uma empresa, a política pode prejudicar o setor de mineração que a administração busca apoiar. Não podemos permitir que esses ecossistemas sejam obliterados por decretos míopes.
Notas
1. H. Escobar, Science, 10.1126/science.aay9103 (2019).
2. Decreto nº 6.640, de 07 de novembro de 2008 (2008); www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/ Decreto/D6640.htm.
3. Decreto nº 10.935, de 12 de janeiro de 2022 (2022); www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.935-de-12- de-janeiro-de-2022-373591582.
4. K. Yoshizawa et al., Curr. Biol. 24, 9 (2014). 5. R. A. Medellín, R. Wiederholt, L. Lopez-Hoffman, Biol. Conserv. 211, 45 (2017).
6. C. J. Schenk, R. J. Viger, C. P. Anderson, “Maps showing geology, oil, and gas fields and geologic provinces of the South America region: U.S. Geological Survey Open-File Report 97-470-D” (1999); https://pubs.er.usgs.gov/ publication/ofr97470D.
7. J. J. Wynne et al., Conserv. Lett. 14, e12834 (2021).
8. D. Sánchez-Fernández et al., Nat. Clim. Change 11, 458 (2021).
9. Decreto nº 4.339 de 22 de agosto de 2002 (2002); www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4339.
10. Convention on Biological Diversity (www.cbd.int).
11. P. N. da Costa Souza et al., Afr. J. Microbiol. Res. 7, 483 (2013).
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